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Corpos, Gêneros e Sexualidade das Mulheres Transexuais e das Travestis

Corpos, Gêneros e Sexualidade das Mulheres Transexuais e das Travestis
Fernanda De Moraes da Silva
nov. 25 - 31 min de leitura
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PRÁTICAS DE PRODUÇÃO DOS CORPOS, GÊNEROS E SEXUALIDADES DAS MULHERES TRANSEXUAIS E DAS TRAVESTIS

                                                                       
 Fernanda de Moraes da Silva –                                                              Iyálòrísá de Candomblé da Nação Ketu,                        Teóloga, Assistente Social, Militante Ativista,                          Pós-Graduada em Direitos Humanos e Sexualidade,              Secretária Executiva Geral da ANTRA,                                            Coordenadora Estadual do FONATRANS em São Paulo,        Presidenta do Instituto APHRODITTE-SP.


E-mail: fernandamoraesantos@gmail.com


                   "A mesma pessoa. Não há diferença. Só o sexo é diferente." (Orlando, no filme Olhando na frente do espelho).

Novembro de 2020

PRÁTICAS DE PRODUÇÃO DOS CORPOS, GÊNEROS E SEXUALIDADES DAS MULHERES TRANSEXUAIS E DAS TRAVESTIS

Introdução
A sexualidade humana é algo atraente e um tanto fascinante e com muito mais gradações que as simples oposições entre macho-fêmea, homem-mulher ou homo-hétero. Muitas vezes as pessoas acabam polindo suas preferências sexuais para simplificar sua vida ou o convívio social, deixando de fazer coisas que gostariam para conseguirem se encaixar em determinado estereótipo. Ou encobrem o tipo de pessoa ou atividade que gosta de praticar das pessoas com que convivem para não ter que passar por certos tipos de comentários e ficar dando explicações ou satisfações. Ou pura preguiça de ter que fazer o mesmo discurso mais uma vez.
Um dos matizes mais interessantes (e que mais causam dor de cabeça) são os casos das mulheres transexuais e das travestis que querem fazer a "transição" para o sexo/gênero oposto para assim conseguirem ter relações homossexuais lésbicas, ou seja, relacionar-se amorosa, afetiva e sexualmente com outras mulheres.

Proposta de conceitualização:
•   Transexualidade - trata-se de um desejo de viver e ser aceita enquanto pessoa do gênero oposto ao de seu nascimento. Este desejo se acompanha em geral de um sentimento de incômodo ou de inadaptação por referência a seu próprio sexo anatômico e do desejo de submeter-se a uma intervenção cirúrgica ou a um acompanhamento hormonal a fim de tornar seu corpo tão conforme quanto possível ao gênero desejado.


•   Travestilidade - trata-se de um desejo de viver e ser aceita enquanto pessoa do gênero feminino. Este desejo, porém, não se acompanha de sentimento de incômodo por referência a seu próprio sexo biológico de nascimento.

Travestilidade: uma auto-construção do gênero feminino
Uma vez na rua, toda travesti é considerada marginal, perigosa, sem nenhuma chance de provar o contrário. Pode ser presa a qualquer minuto, agredida ou assassinada que nenhum transeunte moverá um dedo sequer em sua defesa. Pensam: Alguma coisa ela deve ter feito. (Trecho do espetáculo Quem Tem Medo de Travesti, As Travestidas).


Travestis são pessoas que nascem identificadas com um sexo masculino, mas que se vestem, vivem e assumem cotidianamente comportamentos femininos e buscam modificar seus corpos com injeções de hormônio, aplicações de silicone líquido industrial e outras cirurgias plásticas, mas não sentem desconforto algum com seu sexo de nascimento. 
Travestis aderem ao Gênero Feminino e assumem o mesmo Papel Social, algumas podem ser ambíguas, tendo, algumas vezes, sua Identidade Social/Sexual masculina e feminina coligadas e convivem muito bem interagindo com essa dualidade, independente da Orientação Sexual, e, podem ser heterossexuais, bissexuais ou homossexuais, ou seja, relacionar-se sexual, amorosa e afetivamente com Homens, Mulheres e/ou outras Travestis, ao mesmo tempo, sem qualquer encargo de consciência ou transtorno psicológico. 
Travesti hoje em dia no Brasil se refere principalmente à uma pessoa que apresenta sua identidade social oposta ao sexo designado no registro civil de nascimento, mas que não almeja, de forma alguma, se submeter à uma Cirurgia de Transgenitalização ou Readequação de Sexo - CRS. 
O termo Travesti (do latim trans, cruzar ou sobrepassar, e vestere, vestir) tem origem na língua francesa: Travestie e referia-se à forma de se vestir em casas de espetáculos na França, onde mulheres se apresentavam com roupas pequenas, sensuais e provocantes, a partir do século XV. Na língua inglesa o termo preferido é transvestite que foi cunhado a partir dos estudos do sociólogo e sexólogo judeu-alemão, Dr. Magnus Hirschfeld, que publicou a obra, em 1910, (Die Transvestiten: eine Untersuchung über den erotischen Verkleidungstrieb) Os Travestidos: uma Investigação do Desejo Erótico por disfarçar-se para descrever a um grupo de pessoas que de forma voluntaria e frequente se vestiam com roupas comumente designadas ao sexo oposto.  
Travesti ou Eonista era originalmente uma pessoa que se vestia com roupas do sexo oposto para apresentar-se em shows e espetáculos; mas essa prática passou a designar hoje em dia principalmente os transgêneros (atores, artistas transformistas ou drag-queens, etc...).
No século XVIII, no Reino Unido, os bailes de máscaras proporcionaram um olhar histórico sobre a cultura em torno da figura travesti. Permeado pelo clima carnavalesco, onde os bailes eram marcados pelas transgressões sociais cisnormativas, pois haviam expressivas lutas de classes, possibilitando que as pessoas e a violação dos moldes sociais prédefinidos para a sexualidade. 
Contudo, os bailes de máscaras do século XVIII representaram a afirmação de uma nova sexualidade (Castle, 1999). As transgressões projetaram ataques as rígidas fronteiras de comportamento cishegemônico entre os gêneros o que potencializou maior individualidade e expressão de desejos afetivos e sexuais. 
Naquele período, a figura travesti tomou espaço no centro da Inglaterra, uma expressão do desejo oculto das pessoas. Sua figura transgredia os modelos hierárquicos impostos pelas normas vigentes da época. As roupas marcavam as diferenças entre homens e mulheres, trocar os vestuários significava ir contra os de modelos de padrões morais da sociedade. Segundo Castle: As Travestis erotizaram o mundo. Não só as pessoas se livraram de suas inibições como também podiam experimentar, hipoteticamente pelo menos, um novo corpo e seus prazeres. A troca de roupa era também uma troca de desejos. O resultado era uma fuga do ‘natural’ – de tudo o que fosse culturalmente preordenado – para novos domínios da desordem voluptuosa (Castle, 1999). 
Somente na segunda metade do século XX, travestir-se passou a ser pensado como uma identidade sexual. Tudo isso se tornou possível devido a importantes transformações sociais e políticas que ocorreram no final da década de 1960.
Os anos de 1960 foram um período de grandes questionamentos da sexualidade, do sexo como fonte de prazer e não apenas como dispositivo para reprodução humana e, também como campo de luta pelo direito à participação política e elemento indispensável à cidadania plena. 
Entre os vários movimentos sociais que despontaram naquele período, destacaram-se os movimentos: feminista, negro e o “homossexual”, porque todos questionavam de alguma forma as relações afetivo-sexuais no âmbito das relações íntimas do espaço privado. O movimento feminista lutava contra a dominação masculina e a divisão de trabalho. O movimento negro nos EUA contestava a segregação étnico-racial, que limitava seus direitos, inclusive à constituição de casais hetero-crômicos. E o MHB (Movimento Homossexual Brasileiro) que reivindicava direitos civis, havia o pleito pela retirada do termo homossexualidade da lista do CID da Organização Mundial de Saúde e pela efetivação da cidadania em diversos outros aspectos.
Não há consenso sobre qual episódio marca o início dos movimentos das travestis, porém a criação do periódico Transvestia: The Journal of the American Society for Equality in Dress, em 1952, é considerado por alguns o marco inicial dessa luta nos Estados Unidos. Além disso, travestis e transexuais, especialmente Sylvia Rae Rivera e Marsha P. Johnson, foram figuras-chave da Rebelião de Stonewall.
O movimento das Travestis e Mulheres Transexuais, através da ANTRA e do FONATRANS, abarcam hoje uma ampla diversidade de demandas sociais, que reivindicam o reconhecimento não-discriminatório das possibilidades de se constituir enquanto cidadãs e, tanto pela orientação afetivossexual quanto pela identidade de gênero, questionam os padrões da heterossexualidade cisnormativa pré-constituída social e historicamente de forma hegemônica.
Essas são algumas das pautas, do movimento organizado das Travestis e Transexuais no Brasil e no mundo:
Criminalização da homo-lesbo-bi-transfobia (LGBTFOBIA);
Reconhecimento da identidade de gênero (que inclui a questão do nome social);
Despatologização das identidades transexuais e travestis;
Casamento civil igualitário;
Permissão de adoção para casais trans-afetivos;
Laicidade do Estado e o fim da influência da religião na política;
Leis e políticas públicas que garantam o fim do estigma e da discriminação em lugares públicos, como escolas e empresas;
Fim da estereotipação da população das Travestis e Transexuais na mídia (jornais e entretenimento), assim como real representatividade nela.
Embora as travestis estivessem até os anos de 1960 associadas (e subdescritas) aos gays, o movimento social organizado das Travestis e Transexuais e inúmeros estudos acadêmicos demonstram que há várias singularidades nestes grupos de pessoas, comunidades ou identidades, existindo por isso, no interior do movimento LGBTI+, associações próprias de travestis na luta por reivindicações específicas. Travestis se definem, segundo a literatura antropológica mais recente, como pessoas que modificam e que ornamentam seus corpos, por meio de hormonioterapia de feminilização, com a finalidade de aproximá-los, pela aparência cisnormativa, ao do gênero feminino (Patrício, 2008). O conceito de travesti, segundo Pelúcio: As travestis são pessoas que nascem com o sexo genital masculino (por isso a grande maioria se entende como homem) e que procuram inserir em seus corpos símbolos do que é socialmente sancionado como feminino, sem, contudo, desejarem extirpar sua genitália, com a qual, geralmente, convivem sem grandes conflitos. Via de regra, as travestis gostam de se relacionar sexual e afetivamente com homens, porém, ainda assim, não se identificam com os homens homo-orientados (Pelúcio, 2006). Pelúcio (2007) optou pelo termo e conceito de “travestilidades”, que engloba os variados aspectos que compõem a diversidade e a pluralidade desta categoria de identidade, sinalizando as multiplicidades da experiência do cotidiano de tantas travestis, na construção e desconstrução dos seus corpos, ao invés de “travesti”, “mulher trans” que muitas vezes, é visto de forma simplificada. Pelúcio, o termo afirma a multiplicidade da experiência ligada à construção e desconstrução dos corpos, ainda que exista uma rigidez no gênero destas pessoas. Essa rigidez existe devido às experiências constituídas dentro da heteronormatividade cishegemônica, o que não impede que o corpo da travesti “comporte uma ambigüidade, o que causa incertezas, dúvidas nos códigos de inteligibilidade, pois é “um corpo aparentemente feminino que entre as pernas há um órgão sexual masculino, e mais ainda, faz uso dele” (Peres, 2005). 
A Travestilidade é uma condição identitária feminina e não uma orientação sexual. As razões da Travestilidade ainda não estão bem claras e isso tem sido causa de muita especulação científica, mas nenhuma teoria psicológica/psiquiátrica foi considerada consistente. Teorias que assumem uma diferenciação no cérebro das Travestis são ainda recentes e difíceis de serem comprovadas, porque no momento requerem uma análise complexa das estruturas cerebrais inatas. 
A grande maioria das Travestis, em geral, não negam e até aceitam sua genitália como algo que as torna "mulheres" diferentes e parte do fetiche social/sexual, não se sentem constrangidas em falar, tocar, ver ou serem tocadas em sua genitália e faz parte do modo como obtém seu prazer sexual. 
Ser Travesti não é pejorativo ou marginal, pois elas, muitas vezes são empurradas à prática prostituição de rua, por imposição social, por falta de oportunidades profissionais no mercado de trabalho formal, devido ao preconceito social (transfobia), aos estigmas vivenciados por elas, pelo enfoque errôneo da mídia e pela maior visibilidade dada à prostituição de rua.


MULHERES TRANSEXUAIS E AS TRAVESTIS
Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino.  (O Segundo Sexo, Beauvoir)

A população brasileira das Mulheres Transexuais e das Travestis ainda é vista com muito preconceito e incompreensão pela grande maioria da sociedade em que vivemos. Pois, muitas pessoas ainda estão aprisionadas à matriz cishegemônica heterossexista, não concebem uma dimensão social e associada à cultura de uma "nova"  identidade feminina que fuja da lógica do binarismo que envolve os gêneros biológicos.
Com seus corpos abjetos e suas estruturas corporais (re)construídas, (re)modeladas e/ou modificadas, pela ação de uma terapia hormonal, ou das cirurgias plásticas estéticas; Elas só podem e devem existir e circular dentro de uma continuidade "homonormativa" na qual a indefinição, ou a incongruência, de um gênero e de uma sexualidade precisa e específica. O que leva, também, à impossibilidade de rotulação de toda e qualquer informação referente, tanto delas quanto daquelas pessoas com as quais elas se relacionam amorosa, afetiva e sexualmente. 
Durante vários anos, inúmeras mulheres transexuais e as travestis resistem e persistem para ser reconhecidas por um gênero distinto do que foi imposto a elas no momento do seu nascimento. O respeito identidade de gênero feminina das mulheres transexuais e das travestis e de firmarem-se como mulheres e gênero feminino, em uma sociedade igualitária e diversificada, é o de tornarem-se cidadãs e seres humanos na sua integridade e dignidade. No entanto há um processo sucessivo de extermínio e apagamento dessa identidade nesta parcela da população brasileira.
Em função do desconhecimento, a transfobia estrutural continua a existir em grande escala. Então, procuramos elucidar um pouco mais a respeito da identidade feminina das mulheres transexuais e das travestis, além de analisar o protagonismo das mesmas, com o objetivo de demonstrar como a discriminação, o estigma e a postura ambígua em relação as mesmas, pode ser reproduzido a partir de discursos aparentemente imparciais e neutros.
A multiplicidade e a pluralidade a cerca o vocábulo substantivo 'mulher' nos levam a diversas indagações que costuram a política social e identitária do “tornar-se mulher”, em clara alusão à conhecida afirmação da pensadora feminista francesa Simone de Beauvoir, no fim da década de 1940. A busca por uma universalidade do termo, que fixa 'a mulher' como personagem de um discurso, na época, demonstrou-se insuficiente, uma vez que isso implica em um automático jogo de exclusão e intolerância transfóbica em nome de determinada delimitações identitárias e sociais e, até mesmo, histórica da vasta população mundial das mulheres transexuais e das travestis.
As Mulheres Transexuais e as Travestis, ao sentirem-se incomodadas pelo fato do não pertencimento ao seu sexo/gênero de nascimento, buscam por modificações corporais intensas, tais como injeções e ingestão de comprimidos de hormônios femininos (antiandróginos, progesterona e estrogênio), aplicações de silicone líquido industrial, no caso de muitas Mulheres Transexuais e das Travestis que ainda se prostituem e, outras cirurgias plásticas, encontrando, nesses métodos, alguns ilegais, uma forma, mais atrativa, do ponto de vista estético cisgênero naturalizante, de adequar corpo e mente. Por conta disso não têm como ocultar sua verdadeira identidade de gênero por trás de biombos ou dentro de armários sociais. Não são Mulheres "passáveis", porque não estão se passando ou se disfarçando de mulheres. Apenas estão expondo uma identidade que é sua e que é negada, pela sociedade cisnormativa, todos os dias por causa do preconceito.
Essa (in)visibilidade é praticamente obrigatória a partir do momento em que sentem o desejo de identificarem-se pública e socialmente. E para aquelas cuja, as fluências, as alianças e os conflitos entre essas identidades social e politicamente construídas e constituídas está revelada no corpo como um resquício estigmatizante de seu gênero de nascimento e, que não podem estar omitidos sob qualquer disfarce normativo cisgênero, o qual é o causador maior do preconceito (transfobia, machismo, assédio moral e sexual, misóginia, sexismo) e da violência que sofrem no seu cotidiano.
Mulheres Transexuais e as Travestis não são homens gays afeminados que querem ser, ou apenas vestem-se como mulheres, social, política e psicologicamente já são. Não têm "passabilidade".
Querem ser reconhecidas como gênero feminino e como Mulheres, pois como Mulheres que são, sofrem muito mais assédio moral, sexual e ético do que muitas mulheres cisgêneros, pois quando a sociedade fala e relata esses acontecimentos relativos às mulheres nunca são chamadas, e qual Mulher Transexual ou Travesti nunca sofreu e sofre com o machismo institucional que está impregnado em toda a sociedade brasileira, inclusive em algumas mulheres cisgêneros?
Mulheres são mulheres, independente do gênero designado no momento do nascimento, independente da genitália, uma genitália não caracteriza ninguém, pois ser Mulher transcende isso.
Existem mulheres que nasceram com vulva e vagina, assim como existem mulheres que nasceram sem vulva e sem vagina.
Existem mulheres que nasceram com útero, ovários e trompas, assim como existem mulheres que nasceram sem útero, sem ovários e sem trompas.
Existem mulheres que nasceram com pênis, próstata e testículos, assim como existem mulheres que nasceram sem pênis, sem próstata e sem testículos.
Existem mulheres que nasceram com cromossomos XX, assim como existem mulheres que nasceram com cromossomos XY.
Espero um dia poder ver Mulheres Transexuais e as Travestis trabalhando e atuando em todos os setores profissionais, sem rótulos, sem marcas, apenas sendo vistas e tratadas como Mulheres, nada mais!
Não acredito que existam qualidades, valores, modos de vida especificamente femininos ou masculinos, pois seria admitir a existência de uma natureza totalmente feminina, ou seja, seria aderir a um mito inventado por uma sociedade cishegemônica heteronormativa para enclausurar e aprisionar a população das Mulheres Transexuais e das Travestis na sua condição patológica de oprimidas e em uma condição inferior de marginais e cheias de estigmas, sexismo, machismo e transfobia.
Não se trata de algo diferente para essa parcela da população brasileira.
O respeito à Identidade das Mulheres Transexuais e das Travestis de firmarem-se como Mulheres e Gênero Feminino, que são de fato, em uma sociedade equânime e igualitária, é a de tornarem-se, de fato e de direito, cidadãs e seres humanos na sua integridade e dignidade.
As transexualidades ou transidentidades sempre foram consideradas, tanto para a medicina quanto para a psicologia, como fenômenos complexos; não existindo delimitações marcadas entre a transexualidade e a travestilidade, fora, apenas, as definições psiquiátricas. Muitas nem mesmo sabem como definir-se, como Transexual ou Travesti e, isso muitas vezes acontece de forma situacional. Dependendo do lugar e da situação tal pessoa identifica-se, ou apresenta-se, com uma das identidades. O discurso atual sobre as transsexualidades ou transidentidades na sexologia, na psiquiatria e em parte na psicanálise faz desta experiência uma patologia - um transtorno da identidade sexual ou transtorno da identidade de gênero (F64) - dada a não-conformidade, da ótica médica-clinica, entre sexo de nascimento e gênero.

Processo de exclusão, estigmas e vulnerabilidades
A desinformação sobre a consciência de direitos humanos e do que é a identidade de gênero feminina, seu devido valor dentro da sexualidade humana, suas possíveis expressões a partir de seu estabelecimento e sobre a resignificação vivencial da transexualidade e travestilidade, tem contribuído para violentos processos de estigmas e exclusão social dessa parcela da população brasileira. Explícitos principalmente nas problemáticas relacionadas ao núcleo sócio-familiar; na evasão escolar e baixa escolaridade; no freqüente insuficiente preparo técnico e profissional; na discriminação e despreparo no mercado formal de trabalho; na vulnerabilização e nas violências, tanto institucional, psicológica, social quanto física, pois os números de transfeminicídio e travesticídio só têm aumentado no Brasil e tem sido extremamente subnotificados como homofobia e sem a investigação das autoridades policiais e governamentais. 
Essa população, em especial, são inteiramente afetadas por inúmeros aspectos de vulnerabilidades sociais, pessoais, coletivas e institucionais, tais como: total incapacidade, desconhecimento ou subcompreensão da sexualidade das mesmas, construção e expressão do modelo heteronormativo cishegemônico e a negação da apropriação do protagonismo político, identitário e social; exclusão e violência física e social, assimilação e expressão de um modelo ortodoxo do masculino/feminino. Dificuldade de acesso aos recursos sociais: escola, trabalho e lazer e a configuração do estereótipo de fragilidade e vulnerabilidade institucional, com o despreparo e a insuficiência de profissionais da rede pública, diversos setores e níveis, ausência de programas sociais e a falta de políticas públicas de ações das demandas específicas e estratégicas e o descaso por parte dos governantes.
No entanto a atenção diferenciada no plano das políticas públicas não estão necessariamente ligada à relevância estatística. 
Os desafios são enormes e importantes no processo de construção da autonomia identitário e a sustentabilidade das pessoas que vivenciam essas realidades, como por exemplo: o direito à mudança da identidade civil. Tal possibilidade legal de mudança da identidade civil, atualmente institucionalizada pelo STF em 2018, o que têm contribuído um pouco para melhor o convívio social da população das mulheres transexuais e das travestis em alguns aspectos, especialmente no que se refere à profissionalização e à escolarização, à padronização respeitosa dos atendimentos na área de saúde e à capacitação desses profissionais. 

Pessoas Trans
O termo "trans" é oriundo e prefixo da palavra "transgênero" se refere a uma pessoa cuja expressão de gênero - o sentimento arraigado de ser um homem, uma mulher, ou nenhuma das duas categorias - não corresponde à de seu sexo de nascimento.
Transgênero inclui as pessoas que vivenciam uma expressão de gênero como drag-queens, cross-dresser, transformistas, andrógina, bigênero, etc. Mas não implica necessariamente que essa pessoa tenha recebido um acompanhamento hormonal de tipo algum.
Cabe destacar que os termos Travesti e Transexual são usados com cada vez menos frequência, o que causa para a sociedade que o termo trans ou mulher trans caiu no higienista dito popular e está furtando e invisibilizando as duas Identidades Sociais e Políticas pioneiras, as Mulheres Transexuais e as Travestis que perdem o seu perfil e status de mulher e de gênero feminino, com isso só aumentam mais ainda o índice de Transfobia, de Sexismo, de Machismo, da Misóginia e da Intolerância em cima dessa população.

Considerações finais
A população brasileira das Mulheres Transexuais e das Travestis é a que mais sofre com o preconceito e com a discriminação decorrentes do sexismo cishegemônico, machismo e da intolerância transfóbica, e estes são alguns dos principais fatores que as tornam muito mais suscetíveis a essas vulnerabilidades. A violência cotidiana a que estão sujeitas diuturnamente é o retrato de uma sociedade que não respeita a diversidade humana. Este, também, é o retrovisor significativo do porque delas ainda estão nessa situação de extrema fragilidade social.

Todo dia é dia de respeitar o gênero e identidade feminina das mulheres transexuais e das travestis, ou ao menos de colocarmos a grande maioria da sociedade cisheteronormativa no lugar delas e de saber que elas também têm sentimentos, portanto, elas amam, sofrem e sentem como qualquer outra pessoa ou ser humano — ainda que elas possam parecer totalmente diferentes dessa sociedade onde elas vivem e convivem. Enquanto o preconceito e a intolerância transfóbica prevalecer e for reproduzido no Brasil, todo dia deverá ser dia de nos conscientizarmos sobre a condição social de cidadania das mulheres transexuais e das travestis na sociedade brasileira e tratá-las com empatia e solidariedade.

Porque liberdade não significa somente não ter as mãos ou pés acorrentados, nem poder ir e vir quando quiser e aonde bem entender. As mulheres transexuais e as travestis resistem e lutam por um direito muito simples, há pelo menos cinquenta anos: elas querem a verdadeira liberdade de serem quem são e isto significa respeito e uma vida digna com direitos iguais a qualquer outra mulher ou qualquer outro cidadão brasileiro. A sociedade deve atentar que todas e todos nós somos iguais, mas mesmo assim ainda existem discriminação, preconceito e vários estigmas em cima delas.

Não é a identidade de gênero, orientação afetivossexual, raça, classe social, religião ou irreligião que determinam a inferioridade do ser humano. São os pensamentos discriminatórios, preconceituos e retrógrados, ainda bastante culminados pelo mundo afora, que é a principal razão da Transfobia. Muitas vezes a sociedade cisnormativa age de maneira preconceituosa sem que nem percebam. Reproduzem piadas, comentários e comportamentos que, a princípio, podem até parecer inofensivos. No entanto, se os analisarem mais de perto, irão perceber o peso e a negatividade transfóbica que eles contêm, podendo ofender profundamente e até matar uma mulher transexual ou uma travesti. É preciso mudar e necessário reconhecer privilégios cisnormativos e rever certas atitudes para que as mulheres transexuais e as travestis possam viver em um mundo menos intolerante e mais diverso. O problema é quando o Brasil esquece de que é a sociedade é diversa e o país é diversificado por inúmeras identidades e culturas.

As mulheres transexuais e as travestis estão, estiveram e sempre estarão em nossa história, nossa cultura, nossa construção social, nosso sangue, nosso suor, nossa luta e nossas conquistas. As mulheres transexuais e as travestis são uma parcela da população destemida e aguerrida, mas esperançosa porque nunca tiveram o reconhecimento que merecem e continuam sofrendo com a transfobia e a exclusão social até os dias de hoje. Este atraso não pode continuar sendo arrastado por gerações. Acima das identidades sociais ou sexuais, somos todas e todos seres humanos. A sociedade não é uniforme, cisgênera ou transgênera, branca ou negra, alta ou baixa, mulher ou homem, gorda ou magra, homo, bi ou hétero, velha ou nova, idosa ou adolescente. A sociedade brasileira é tudo isso e muito mais ao mesmo tempo, ou seja, é uma diversidade.

Essa mesma sociedade têm um compromisso histórico com a população das mulheres transexuais e das travestis e devem encarar essa questão como prioridade. Para isso devemos construir um diálogo de compromisso permanente, conjuntamente com os movimentos sociais organizados, para que as conquistas e o reconhecimento das suas identidades sociais, sexuais e de gênero, o acesso saúde integral e interdisciplinar, bem como à cirurgia de transgenitalização (readequação de sexo) sejam permanentes e também alguns dos direitos fundamentais da população das mulheres transexuais, das travestis e de toda pessoa humana os frutos dessa participação social e desse diálogo de comprometimento.

É de inteira responsabilidade da sociedade brasileira sensibilizar educadores, profissionais de saúde, gestores e a sociedade geral para que a mulheres transexuais e as travestis tenham seus direitos reconhecidos e sejam acolhidas e respeitadas. O respeito à diversidade deve permear todas as atitudes, ações e atividades sociais de educação, saúde e segurança pública, para que as futuras gerações cresçam em uma sociedade mais inclusiva, igualitária e com menos preconceito, discriminação e mais justa.


"As Travestis são centauros urbanos, duas vidas num corpo só. Não confundir a Travesti com a caricatura da drag-queen. A Travesti tem orgulho de ser quem é. Ela não é uma decaída. Ela é uma afirmação de Identidade. Ela não é da área moral, ela é da área artística. Há algo de clone na Travesti, pois elas nascem de dentro de si mesmas. Quem está nua ali na esquina, o homem ou a mulher nela? O que oferece a Travesti ao homem que a procura? A chance de ser a mulher de uma outra mulher. A travesti não é simples e doce, há um lado criminal na Travesti. Ela tem coragem de ser dupla, do terror à glória no centro da madrugada. O homem que se casa com uma prostituta se acha um 'benfeitor', que humilha a mulher que salvou. A Travesti nunca será grata a você. Você é que terá de lhe agradecer. A Travesti não dá uma boa esposa, você é que poderá virar esposa dela: Querida, já lavei sua minissaia de oncinha! A Travesti tem algo de cowboy, corajosa como um John Wayne de biquíni 'fio dental'. Você passa no carro e a vê, uma Marilyn Monroe de botas no meio dos faróis e lá se vai o pai de família perdido de loucura. A Travesti nos fascina porque assume a verdade de sua mentira." (Texto: Duas Vidas em Um Corpo Só  jornalista, Arnaldo Jabor/2010).

Referências Bibliográficas
Beauvoir, Simone de - 1967. O Segundo Sexo (2ª edição) - A Experiência Vivida (L'EXPÉRIENCE VÉCUE) - tradução de Sérgio Milliet, Difusão Europeia do Livro;


Castle, Terry - 1999. A cultura do travesti: sexualidade e baile de mascaras na Inglaterra do século XVIII. in ROUSSEAU, G. S e PORTER, R. Submundos do sexo no iluminismo. Rocco, Rio de Janeiro;


Jabor, Arnaldo. Jornalista, 2010 - Crônica: Duas Vidas em Um Corpo Só;


Patrício, Maria - 2008. No truque: Transnacionalidade e distinção entre travestis brasileiras. Recife;


Pelúcio, Larissa - 2006. Três casamentos e algumas reflexões: Notas sobre conjugalidade envolvendo travesti que se prostituem. Estudos Feministas;


Pelúcio, Larissa - 2007. Mulheres com algo mais: Corpo, gêneros e prazeres no mercado sexual travesti. Revista Versões;


Pereira, Silvério - 2016. As Travestidas - “Quem Tem Medo de Travesti”, trecho do espetáculo, Fortaleza;


Peres, William - 2005. Subjetividade das travestis brasileiras: Da vulnerabilidade da estigmatização à construção da cidadania. Rio de Janeiro;


Potter, Sally - 1992. Orlando - A Mulher Imortal (filme). Itália;
 


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