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Um traço, mediante o todo

Um traço, mediante o todo
Ingrid Franco Hoher
mai. 31 - 4 min de leitura
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Toda a sede do traço, em se formar, se modificar, fortalecer e criar um impacto, existir. O traço surge através de reflexos do nosso subconsciente, movendo-se e tornando material o desejo. O impulso, insight criativo, se faz traço. Eis que surgem os artistas, movem-se, balançando nossos olhares, criam, abrem-se os mares, mudam as marés. O traço se faz arte. Marcando também historicamente, o que uma época consumiu, como foram as crises econômicas, a guerra, as diferenças sociais, e a percepção dos consumidores, atribuindo um valor específico para cada época culturalmente falando.

            Viviane Mosé conceitua o contemporâneo “é o resultado de um acúmulo de construções, de invenções que tiveram, em sua maioria, o objetivo de arrancar o homem das malhas da natureza. “E então, nós quanto indivíduos, somos chacoalhados na existência. Muda-se o lugar de fala, gira-se o caleidoscópio das percepções. O sistema capitalista não cria espaço para o silêncio humano reflexivo, à arte o faz. Ela vem cortando o chão, expondo um abismo inexorável.

            O brasileiro vem no tocante de colonizador e colonizado, fazendo trocas, sendo catequizados, violentados, escravizados. Escravizamos. Nos calamos. O afeto, algo intrínseco ao humano, age pelo traço profundo, não sabemos como expressar, o sentimento está soterrado no cimento. Desenvolvemos sintomas. Não conseguimos escutar, e sentir a dor da escravidão inscrita em nós, que ao silenciarmos escravizamos. Esquecemos que se formos “brancos”, não sabemos o que é não poder buscar a arvore genealógica, foram roubados.

            O contemporâneo diz, estamos a flor da pele. A arte se faz necessária. O apelo midiático é intenso, os lugares de destaque, chamado também de topo, abafam uma realidade tão complexa quanto o funcionamento da mente humana. O afeto que me faz existir, sinto, faço o outro sentir, vejo, percebo, luto para construir. Percebo que cheguei atrasada, o traço já estava ali. Move-se encontra, encanta e desencanta no fluxo do existir. A licença poética nos torna mais naturais, mais orgânicos, me relaciono com o traço do que consumo.

            Hanna Arendt nos convoca, nos sacode, mas suavemente nos segura pela mão. A pergunta é clara. Vocês estão percebendo a banalização do mal? Estamos percebendo as repetições nas atrocidades políticas? Devemos nos perdoar. Porém não continuar fechando os olhos e amortecendo a dor da queda com remédios variados, para doenças em comum. Algo está muito estranho. Algo está faltando além do pão, além da arte, além do ar. Vida. O homem se conecta a existência formando padrões racionais, provando sua superioridade animal, antinatural.   

            Os artistas suspeitam, gritam no abismo, com coragem para escutar o eco. No icônico livro Mulheres que correm com os lobos, escrito em 1992, e agora mais presente do que nunca, atual nas listas de leitura das brasileiras de modo geral, Clarissa Pinkola Estés, cita em diversas partes do livro, sobre o poder dos contos, da ancestralidade, da oralidade e familiaridade com o selvagem. “parece haver dentro da psique uma função que cria artes e poesia e que brota quando a pessoa espontânea ou propositadamente ousa se aproximar do núcleo instintivo da psiquê.” Esse recorte torna-se essencial para demonstrar o potencial de uma criação desraigada do puro mérito acadêmico e institucional. 

            O traço é minha carta, o traço me leva e me traz novamente a um fluxo intenso da fruição, da vida-morte-vida, onde as pulsões, e todos os atos serão pensados como um silêncio, como uma continuação, um movimento contínuo da existência efêmera, gigante, porém minúscula partícula do todo. Emaranhado. Apenas um traço que compõem o retrato da natureza, o existir.

           

 

           

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