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Um nascimento, um antagonismo, um apelo

Um nascimento, um antagonismo, um apelo
Laysa Lage
mai. 19 - 5 min de leitura
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No dia em que nasci, o céu foi completamente dominado por uma escuridão que corroía o azul da aurora, e os pulmões de cada indivíduo que vivia por ali. Tudo parecia ser parte de uma noite quente e interminável, tornando a simples tarefa de respirar, um esforço sem precedentes. Viver nesse cenário já era uma tarefa sobre-humana, mas dar seus primeiros passos, era ainda mais cruel e inacreditável. A fumaça estava por todo o lado e alcançava a todos, não importava o quanto você se esforçasse, ela sempre chegaria primeiro. O único azul predominante que vi todos os dias, foi o azul dos olhos de minha mãe, que ainda brilhavam, apesar de tudo. Fui crescendo, enquanto as últimas árvores iam caindo, despedindo-se do lar que gostariam de pertencer até o fim de seus centenários. O lar que as tornou  belas, estrondosas e com raízes profundas e bem nutridas. Todos os seres pareciam, de alguma forma, estarem partindo do amado lar. Quando, por ventura, decidi andar descalço na terra, como meus pais me contaram que faziam quando tinham a minha idade, a terra estava seca, e nada mais se via além de pedregulhos que também pareciam estar sedentos. Ainda mais penoso foi tentar encontrar um peixe no rio quando visitamos o interior de nossa cidade. A água parecia um longo véu escuro que se estendia sem deixar qualquer espaço em aberto. Meus pais disseram que um dia, aquela correnteza já fora banhada por uma água tão pura, tão cristalina que eu mal pude acreditar! O que meus olhos viram naquele dia, tão cinzento como os demais, poderia ser chamado de tudo, menos de água. Para tornar tudo ainda mais intragável, não mais se ouvia o som dos pássaros, que sempre conseguiam trazer calma e esperança à vida. As estrelas tornaram-se como um mito grego, que parece distante quando o ouvimos na escola, mas ao mesmo tempo extraordinariamente empolgante. Nunca pude ver o Cruzeiro do Sul e muito menos as "Três Marias”, mesmo que esse nem fosse o nome delas. Tudo o que já existiu na natureza, agora revelava-se uma ideia abstrata, um sonho longínquo e eloquente. As perguntas mais difíceis tornavam-se aquelas em que nos questionávamos sobre o que um dia a vida já foi. A cada passo que dei, a cada fôlego que tentei guardar, percebi que tudo ao meu redor, assim como o meu ser, já expirava. A nossa data de validade bateu à porta, e agora todos assistimos em silêncio o grande arremate, cobertos de papéis inúteis, poeira e de todo o tipo de lástima que possa existir. Cresci enquanto a Terra morria, e mal pude ver suas cores e características deslumbrantes. As coisas de criança foram tiradas bruscamente de mim, antes mesmo que eu pudesse imaginar o mundo, antes que eu pudesse brincar na terra molhada, cheia de vida, e correr pela grama. Antes que eu pudesse sentir o perfume das flores, antes que eu pudesse embarcar na simples aventura de subir em uma árvore. Com a Terra doente, não havia motivos para brincar, e os sonhos pareciam fantasias de um passado distante. Cheguei ao mundo bem no horário de sua despedida, pois já não aguentava mais sofrer. A dor arrebatadora de perder a cada machadada e a cada novo irromper de poluentes, foi profunda demais, assim como o egoísmo que determinou esse epílogo. Agora, se seu coração se parte em milhares de fragmentos como o meu, só de ler esse desfecho que enfrento, olhe para o céu azul que você ainda pode ver, olhe para o verde da natureza, para a beleza e os encantos da vida. Olhe com tamanha admiração, de tal forma que você jamais queira contribuir para as inúmeras causas que apontam para essa circunstância agonizante. Sempre conheci a perda, enquanto você ainda conhece a abundância. Por isso, lute pela Terra, lute com toda a força para manter a vida em seu percurso contínuo, para preservá-la de todos os perigos da insensatez. Para concluir, antes que você se pergunte, não, eu não vim do futuro, eu vim do fim.

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