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UM BRINDE AO LUTO

UM BRINDE AO LUTO
Ana Carla Ribeiro Silva
mai. 17 - 3 min de leitura
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Brindar ao luto, dentro de determinado contexto, não é incoerente, irracional, ofensivo, nem tampouco patológico. Todos os anos, no dia dezesseis de maio, meu dia é de luto. Luto por meu pai, cuja vida foi abreviada e a alma tomada, por um infarto repentino. Esse ano brindei ao luto, porque imaginei, de forma espontânea e involuntária, porém muito analítica, quanto sofrimento não haveria se meu pai estivesse aqui, num leito de hospital, ou à procura de um, para se tratar da Covid.

     Olhando por esta perspectiva, melhor um dia de sofrimento do que muitos dias de sofrimento. Nestes dias de sofrimento, talvez meu pai concluiria, completamente decepcionado, que os homens não aprenderam com seus erros. Aliás, dizem que inteligente é aquele que aprende com seus erros e sábio é aquele que aprende com o erro dos outros. A humanidade não tem sido nem inteligente, nem sábia.

     A peste, a gripe espanhola, a malária e tantas outras pestilências até a chegada do novo vírus. A memória dos governantes e governados é falha, esquece muito rápido dos acontecimentos passados, que deveriam servir de exemplo para o futuro. A quem diga que o surgimento de uma epidemia ou pandemia é alheio à vontade do homem. Concordo plenamente. O enfrentamento, porém, pode ser lapidado. É mais ou menos como a história de que tragédias só acontecem com nossos vizinhos, nunca na nossa família, nunca no nosso quintal. Mas elas acontecem e então arrazoamos: porque não me preparei para isso antes?

     A arrogância, prepotência e egoísmo não permite que o homem se prepare para as intemperes da vida, na verdade, ele até mesmo as causa. A matemática é bem simples: quando se subtrai, sem haver reposição, haverá falta. Quão ingênuo é aquele que imagina que os recursos naturais são infinitos! Talvez ele não esteja aqui quando a Terra cobrar, é verdade. A dívida fica para seus filhos e netos.

     Sem mais delongas, afinal as linhas seriam poucas para explanar sobre todas as barbáries que o homem pratica em nome do progresso, eu brindo ao luto! Meu pai descansou na morte, ainda confiante que o mundo tem conserto e os homens salvação. Se no dia de hoje meu fôlego de vida findasse, eu partiria sem ter essa mesma certeza.

 

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