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Sem medo

Ivo Santos Cardoso
abr. 8 - 3 min de leitura
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Ivo Santos Cardoso

Mais do que marcar dias, horas e segundos – esses caprichosos e inexoráveis recheios do tempo -, Primavera, Verão, Outono, Inverno, sol e nuvens, chuva e frio determinam o humor de muitas pessoas.

“Dia horrível!”, reclamam alguns quando nuvens cobrem o sol. “Péssimo!”, exclamam outros amaldiçoando chuva e frio.

Se você observar esses eloquentes mal-humorados verá que são os mesmos que não aguentam sol quente ou natural ausência de chuva.

Falam mal, também, do tempo que voa. Ou que não passa. Grudados, condenados às paredes de seu próprio esconderijo, definham em queixumes de tudo e de todos.

Enquanto isso os dias vão e vêm trazendo a generosidade do Outono, o perfume da Primavera, a infinita poesia do sol que nasce e se põe nos dias de Verão, a oportunidade de recolhimento no Inverno.

Mas eles não se permitem qualquer abertura em sua casca, presídio e proteção, vítimas dos ferrolhos de suas portas e janelas enferrujados pelo sal abundante de suas lágrimas.

Estão cegos ao ciclo de flores que desabrocham, perfumam, transformam-se em frutos e sementes, cumprindo alegremente o mistério da perpetuação.

Cegos e surdos ao som da vida – a orquestra da natureza, rumor de cascatas, canto de pássaros, riso de crianças, abraço de amigos, choro silencioso e doce de incontidas emoções.

Inalcançáveis, seguem empurrados pela vida, frustrados pelo descompasso do tempo, lamentando sua pressa ou lentidão.

Ah, se eu pudesse encontrá-los onde se escondem, se pudesse atraí-los para fora dessa mentirosa proteção. Se pudesse romper-lhes o casulo de ferro que construíram de dentro para fora. Eu lhes mostraria o sol, as nuvens, os incríveis encantos abundantes e generosos a quem tem olhos para ver. Eu lhes encheria os ouvidos até que doessem de tantos sons divinos e chorassem arrependidos dos prejuízos que escolheram para si.

Eu lhes romperia as barreiras do coração para sentirem o próximo como irmão, com seus pequenos grandes sonhos, suas desesperadas esperanças, seu alento de vida.

Eu lhes mostraria a generosidade das mães pobres que dão o peito magro ao filho, chorando e rindo, pois entendem a importância de repartir o que lhes resta da vida.

Eu lhes falaria do pai que morre distante, lamentando a ausência do filho por quem antes chorou de alegria no reencontro e de saudade antecipada na despedida.

Eu lhes mostraria que a vida transcorre rica ou pobre no mesmo espaço de tempo e vale pelo significado que lhe damos. Que pobreza e riqueza são fenômenos que valem pelas lições que ensinam.

Isso tudo, no entanto, não passa de frágil e inútil desejo. A crisálida precisa aceitar o doloroso esforço para tornar-se borboleta. Se não praticar esse heroísmo, não vislumbrar seu novo corpo, não desejar a glória do novo estágio, morrerá julgando a vida triste e longo período, escuro e sem qualquer sentido.

A crisálida que rejeita o esforço para romper o casulo, aborta o futuro ao mergulhar inerte no conforto e segurança de sua própria escuridão.

A emoção do amanhã e as riquezas da vida estão reservadas para quem não teme o riso e choro, o encontro e a perda, o sonho e o pesadelo, dia e noite, presente e futuro.

São para quem rompe a casca e não teme a luz que revela novos horizontes.

 

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