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Pressão

Pressão
Jonas Andrade
mai. 12 - 19 min de leitura
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Introdução 

 Nada como atravessar a significância que comumente corre de moda em uma determinada expressão em um percebido espaço tempo para deleitarmo-nos com as nocivas e redundantes angustias que estão aplicadas à condição humana, ao menos hodiernamente. Hipocritamente apegados ao falso senso do transcendente protagonismo do homo sapiens nos deixamos levar pelo “motor imóvel” e o fatalismo da existência que supostamente nos permitiriam assimilar a totalidade, a unicidade que se pretende numa compreensão da física que se espelha como metáfora da essência da vida ainda não crível, a “metafísica”.
O problema com digressões niilistas é que elas permitem a arrogância de um tom sabido e contornam o pedantismo oriundo do desejo do reconhecimento de todos os que escrevem. E prontifiquei-me aqui a apreciar a significância de uma determinada expressão. Peguemos a definição da respectiva palavra antes de avançarmos.
Uma breve busca em um dicionário online nos oferece a seguinte conceituação: “Significância, substantivo feminino, significação rigorosa de uma palavra; valor.” Pense unicamente no valor. As palavras assim como o dinheiro no interno de um país estão sujeitos a um enfraquecimento ou valoração de acordo com o tempo e zona no qual se encontram. Por exemplo, já escutamos alguém mais velho que diante de uma prateleira no supermercado disse: “ Na minha época os tomates não eram tão caros.” Ou quando na sua última viagem notou que o preço de um salgadinho ou miojo era mais barato do que aquele vendido na padaria que você tem costume de tomar café. Assim como o estranhamento da palavra “supimpa” para alguém que nasceu no início do século 21 é inevitável. Aquele que não se ressente da pronuncia de “supimpa” terá resistência em entender a palavra “bugado”.  Talvez você esteja em outro estado e não está certo se deve pedir por mandioca, aipim ou macaxeira frita. Tudo isto para dizer sobre o “valor” das palavras. Perdão. Prossigamos. 
Qual valor você da para a palavra “pressão”? Uma palavra tão menosprezada assim como presente em nossas vidas. Talvez se as palavras tivessem consciência, ela, a “pressão”, já teria se revoltado contra nós e deixado nosso vocabulário conceitualmente, que falta ela nos faria. Oh pressão, que me caiba aqui a tentativa de elevar-te e que rarefeita você possa tirar de si essa metadensidade existencial que te assegura um significado de opressão ainda que sejas a mais libertadora e asseguradora dos conceitos e da efetiva existência. Agora você está aí se perguntando, “valeu mesmo a pena personificar uma palavra, fazer um trocadilho, criar um neologismo e referendá-la na segunda pessoa do singular depois de um vocativo?” Sim! Talvez pelo meu temor inconsciente da consciência da pressão como palavra ou mesmo por nunca ter tido a oportunidade de realizar todos os movimentos relatados acima dentro de uma única frase. 
Mas o que dizer sobre a pressão. Pressão é uma palavra que significa a força que é exercida sobre alguma coisa. Pode também indicar o ato de comprimir ou pressionar. O que a atmosfera, o convívio social, as artérias, o fundo do oceano e o vácuo têm em comum?  Pressão... O grande ponto de nossa discussão neste momento é esclarecer o que é essa força exercida. A pressão atmosférica é uma consequência da gravidade e é a pressão que é feita pelo ar da atmosfera em relação à superfície terrestre. E essa condição atmosférica dada no trabalho desses dois eventos (gravidade, ar) influenciam a existência de modo geral. Suponhamos que você começasse a subir o Monte Everest. E  que você tenha nascido, crescido e habitado em São Paulo durante toda sua vida. A capital paulista está 760 metros acima do nível do mar, já o imenso monte está a 8.848 metros acima do nível do mar. Relevemos o frio extremo da cordilheira, até o atleta mais preparado, a partir do 5.000 metros irá experienciar alguma espécie de desconforto, imagine um fumante sedentário como você.  De 3.000 metros em diante a quantidade de oxigênio no ar está mínima, você está exausto e mal consegue manter o ritmo da respiração, cada vez mais acelerada. Você continuará subindo e ao chegar a 8.000 metros sua visão fica embaçada, a sua cabeça está leve e zonza e dentro de alguns minutos você desmaiará pois não há oxigênio o suficiente no seu sangue para manter o corpo funcionando. Ao invés de descer você continua subindo a corpo nu por intervenção divina. Agora já não mais a pressão atmosférica, mas o vácuo agirá no seu corpo.  Ao passar da estratosfera, graças à falta de pressão, o resto de ar em seus pulmões se expandirá e romperá e fará com que se rompam. Sua pele incharia pois a água em seu corpo entraria num processo de vaporização . E você seria uma múmia redonda voando a deriva no espaço. Aflitivo não? 
Mas e se fizéssemos o inverso? Vamos mergulhar até as profundezas da Fossas das Marianas, o ponto mais profundo do oceano. Aqui apreciaremos o seguinte evento. A pressão hidrostática é definida como a pressão exercida pelo peso da coluna d´água em um determinado ponto, portanto depende da profundidade e da densidade da água. Você sabe aquela entupidinha que seu ouvido dá ao mergulhar mais de 3 metros? Imagine o que estava acontecendo com o recordista de mergulho em apnéia quando ele atingiu a marca de 171 metros. Wow. Mas a apreciação do recorde não revela os malefícios da pressão. Ponha-se mais uma vez no lugar deste recordista, ao atingir 171 metros de profundidade sem treino nenhum. Muito provavelmente seus tímpanos explodiriam devido à quantidade da pressão. Seu tórax está assim como seus órgãos internos, comprimidos. Seu coração com muita dificuldade bombeia sangue para seus pulmões amassados. Isso apenas a 171 metros, as Fossas das Marianas tem mais de 11.000 metros de profundidade. Devido à pressão extrema, neste ponto você seria uma massa disforme. Como uma ampulheta cartilaginosa.  Eca.
Podemos concordar que a vida se da de uma maneira geral na pressão. Não por pressão, pois não há quem possa pressionar a pressão para que esta pressione, é algo inconcebível. 
As condições que permitem a vida se espelham do macro ao micro. A sazonalidade dos eventos reprodutivos associados ao clima, a equivalência da quantidade de estrelas no universo e de neurônios em um cérebro. Átomos que giram em torno de um núcleo, mariposas que giram entorno da luz e seres humanos girando entorno de papéis com números. E por assim vai. Mas o que nos interessa aqui é a pressão. 
Além da pressão atmosférica e hidrostática que podem findar ou iniciar uma vida. O seu corpo, como uma reprodução do ecossistema, tem sua própria pressão. Chamada pressão arterial, consiste na força que é feita pelo sangue nas paredes dos vasos sanguíneos, graças à função do coração. Ou seja, além das pressões as quais você está sujeito, o seu próprio corpo administra uma pressão só sua. Hipertensos, hipotensos e pessoas de pressão normal divagando, e estes poderão suar frio, desmaiar e ter palpitações cardíacas dependendo de como se encontra sua pressão sanguínea. 
E já como se não bastassem as diversas espécies de pressão aqui listadas, uma delas é um evento que só se dá na espécie humana. Como já foi posto, o corpo de cada um, rege uma pressão sanguínea individual, a pressão do corpo. Mas o que não vem dito é que o “corpus” de todo enunciado está sujeito a uma espécie de pressão. A pressão social.   E isso perpassa todos os campos do convívio humano. Você já ouviu alguém comparando a mente humana a um computador? É parcialmente verdade. Comporta-se de maneira semelhante até certo ponto à responsividade a estímulos e ao uso. 
Bem, você concorda comigo que a mente humana precisa de estímulo. Assim como um computador a mente precisa ser programada para executar funções. E essa programação se dá através dos estímulos sensoriais. Sensações, cheiros, ruídos, cores, contornos, luz e sombra. Como uma empresa de computação que começa a escrever os primeiros códigos de um novo software, a consciência do mundo através da contínua percepção e desenvolvimento da linguagem no interno da mente proporcionará assim a mente como a máquina a capacidade de desempenhar todas as funções propostas a elas dentro da gama de habilidades que as cabe. Um recém nascido ao sentir fome chora. Uma criança ao sentir fome pede aos pais por comida. E um adulto ao sentir fome associará seu desejo a conceitos como dinheiro ou louça suja e preguiça. E tudo isso graças à constante atualização das programações que interpretam e geram os códigos que nos circundam. Um computador pode ser programado para programar, uma mente programada pode, caso vá de seu gosto, programar o programa que programará os programas. Graças ao carbono 14, neste século o que não falta são estímulos aos quais podemos responder e interagir.  Da vontade de se posicionar no post sobre posições políticas dos amigos nas redes sociais, ao orgulho que alguém sente ao fazer um cocô de tamanho acima da média até a certeza que um deveria apenas atravessar a rua na faixa de pedestre ao ver uma luz verde. O que diabos isso teria a ver com pressão?  Não se irrite. Obrigado.
Ainda não percebeu? Note outra vez o movimento do macro ao micro. Suponhamos que você esteja em Cusco e lá você decide fazer uma corrida num parque natural. Já um tanto suado e ofegante, vê adiante que a trilha está bloqueada por uma cerca. Você a ultrapassa, pois está disposto a concluir a corridinha e a ausência de cartazes ou indicações não te alarmaram do rumo que se direcionava o percurso. A uma certa escuta-se um grito agressivo e um homem fardado se aproxima de com um fuzil. Então assustado você cai no chão. E nesse momento entende tudo. É uma zona militar. Seu coração palpita, o oficial grita em espanhol, sua respiração descompassada e então desmaia. Você saberia dizer o que te fez desmaiar? Com certeza foi a pressão. Mas qual delas. A baixa pressão da zona montanhosa onde se encontra a cidade peruana? A alta pressão arterial que demandava mais oxigênio? Ou a situação de alta pressão na qual se viu refém? Talvez a somatória de todas, talvez nenhuma.
Ação e reação senhoras e senhores. A pressão ideal da atmosfera garante a vida, a pressão arterial garante que o sangue chegue a todo o seu corpo, e a pressão do oficial peruano fez com que você ficasse nervoso. Você sabia que uma garrafa de champagne no nível do mar pode ter até 5 vezes a pressão atmosférica? Pobre garrafa. Constantemente sob pressão. Mas ninguém pergunta como ela se sente.  
Isso nos leva a conclusão do pensamento suscitado em um primeiro momento. A perigosa imprecisão do uso da palavra “pressão” pode levar a incompreensões fatais. O mal uso e o exagero da associação metafórica redundante com um conceito tão complexo é deveras perigoso. Pense que numa guerra um soldado ferido é levado a um ambulatório já lotado. O médico, assoberbado, olha para um dos soldados, aponta para o machucado do homem em agonia e diz. “Faça pressão aqui.” O soldado se ajoelha, encara o ferimento e pergunta. “Será que você esqueceu a torneira da sua pia aberta? A conta de água veio cara mês passado”. Ou uma jovem introvertida que preparou um PowerPoint de ótima qualidade e ensaiou a retórica com a ajuda de sua mãe e mesmo com todo o preparo, diante da platéia sua mente se embranqueceu e sua boca calou-se. Defronte à situação ela diz para o educador responsável. “Desculpe, professor. Estou sob pressão” O professor impaciente responderia. “Injustificável, estamos apenas algumas centenas de metros acima do nível do mar, condições melhores não há. Reprovada.” Ou diante de um pedido de namoro repentino o jovem se assusta e diz baixinho. “Que pressão.” E aquele que fez a proposta diz. “Perfeita, 12 por 8.”
 As fatalidades não teriam fim. Eu gostaria que adolescentes não chorassem pelo Enem. Que todos tivessem um emprego justo, fixo e garantido. E que jovens de humanas não fingissem contar o troco do ônibus porque tem medo que saibam que eles não conseguem somar direito. 
Infelizmente a história que se segue não será tão instrutiva como essa breve e divertida introdução. Espero que eu tenha te entretido até este momento. 
UMA HISTÓRIA DE PRESSÃO
Os para-raios espetavam o céu em protesto à vermelhidão da poeira que o consumia. A lua fraca, pálida, estava ali apenas cosmograficamente. E naquela noite não serviria a nenhum romance, encanto ou inspiração. Lambido por alguns dos raios que insistiam em se esgueirar por entre as nuvens, Zeca salivava. Zeca estava de plantão essa noite, os produtos foram devidamente “mocados” nas devidas “entocas”. Ansioso, corria os olhos na rua intera a procura de alguém que o procurasse. Sua vontade de fazer dinheiro era tão grande quanto a vontade de impedir que os rapazes da boca da rua de cima fizessem dinheiro. O morro estava tranqüilo e a quinta-feira prometia. 
Os para-raios penteavam o céu, alinhando as nuvens como uma franja de precipitação. A lua suave bocejava em uma doce preguiça e mesmo que estivesse tão cansada. Alguns dos raios ainda faziam travessuras por entre as sombras. E a se divertir com eles Zeca. Zeca tinha acabado de sair do plantão. Dentro de seu Ford Focus, seu jaleco e alguns de seus utensílios dentro de um estojinho. Sua mão corria o contorno do volante em ansiedade. Sua vontade inalar cocaína era tão grande quanto seu desejo de chegar em casa. O transito estava tranqüilo e a quinta-feira prometia.
“ Tá rolando!”, gritava Zeca para quem estivesse subindo a rua. Um convite para adquirir entorpecentes.  Ele não julgava as aparências. Qualquer um podia ser um usuário. Muitos deles já conhecidos por eles. 10 reais de baguho para uma mãe de família, 20 reais de pedra para um morador de rua, 30 reais de pó para o pedreiro. Porém Zeca queria sair da rua o mais rápido possível. E ele sabia que se dependesse dos usuários da comunidade, ele ficaria ali até a madrugada. Ele precisava de um playboy emocionado. Um que viesse de carro e que lhe desse 50 reais. 
“Tá rolando!”, gritava Zeca para seu amigo do outro lado do telefone. Um convite para tomar uma clássica cervejinha. Apenas um pitstop no morro antes de refrescar a garganta. O jugo da aparência garantia um desconforto a Zeca. Naquela circunstância ele só podia ser usuário. A nota de 50 reais já estava separada no porta luvas. E a medida que entrava no morro, mais subia o nervosismo. Ele queria sair dali o mais rápido possível.  Na rua da biqueira, seus olhos se moviam de um lado para o outro em busca de uma cena familiar. Pessoas espalhadas pela rua, de pé sentadas, bebendo, conversando. Qualquer um podia ser um traficante. Bastava que ele abaixasse o farol e passasse próximo de 5 km/h. Alguém mexeria com ele. Ele precisava de um djala emocionado. Um que trouxesse 5 pinos de 10 para o carro. 
“Então boy! Então boy!” gritou Zeca. Zeca pegou em mãos seus 50 reais e abaixou o vidro. “5 de 10 por favor” Disse  Zeca gentilmente. Zeca fitou o chão e andou em direção a “entoca”. A gentileza de Zeca o incomodava, ele sentia raiva de Zeca. 4 pinos enteiros e 1 pela metade. Pino o qual Zeca consumia enquanto esperava algum cliente. Ele sabia que “não pega nada” em dar pino “maiado” para um boy como Zeca. Ele não seria louco de reclamar, não teria nem coragem. Ele só queria que lhe entregasse o dinheiro e desaparecesse do morro. 
A rispidez de Zeca o incomodava, ele sentia raiva de Zeca. 4 pinos inteiros e 1 pela metade, como era de costume. Ele não reclamaria, mas esperava o dia que Zeca, pelo menos, o olhasse no olho. Seria o primeiro passo para intimidade que um dia daria espaço para Zeca questionar o pino pela metade. Elo só queria que lhe entregasse a droga para que ele pudesse desaparecer do morro. 
Zeca se aproximou de Zeca com o produto em mãos. Com o vidro do carro abaixado, dois xarás faziam o escambo premeditado. E no momento em que estava-se para concluir a operação, um giroflex vermelho surge no horizonte. Os Zecas se assustam e 2 pinos caem no chão. Zeca encara Zeca querendo que uma solução conjunta e imediata fosse providenciada. A luz intermitente se aproximava da zona de plantão. E  ali estava, caídos no chão, a coisa que Zeca mais desejava uma vez que deixou o plantão. Zeca, sem tempo, chuta o produto para próximo de um bueiro que não distava muito da cena. Zeca indignado e nervoso, encara seu xará impaciente. Este da um tapa no capo do carro e diz agressivamente. “Sai andando, sai andando!”. Suando frio Zeca deixa o local. E na sua cabeça apenas uma expressão. “Que otário!”
 

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