Vivemos aprisionados na lentidão do tempo. Nossa ciência, porém, permite-nos compreender a dimensão das mudanças por meio do distanciamento que a História nos oferece. Podemos, assim, seguramente nos ver diferentes de nossos longínquos antepassados e, com isso, evidenciar os rumos que tomamos em nossa evolução.
Os últimos seiscentos anos, por exemplo, distanciam-nos daqueles habitantes de uma América de cuja existência nenhum europeu feudal tinha ainda conhecimento. Distanciam-nos de um período em que ainda engatinhávamos na jornada das conquistas tecnológicas. Distanciam-nos dos dias em que o projeto da Modernidade ainda não tinha impelido nossa espécie à marcha do materialismo desmedido que culminou com a adoção da selvageria na qual se baseou nossa sociedade voltada ao mercado e suas leis implacáveis que, com seu oco existencial, arremessa seus servis atores à ignomínia da violação dos direitos mais fundamentais do homem.
Tempo chegará em que, distante de hoje, poderão alguns homens do futuro olhar para os dias atuais e vê-los, talvez, como aqueles em que se realizou a utopia de um possível mundo melhor ou, talvez, como os que sucumbiram ao esgotamento dos recursos que alimentavam uma sociedade inteiramente baseada na obtenção, transformação, consumo e acúmulo de matéria.
Caso a segunda hipótese cumpra-se, há o sobre risco de dar-se por via traumática; seja pelos eternos perigos de possíveis cataclismos, seja por guerras dizimadoras, seja pela peste ou pela contaminação das águas, solos e do ar. Seja como for, há sempre a iminência da extinção total deste padrão cultural ou de outro que permanecesse conhecido.
Deste exercício de mórbida consciência do potencial apocalíptico que o homem tem sobre sua própria espécie, surge uma inquietante e não menos lúgubre possibilidade: a de um futuro e distante arqueólogo localizar e conseguir decifrar o funcionamento de um velho computador, de cujo restaurado disco rígido, possa decifrar esta mensagem deixada exatamente para ele: o Arqueólogo do Futuro. Quem sabe, com isso, ele possa reconhecer esta mensagem registrada para servir de baliza e parâmetro a fim de que entenda, se não a realidade dos dias em que vivemos, ao menos um conjunto representativo de indícios do que hoje habituamos chamar de realidade.
A você, leitor dos dias de hoje, nos quais experimentamos as sombras de uma pandemia com potencial dizimador, desejo sinceramente que esteja resistindo bem, não ao isolamento, mas ao desamparo; que esteja suportando com resiliência, não as limitações, mas a impotência; que esteja compreendendo, não o momento, mas a eternidade; que esteja sobrevivendo, não à doença, mas à causa; que esteja revendo, não seus conceitos, mas sua humanidade; que esteja se cobrando, não uma indignação íntima, mas uma revolução inteira; que esteja pronto, não para protestar, mas para mudar; que esteja acordado, não para velar a morte, mas para resgatar a vida; que esteja inteiro, não para o combate, mas para a cura.
O tempo chegou. E o futuro será nossa única testemunha.