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Em tempos de precocidade máxima

Em tempos de precocidade máxima
Cláudio Costa Val
abr. 7 - 4 min de leitura
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Um sujeito me procurou outro dia com um material curioso: um curta-metragem produzido por seu filho. Apresentando-se como advogado trabalhista apaixonado pela Sétima Arte, o homem pedia que eu assistisse à obra do herdeiro, para que pudesse ajudá-lo a orientar o guri quanto ao caminho a seguir, no que diz respeito aos estudos de cinema. Essas coisas acontecem com quem leciona no meio audiovisual e, até aí, tudo bem. Mas, na maioria das vezes, a gente desconversa, pede desculpas, diz que irá dar uma olhadela quando tiver um tempinho e assim vai. A verdade é que quase ninguém tem tempo e/ou disposição de assistir a tudo aquilo que pedem que a gente veja. No entanto, o sujeito era simpático e educadamente insistente. Ao meio e ao cabo, acabei me rendendo à sua solicitação e assistindo ao filme.

O curta do garoto, feito com câmera de telefone celular, com recursos modestíssimos, jamais passaria de interessante, se o autor não fosse exatamente isso: um garoto. De doze anos. E aí, não houve jeito: coloquei-me a matutar.

A questão é: o simples fato de o garoto ter feito um filme, ou vídeo, como queiram, já é, em si, algo relevante. Legitima qualquer esforço. O diretor norte-americano Sidney Lumet (1924-2011) já dizia: “o primeiro filme de um diretor basta por si só”. Ainda que o termo “diretor” evidentemente não possa ser aplicado aqui, é notável o fato de um menino escrever um roteiro, produzi-lo, filmá-lo e editá-lo, contando apenas com a ajuda de alguns amigos.

A reflexão não se extingue em três parágrafos. Ao contrário, inicia-se. Esse garoto é o exemplo de como a nova geração está se relacionando com o cinema hoje, quer seja no tocante ao acesso aos filmes para consumo particular, quer seja na absorção das possibilidades de realização audiovisual.

O panorama contemporâneo é causa e efeito: as novas mídias, aliadas aos modernos mecanismos de veiculação/exibição de conteúdos na web, têm possibilitado que parte da população (pequena, mas crescente), desde muito jovem, trave contato com som e imagem, inserindo-se naturalmente neste sistema de consumo/produção/promoção. Além disso, o meio audiovisual evoluiu dentro desta lógica de ação e reação: a produção cinematográfica brasileira cresceu imensamente na última década (esqueçamos o biênio 2020/21), despertando o interesse de uma significativa parcela da nova geração, nas grandes e médias cidades, antenada aos novos veículos de comunicação, que permitem rápido acesso à informação e que, por sua vez, tem feito surgir a necessidade de capacitação, gerando assim escolas e cursos de cinema, presenciais e online, capazes de colocar no mercado jovens ávidos por produzir e que, por sua vez, se aproveitam e/ou criam espaços para distribuição daquilo que produzem. Ufa, a última frase ficou enorme... Mas é possível que traduza a urgência do pensamento. Como resultado, temos um enorme volume de filmes sendo realizados nos últimos anos. Basta verificar as mostras e festivais nacionais: grande parte das obras inscritas e selecionadas nos últimos eventos tem, como autores, jovens realizadores, capazes de articular discursos atraentes, utilizando-se de técnica e gramática audiovisuais com consciência.

Em um meio profissional tão atraente e concorrido, onde os equipamentos e serviços são, desde sempre, onerosos, saber que a formação de mão-de-obra (muitas vezes, autoformação) e o interesse pelo nosso cinema é uma realidade entre os jovens, configura um ambiente positivo, ainda que o atual governo federal tenha como projeto a extinção da produção cinematográfica nacional. Há muito que desenvolver – ou melhor, que recuperar.

Força, resiliência, superação. São termos e sentidos que nos ajudarão a vencer a atual Brasilis saeculis obscuris (Idade das Trevas no Brasil). Mas, por ora, defronte mais de quatro mil óbitos por dia, vítimas de uma pandemia que se alastra assustadoramente, tendo como principal causa o negacionismo, a falta de empatia e aptidão, aliados aos interesses escusos (cada vez mais escancarados) do nosso governante evangélico-armamentista-miliciano-genocida, não há muito o que fazer, senão ser oposição e seguir sobrevivendo. E, com consciência, caminhando. Que façamos a nossa parte e que semeemos esperança.  

 

Foto: Robert & Shana ParkeHarrison, "Burn Season", 2003 (Reprodução)

 

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