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Contos Griot: A Criação Yoruba antes do Gênesis

Contos Griot: A Criação Yoruba antes do Gênesis
Jp Santsil
jan. 24 - 110 min de leitura
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No princípio existia um lugar… em que nada do que existe hoje havia e existia.

Esse lugar é o primeiro mundo, que se chama Orún.

No Orún, o primeiro reino, só existiam os seres de luz e a Grande Fonte Luminosa. Que é o Ser Supremo, que criou o todo e o tudo e deu existência a todas as coisas que hoje existem.

Esses seres luminosos eram um só em comunhão ao Grande Espírito Supremo. E só uma coisa diferenciava uns dos outros, apenas os brilhos dos seus corpos e a cor da luz que eles emanavam.

Esses seres eram completos e perfeitos em união e reverência à Grande Fonte Luminosa. E manifestavam no Orún um grande baile luminoso, que formava um redemoinho em espiral repleto de todas as cores que se possa imaginar.

Assim, o Orún resplandecia uma beleza de maravilhas de luzes e cores, que nem um baú repleto de pedras preciosas multicoloridas, irradiadas pelos raios solares que penetram em uma janela dentro de um quarto escuro, podia emanar.

A Grande Fonte Luminosa, O Deus Todo-Poderoso, O Primeiro e o Último, que além dele não há outro deus. É conhecido pelos povos iorubás pelos atributos de Olódùmarè, que quer dizer “Aquele Luminoso que possui o imenso brilho que ninguém pode alcançar”. Ou Olórun, que quer dizer “Aquele Luminoso que impera no Céu”. Ou simplesmente Olófin, que quer dizer “Aquele Luminoso que é o Rei dos reis e Senhor dos senhores” e também Olodúm, que quer dizer “Aquele Luminoso que é o senhor dos destinos”.

Os habitantes do Orún, os seres luminosos criados por Olódùmarè, eram chamados Imolè.

Os Imolès eram uma comunidade de seres de luz regidos por um único Rei, Olódùmarè. Tendo alguns ordenadores templários que eram chamados Funfuns. Esses seres eram assexuados, pois eram à semelhança de Olódùmarè.

Os Funfuns foram os primeiros seres luminosos criados por Olódùmarè, e os seus corpos são transparentes como os cristais, e as suas luzes são de cor branca, como as luzes das estrelas.

Olódùmarè, “Aquele que é não criado”, antes de criar o Orún, era inconcebível e inimaginável.

Era o tudo e era o nada, e não era o tudo e não era o nada. Pois nem o tudo, nem o nada ainda não veio à existência.

Olódùmarè, o solitário não criado, de repente, movimentou-se em si mesmo e começou a inflar-se, gerando em si mesmo a EXISTÊNCIA. E a EXISTÊNCIA era a LUZ.

Olódùmarè inflamava e se expandia cada vez mais, e mais, e mais, e mais. A partir desse momento, Olódùmarè existiu dentro de si mesmo, e o nada se tornou o todo dentro dele mesmo.

A EXISTÊNCIA era o primeiro PENSAMENTO de Olódùmarè, o sonho da Criação.

Olódùmarè prendeu o PENSAMENTO por uma eternidade de oito ciclos, e ao longo dos ciclos Olódùmarè se expandia cada vez mais. No final do nono ciclo e no início do décimo ciclo eternário, Olódùmarè não conseguiu mais se conter. E saiu de dentro de si o èmí, um sopro entoado pela primeira vez, que deu origem ao òfurufú, a PALAVRA. E a PALAVRA era a VIDA. E Olódùmarè disse bem alto, pronunciando:

EU SOU!

Olódùmarè explodiu ao pronunciar “o sopro entoado”, o èmí. Expelindo para fora de si a PALAVRA, o òfurufú.

E a PALAVRA se fez EXISTÊNCIA, e Olódùmarè, olhando a EXISTÊNCIA, se viu pela primeira vez. Pois a EXISTÊNCIA ainda não tinha forma definida, porque a EXISTÊNCIA estava dentro de Olódùmarè. E era Olódùmarè.

A PALAVRA estava com Olódùmarè no princípio, e, Olódùmarè era a PALAVRA. Por meio da PALAVRA, Olódùmarè gerou todas as coisas criadas e nada do que veio à EXISTÊNCIA veio a ser sem a PALAVRA, que era Olódùmarè.

A PALAVRA veio a ser a FONTE DA LUZ. E dessa PALAVRA todas as criaturas, coisas e formas se iluminaram. E a LUZ brilhou pela primeira vez nas trevas, essa LUZ veio a ser a VIDA, e a VIDA compreendeu o Todo e o Tudo, e Olódùmarè veio a ser, expelindo-se para fora de si mesmo.

A EXISTÊNCIA agora estava fora de Olódùmarè. Mas Olódùmarè estava agora dentro e fora da EXISTÊNCIA que se tornou LUZ.

E a LUZ era a VIDA. A VIDA ganhara corpo e forma. E quando a VIDA observou Olódùmarè, o seu criador, a VIDA ganhara também CONSCIÊNCIA. E dessa CONSCIÊNCIA surgiu o SENTIMENTO. E esse SENTIMENTO foi o AMOR, em forma de um singelo sorriso.

E Olódùmarè amou a VIDA. E desse AMOR a FELICIDADE raiou iluminando a CRIAÇÃO. E dessa LUZ surgiu a HARMONIA. E a HARMONIA manifestou a PERFEIÇÃO. Então, Olódùmarè disse:

— VOCÊ É MEU PRIMEIRO FILHO. ATRAVÉS DE VOCÊ EU VIM A EXISTIR E FIQUEI CONHECIDO. EU ESTOU EM VOCÊ E VOCÊ ESTÁ EM MIM. SOMOS UM SÓ, POIS SEM VOCÊ EU NÃO EXISTO, E SEM MIM VOCÊ NÃO PODERIA EXISTIR. EU TE VEJO PORQUE VOCÊ ME VÊ. EU TE SINTO PORQUE VOCÊ ME SENTE. MEU PRIMOGÊNITO, MEU ESPÍRITO ESTÁ LIGADO AO SEU, E O SEU AO MEU, POR TODA VIDA E QUALQUER ETERNIDADE.

Olódùmarè, depois de dizer essas palavras, o chamou de Obàtálá, que quer dizer “Rei Supremo de luz branca acima de tudo e de todos”.

Obàtálá, rei supremo e filho único de Olódùmarè, foi coberto de um véu de luz majestosamente branco. Olódùmarè, vendo o seu filho amado que flutuava solitário no espaço como a Grande Estrela de todas as tardes e manhãs, aquela que mais brilha, disse:

— VAMOS, MEU FILHO, E CONSTRUAMOS UMA CASA PARA QUE JUNTOS POSSAMOS HABITAR.

E Olódùmarè, junto a Obàtálá, edificou o Orún. Depois da edificação do Orún, Olódùmarè percebeu que Obàtálá necessitava de um ser semelhante a ele, para coagir e interagir. Pois Olódùmarè não tinha forma definida, podendo ser qualquer coisa, e ele se manifestava a Obàtálá de diversas formas e maneiras. Sendo que Obàtálá não tinha nenhuma referência dele próprio, porque não havia ainda na criação um ser semelhante a ele. Então, Olódùmarè disse:

— VAMOS, MEU FILHO, SOPRAREI SOBRE VOCÊ O ÈMÍ, O MEU HÁLITO.

Olódùmarè, ao soprar o èmí sobre Obàtálá, fê-lo girar como um redemoinho. E, ao girar, parte de si desprendeu-se dando origem a outro corpo. Porém, esse corpo estava estático e sólido como uma rocha porosa. Vendo-o, Olódùmarè disse:

— AGORA SOPRAREI SOBRE ESSA FORMA O MEU ESPÍRITO, O ÒFURUFÚ, MEU AR DIVINO. PORQUE MEU ESPÍRITO É A PALAVRA DA VIDA, E DOU LUZ A TUDO QUE QUERO.

Olódùmarè soprou o seu òfurufú sobre a forma sólida e acinzentada, e ela ganhou Luz e Vida. E da mesma forma que fez com seu filho único Obàtálá, o encobriu com um manto de luz de cor branca.

E Olódùmarè o chamou de Èsú’Yangí, que significa “A esfera porosa que ganhou movimento”.

Èsú’Yangí foi a primeira forma viva individualizada do universo. Pois Èsú’Yangí fora retirado diretamente de Obàtálá, sendo por natureza inferior a Obàtálá, o primogênito de Olódùmarè. E Olódùmarè, disse:

— ÈSÚ’YANGÍ, VOCÊ SURGIU DE OBÀTÁLÁ E AGORA VOCÊS SÃO IRMÃOS. VOCÊ DEVERÁ HONRAR SEU IRMÃO MAIS VELHO E RESPEITÁ-LO COMO SUPERIOR A VOCÊ. POIS SEM ELE VOCÊ NÃO PODERIA VIR A EXISTIR. PORÉM, EU TE FIZ À SUA IMAGEM E SEMELHANÇA, E TAMBÉM TE ENCOBRI COM O MESMO VÉU DE LUZ QUE O ENCOBRI, PARA QUE VOCÊS SEJAM UM SÓ PERANTE MIM. MAS SEU IRMÃO É O MAIOR, POR SER ELE À MINHA IMAGEM E TER PROVINDO DE DENTRO DE MIM, PORQUE EU O GEREI E ME MANIFESTEI ATRAVÉS DELE. PORTANTO, HONRA E AMA A ELE COMO VOCÊ DEVE HONRAR E AMAR A MIM. ESTE É O ÚNICO MANDAMENTO QUE LHE DOU.

E Olódùmarè disse a Obàtálá:

— MEU PRIMOGÊNITO, VOCÊ SABE QUE O MEU ESPÍRITO ESTÁ EM TI, E ATRAVÉS DE TI TODAS AS COISAS VIVAS SERÃO CRIADAS. E ENCHEREI TODO UNIVERSO DE VIDA ATRAVÉS DE TI. CUIDA ASSIM DO TEU IRMÃO, POIS ELE É FRUTO DE TI, AMA-O COMO VOCÊ ME AMA E EU TE AMO, AMA-O COMO VOCÊ DEVE AMAR A SI MESMO PELA MINHA VIDA EM TI. ESTE É O ÚNICO MANDAMENTO QUE TE DOU. POIS A COROA DA VIDA É SUA, SENDO TU MESMO REI SOBRE TODA A VIDA.

Depois de dizer essas palavras e dar os seus primeiros mandamentos aos dois. Olódùmarè se retirou do meio deles e os observava, pois ele mesmo já sabia o que havia de acontecer com a criação.

Obàtálá e Èsú’Yangí eram puros como as criancinhas, pois ainda não havia maldades na criação.

Juntos caminhavam, dançavam e brincavam no Orún, e Olódùmarè sempre os vigiava. Até que pela primeira vez surgiu uma desavença entre os dois, pois Obàtálá queria dançar, e Èsú’Yangí queria brincar.

Olódùmarè, vendo essa desavença, foi até eles para interrogá-los, e disse:

— MEUS AMADOS FILHOS, QUAL O PORQUÊ DESSA DESAVENÇA ENTRE VOCÊS DOIS? VOCÊS DEVERIAM ESTAR FELIZES, UM EM COMPANHIA DO OUTRO.

Obàtálá, então, disse:

— Tudo isso foi por causa de Èsú’Yangí, pois estávamos brincando o tempo todo, aí eu falei para ele que eu não queria mais brincar, e chamei-o para dançar e ele não quis.

Èsú’Yangí disse em resposta a Obàtálá:

— Já tínhamos dançado antes de brincarmos, e eu não queria mais dançar.

Olódùmarè ouvindo-os, percebeu que nesse momento havia dois mundos. E que sempre existiria rivalidade entre eles pelas divergências de suas vontades. E isso o preocupou. Pois a sua criação não se tornará harmônica, e sem harmonia não poderia existir a perfeição. Olódùmarè pensou por um momento e disse:

— ALGUM DE VOCÊS DOIS VAI TER QUE SE RENDER A FAZER O QUE O OUTRO QUER. QUEM SERÁ?

Obàtálá, então, disse:

— Eu sou o primeiro. E sendo eu o primeiro, Èsú’Yangí tem que fazer a minha vontade.

Èsú’Yangí também disse:

— Eu sou o seu irmão, portanto você tem obrigações comigo, pois provim de você, e por isso, você tem que me servir.

Então, eles viraram as costas um para o outro, como sinal de não se rederem um à vontade do outro.

Olódùmarè, vendo que a coisa só piorava, percebeu que a igualdade individualizada entre os dois criara a rivalidade. E, dessa forma, decidiu criar outro ser em aparência como a deles, mas diferente. Pois Obàtálá e Èsú’Yangí eram assexuados, mas em semelhança masculina.

Assim, enquanto os dois se encontravam de costas, Olódùmarè pegou um pouco de luz dos seus corpos e fez surgir no meio deles um ser de beleza sublime e de forma afeminada.

Este ser também de luz branca era tão lindo e de grande pureza, que ninguém o poderia resistir. Este ser surgiu das divergências de Obàtálá e Èsú’Yangí. E Olódùmarè o chamou de Odùduwà, que quer dizer “Aquela que jorra a harmonia do Criador”. Assim, Olódùmarè se retirou e os deixou.

Obàtálá e Èsú’Yangí de repente ouviram por detrás de si um choro, e, virando-se os dois ao mesmo tempo, depararam-se com um ser luminoso de beleza encantada, e juntos maravilharam-se. E Obàtálá perguntou:

— Quem é você e por que chora?

— Meu nome é Odùduwà. Estou chorando porque vocês não querem brincar e dançar comigo. — Respondeu.

Èsú’Yangí, disse:

— Eu quero brincar.

— E eu quero dançar. — Disse em seguida Obàtálá.

E juntos brincaram e dançaram. Foi assim que Olódùmarè, o Senhor de toda Criação, apaziguou as primeiras divergências no Orún. Pois agora a criação se tornara perfeitamente harmônica.

Olódùmarè decidiu criar outros seres de luz para popular o Orún, e assim fez, gerando a sua corte real de Imolès Funfuns, “Aqueles de Luz Branca”.

Os principais Imolès Funfuns, eram Obàtálá, que foi o primeiro, sendo este o rei de todos os Imolès, Èsú’Yangí, representando a disputa dual que movimenta o uno, Odùduwà, a trindade da harmonia que traz a perfeição, e por consequência Eteko, Akiré, Olúorogbo, Ògiyán, Olufan, Oko, Òkè, Lòwu, Ajagemo, Olúwofín, Pópó, Eguin, Jayé, Olóbà, Obaníjìta, Alajere, Olójó, Oníkì, Onírinjà, Àrówú, Ko, entre outros Funfuns. E, os criando, Olódùmarè se retirou.

Os Imolès Funfuns viviam em perfeita harmonia com o seu Criador no Orún. Mas sentiram algo faltando na criação, e não sabiam o que era. Algo como sentir fome, mas não existir comida. Sentir sede, mas não existir bebida.

Então, todos, de mãos dadas, se reuniram no centro do Orún, em um grande círculo invocando a presença de Olódùmarè. Perguntando que coisas era essa que faltava? Que vazio era esse a ser preenchido?

Olódùmarè, o sem forma que adquire todas as formas, o não criado que criou o todo e o tudo, ascendeu em uma grande chama de luz extremamente branca no meio dos seus filhos. E, quando isso aconteceu, a sua grande, potente e poderosa luz atravessou os corpos cristalinos dos Imolès Funfuns, gerando por detrás deles as maravilhas das muitas cores. Transformando o Orún em um universo mágico de um grande e circular arco-íris multicolorido. E Olódùmarè, disse:

EU SOU!

E ao pronunciar a sua grande e poderosa presença, todas as cores adquiriram vida, e novos Imolès multicoloridos vieram a existir no Orún. Preenchendo o vazio que faltava dentro e entre os Imolès Funfuns.

E esses novos seres multicoloridos foram chamados Irun Imolè.

E esse vazio que faltava no Orún era o que conhecemos hoje como os SENTIMENTOS.

Pois cada cor manifestada despertara nos Funfuns os variados sentimentos que no princípio todos eram de ordem positiva. A partir desse momento, os SENTIMENTOS se tornaram os alimentos dos Imolès, e suas vidas agora giravam em torno deles.

O Orún resplandecia sua luz de pureza harmônica por ciclos e ciclos eternários. Até o dia que Èsú’Yangí ficara insatisfeito com a sua posição na Criação. Pois ele queria ser como Obàtálá, e ter a coroa do primogênito de Olódùmarè, o Criador.

E, pela primeira vez no Orún e na Criação, surgiu algo de que nenhum Imolè ainda tinha conhecimento e consciência. Algo que ninguém nunca experimentara, um sentimento terrível que surgiu em Èsú’Yangí, e foi a origem de todos os males conseguintes.

Um sentimento de tristeza perante o que Obàtálá tinha, e Èsú’Yangí não entendia o porquê de que ele não tinha. E este sentimento gerou o desejo de ter exatamente o que Obàtálá possuía, a primazia e a coroa de rei dos Imolès.

Este sentimento, até então, não experimentado na criação era definido como uma vontade frustrada de Èsú’Yangí querer possuir os atributos ou qualidades de Obàtálá. Sendo esse sentimento o que conhecemos hoje como a INVEJA e a COBIÇA.

Secretamente, entretanto, Èsú’Yangí procurava uma maneira de persuadir Obàtálá para que ele pudesse cometer alguma falha em sua administração no Orún e ter sua moral rebaixada perante Olódùmarè.

Olódùmarè, o Criador onisciente, onipresente e onipotente já sabia do rigoroso teste, em que a criação tinha que passar para o aprimoramento espiritual das suas almas criadas. E principalmente sabia da importância e do papel de Èsú’Yangí nisso.

E Olódùmarè pensou: “Eis que já começou a provação dos seres que criei, agora não depende só da minha vontade. Como eu quis que isso nunca acontecesse com os meus filhinhos amados, mas tudo tem um propósito sem propósito, sendo que agora toda alma vai ter que ser lavada com a água do arrependimento e purificada com o fogo do sofrimento, para encontrar a verdadeira felicidade e vida em mim. Mas não deixarei meus amados sozinhos, corporificarei a minha SABEDORIA, com a qual criei todas as coisas, para que eles possam encontrar auxílio nela, e ela servirá como um guia e protetor para eles me encontrarem, quando arrependidos, humildemente me buscarem”.

Assim, Olódùmarè convocou todos os Imolès Funfuns para uma reunião na Morada dos Justos, o Àwosùn Dàra, seu palácio que até então ficava no centro do Orún. Mas excluiu Èsú’Yangí, pois ele já não era mais digno de sua presença, pelo fato de se encontrar impuro, pela maldade que se fez crescer em seu coração, não tendo mais a dignidade de entrar no Àwosùn Dàra.

E na presença de todos os Funfuns reunidos na Morada dos Justos, Olódùmarè disse:

— MEUS AMADOS FILHOS, É CHEGADO O MOMENTO EM QUE TODA CRIAÇÃO PASSARÁ PELO DESERTO DA ILUSÃO, ONDE AS TREVAS TENTARÃO EM VÃO OFUSCAR A LUZ. MAS, NO FINAL A LUZ PREVALECERÁ. DURANTE ESSE MOMENTO EU RETIRAREI MINHA PRESENÇA DO MEIO DA CRIAÇÃO, PARA QUE TODA VIDA SEJA PROVADA PELA FÉ EM MIM. PORÉM, CORPORIFICAREI MINHA SABEDORIA E ELA VIVERÁ COM VOCÊS, E ME COMUNICAREI COM VOCÊS ATRAVÉS DELA. ASSIM MEUS AMADOS, NÃO PODEREI MAIS PERMANECER JUNTO A VOCÊS NO FUTURO. SENDO QUE VOCÊS NÃO MAIS PODERÃO ME VER COMO ME VEEM AGORA. POIS SOU PURO E SEM MÁCULA, SENDO EU O SANTO DOS SANTOS E O JUSTO DOS JUSTOS, DEVO PERMANECER NA MINHA MORADA QUE É A CASA DOS JUSTOS.

Assim, Olódùmarè retirou de si o seu Espírito Santo de grande e perfeita sabedoria, e o corporificou, o chamando de Ibi Keji Olódùmarè, que significa: “O Segundo Espírito de Olódùmarè, que testificou a criação”. Porém, os Funfuns o chamaram de Orunmilá, que significa: “A palavra criadora que deu luz ao mundo”. Orunmilá ganhara um palácio no Orún e sua morada fora chamada de Ifá, que significa: “Morada da Beleza”. E Olódùmarè, ao corporificar e individualizar Orunmilá, falou:

— ORUNMILÁ, MEU ESPÍRITO SANTO DE SABEDORIA, COM VOCÊ EU CRIEI O ORÚN E SUAS ALMAS, E OS COLOQUEI NO LUGAR PRÓPRIO. VOCÊ SERÁ COMO UM FAROL PARA AS ALMAS PERDIDAS NO MAR DA ILUSÃO. SERÁ UM EDUCADOR DE ALMAS QUANDO A IGNORÂNCIA PREVALECER SOBRE ELES. E ESTARÁ DO LADO DOS JUSTOS E SE AFASTARÁ DOS INSENSATOS. A PARTIR DE AGORA, TODA ALMA QUE DESEJE ME ENCONTRAR E ESTAR EM COMUNHÃO COMIGO, DEVERÁ SER ABENÇOADA POR TI. POIS SÓ A VOCÊ, ORUNMILÁ, É CONFIADA A CHAVE QUE ABRIRÁ TODAS AS PORTAS. E TODAS AS ALMAS QUE TE HOMENAGEAREM E TE TEREM COMO PRIMAZIA POSSUIRÃO ESSA CHAVE.

E Olódùmarè, virando-se para os Funfuns, disse:

— MEUS AMADOS FILHINHOS, LEMBREM-SE DAS MINHAS PALAVRAS E NUNCA AS ESQUEÇAM. FAÇAM O QUE EU DIGO E VOCÊS VIVERÃO. PROCUREM CONSEGUIR SABEDORIA E COMPREENSÃO. NÃO ESQUEÇAM, NEM SE AFASTEM DO QUE EU DIGO. NÃO ABANDONEM A SABEDORIA, E ELA PROTEGERÁ VOCÊS. AME-A, E ELA LHES DARÁ SEGURANÇA. PARA SE TER SABEDORIA, É PRECISO PRIMEIRO PAGAR O SEU PREÇO. USEM TUDO O QUE VOCÊS TÊM PARA CONSEGUIR A COMPREENSÃO. AMEM A SABEDORIA, E ELA OS TORNARÁ IMPORTANTES, ABRACE-A E VOCÊS SERÃO RESPEITADOS. A SABEDORIA SERÁ PARA VOCÊS UM ENFEITE, COMO SE FOSSE UMA LINDA COROA. ESCUTEM, MEUS FILHINHOS! ACEITEM O QUE ESTOU DIZENDO E VOCÊS TERÃO UMA VIDA LONGA. EU LHES TENHO ENSINADO O CAMINHO DA SABEDORIA E A MANEIRA CERTA DE VIVER. SE VOCÊS ANDAREM SABIAMENTE, NADA ATRAPALHARÁ OS SEUS CAMINHOS, E VOCÊS NÃO TROPEÇARÃO QUANDO CORREREM. LEMBREM-SE SEMPRE DAQUILO QUE VOCÊS APRENDERAM COMIGO. A SUA EDUCAÇÃO É A SUA VIDA, GUARDE-A BEM! NÃO VÁ AONDE VÃO OS QUE SE FARÃO MAUS. NÃO SIGAM O EXEMPLO DELES. NÃO FAÇAM O QUE ELES FAZEM. AFASTEM-SE DO MAL. DESVIEM-SE DELE E PASSEM DE LADO. ESSES QUE SE FARÃO MAUS NÃO PODERÃO DORMIR SEM TER FEITO ALGUMA COISA MÁ, ELES FICARÃO ACORDADOS ATÉ CONSEGUIREM PREJUDICAR ALGUÉM OU A SI MESMOS. PORQUE PARA ELES A MALDADE E A VIOLÊNCIA SERÃO COMO COMIDA E BEBIDA. A ESTRADA EM QUE CAMINHAM AS PESSOAS DIREITAS É COMO A LUZ DA AURORA, QUE BRILHA CADA VEZ MAIS ATÉ SER DIA CLARO. MAS A ESTRADA DAQUELES QUE SE FARÃO MAUS É ESCURA COMO A NOITE, ELES CAIRÃO E NÃO PODERÃO VER NO QUE FOI QUE TROPEÇARAM. FILHINHOS, PRESTEM ATENÇÃO NO QUE EU DIGO. ESCUTEM AS MINHAS PALAVRAS. NUNCA DEIXEM QUE ELAS SE AFASTEM DE VOCÊS. LEMBREM-SE DELAS E AMEM-NAS. ELAS DARÃO VIDA LONGA E SAÚDE A QUEM ENTENDÊ-LAS. TENHAM CUIDADO COM O QUE VOCÊS PENSAM, INDEPENDENTEMENTE DAS CIRCUNSTÂNCIAS EM QUE VOCÊS SE ENCONTRAREM, POIS AS SUAS VIDAS SÃO DIRIGIDAS PELOS SEUS PENSAMENTOS. NUNCA FALEM O QUE NÃO FOR VERDADE, NEM DIGAM PALAVRAS QUE NÃO FOREM BOAS. OLHEM FIRME PARA FRENTE, COM TODA CONFIANÇA, NÃO ABAIXEM A CABEÇA, ENVERGONHADOS. PENSEM BEM NO QUE VOCÊS VÃO FAZER, E TODOS OS SEUS PLANOS DARÃO CERTOS. EVITEM A MALDADE QUE INSISTIRÁ EM REINAR NA CRIAÇÃO, ESSA ILUSÃO QUE LOGO SE FARÁ MANIFESTA NO REINO, E CAMINHEM SEMPRE EM FRENTE, NÃO SE DESVIEM NEM UM SÓ PASSO DO CAMINHO CERTO. E EM TUDO O QUE VOCÊS FIZEREM, PEÇAM CONSELHOS AO MEU ESPÍRITO SANTO DE SABEDORIA QUE AGORA SE ESTABELECEU NO MEIO DE VOCÊS.

Enquanto acontecia o concílio promovido por Olódùmarè, reunido com os Imolès Funfuns no Àwosùn Dàra. Èsú’Yangí, percebendo sua exclusão, nem se importou e começou a colocar o seu plano malévolo em prática.

Também era a oportunidade certa, porque todos os Funfuns não estavam presentes nas periferias do Orún.

Èsú’Yangí percebeu que a hegemonia de Obàtálá perante todos os Imolès era porque no Orún havia um só pensamento, um só sentimento e uma só expressão.

Então, Èsú’Yangí teve uma ideia e saiu para colocá-la em prática.

Èsú’Yangí viu dois Imolès um ao lado do outro conversando, e disse a si mesmo: “Se eu tão somente fizer esses dois discordarem um do outro, eu quebrarei a unidade de pensamento, expressão e sentimento no Orún”.

Rapidamente, Èsú’Yangí se disfarçou e vestiu um manto de duas cores. De um lado o manto era branco e de outro lado o manto era preto. Assim, quem olhasse Èsú’Yangí de um lado pensaria que ele estava vestindo um manto branco, e quem olhasse Èsú’Yangí do outro lado pensaria que ele estava vestindo um manto preto.

Èsú’Yangí, vestido com o seu manto de duas cores, preto e branco, apressou-se e passou no meio dos dois Imolès, que se encontravam sentados um ao lado do outro sem nem ao menos os cumprimentar, e desapareceu. Os dois Imolès, vendo o acontecido ficaram pasmados, e um disse ao outro:

— Que estranho aquele Imolè de manto preto que passou assim por nós sem nem nos cumprimentar. — Ele disse isso, porque sempre os Imolès saudavam uns aos outros em reverência e afeto ao se encontrarem, e continuou:

— Quem será ele, pois nunca o vi aqui no Orún.

— Manto preto?! — Exclamou o outro Imolè, e continuou:

— Eu não vi nenhum Imolè de manto preto, o manto era branco.

— O Manto era preto, irmão. — Disse o primeiro.

— Não! O manto era branco. — Disse o segundo.

E dessa forma eles ficaram discutindo o tempo todo. Um dizendo que o manto era preto e outro dizendo que o manto era branco. Èsú’Yangí, às espreitas, via tudo isso e se divertia muito, pois conseguira o seu objetivo com sucesso.

Os Imolès que discutiam sobre a cor do manto acabaram brigando e foram para suas moradas, e começaram a espalhar toda aquela discórdia e confusão.

Dessa maneira, influenciaram os outros Imolès em ideologias adversas, até que o Orún se dividiu em dois lados.

Do lado direito estavam aqueles que defendiam a ideologia do manto preto, e do lado esquerdo estavam aqueles que defendiam a ideologia do manto branco.

Eles construíram assim uma grande cerca, e pela primeira vez no reino da criação houve uma fronteira. Havendo uma fronteira, houve a fragmentação dos pensamentos, sentimentos e expressões. E a esfera da dualidade que movimenta todas as coisas veio à existência por obra mentirosa de Èsú’Yangí.

Quando os Imolès Funfuns se retiraram da presença de Olódùmarè no Àwosùn Dàra, perceberam algo de errado no Orún. E viram o Àwosùn Dàra subir ao mais Alto dos altos e desaparecer. Uma energia de luz acinzentada e pesada pairava sobre o primeiro reino.

E, observando mais, viram os Imolès separados por uma grande cerca, onde de um lado vestiam mantos pretos, e do outro lado vestiam mantos brancos. E ambos os mantos ofuscavam as suas multicoloridas luzes corporais.

Os Funfuns, nada entendendo, foram perguntar a Orunmilá o que se sucedeu no Orún enquanto estavam ausentes. E Orunmilá disse:

— É chegada a hora em que os seres se afastaram da verdade única e absoluta, do todo em comunhão e unidade com o seu Criador. Os seres agora repeliram de si o vivificante e inspirador Espírito Santo de sabedoria do Grande e Poderoso Criador. É por isso, meus irmãos, que me faço presente no meio de vocês corporificado. Para que também vocês não possam repelir a verdade absoluta e serem dominados pelo mal que agora insiste em existir. Falo que insiste em existir, pois o mal é uma mentira, e como toda mentira, o mal não é verdade. É por si só falsidade e ilusão, não existindo, mas fingindo existir. Porque tudo que verdadeiramente existe é somente o Criador e a sua Criação, sendo o Criador a mais pura e perfeita perfeição e verdade, tudo o que foi feito por ELE/ELA é perfeita perfeição e verdade pura e absoluta também. Assim sendo, o mal não foi criado pelo Criador. Portanto, o mal com seus frutos de sofrimentos não possui vida e luz em si próprio. Sendo mentiras que encobrem a verdadeira perfeição do Criador. Agora a dualidade se faz presente na Criação, e com ela veio o conflito, onde o ilimitado se limitará num todo fragmentado. Então, o que é belo que sempre existiu será conhecido pelo feio que pela mentira se fez existir. O bom que sempre existiu será conhecido pelo mal que pela mentira se fez existir. E a verdade que sempre existiu será conhecida pela mentira que se fez existir. Os seres se perderão nos conflitos dos seus pensamentos fragmentados, entrando no labirinto sem saída da dualidade. E assim fugirão do difícil e procurarão o fácil. Amarão o grande e desprezarão o pequeno. Valorizarão o alto e rejeitarão o baixo. Distinguirão o som do silêncio. O passado e o futuro. E em seus pensamentos dualísticos fragmentarão e nomearão todas as coisas. E a isso chamarão de inteligência, esquecendo-se da Grande e Perfeita Sabedoria do Criador, que nos ensina sem palavras. Que tudo cria e faz, nada tomando para si. Realizando todo o trabalho sem colocar seu nome neles. Terminando sua Grande Obra, mas sempre se mantendo no princípio de todas as coisas. Dando o livre-arbítrio a todos os seres. E só interferindo nos seus destinos unicamente por compaixão. Porque se assim não fosse, pelo mal que insiste em existir, nenhuma vida ainda subsistiria.

Os Imolès Funfuns vendo uma nuvem acinzentada que encobria o Orún, que era tão belo e colorido pelas resplandecentes emanações das luzes dos corpos dos Irun Imolès, se entristeceram e choraram de tristeza pela primeira vez.

Em vão eles tentaram reconciliar os Irun Imolès. Mas eles não queriam reconciliação. Pois cada um defendia a sua parte e filosofia, e queriam que um aderisse à verdade do outro, e só assim haveria paz.

E os Funfuns sabiam que ambas as ideologias que eles sustentavam nada tinham de verdade. Porque a verdade une, e nunca separa.

Passaram-se então outros ciclos eternários e o Orún se afundava mais e mais em trevas.

Èsú’Yangí fora banido do Orún, e perdera a dignidade e a honra de vestir um manto branco, e dessa forma não era mais um dos Imolès Funfuns. Agora, Èsú’Yangí habitava nos arredores do Orún, guardando as suas fronteiras e vivendo absolutamente solitário. Pois tornara-se feio e medonho, porque a cólera e a raiva o dominaram.

Sem a presença de Olódùmarè no Orún, também os Imolès Funfuns se dissiparam e foram viver cada um por sua própria conta. Mas sempre se reuniam de tempos em tempos na morada de Ifá, tomando conselhos e louvando o Grande Criador de todas as coisas existentes.

Depois de alguns ciclos eternários, desde a decadência do Orún e da corrupção que imperava na criação, Olódùmarè, com toda a sua glória, sabedoria e compaixão, percebendo que o mundo que criara ficara feio e sem luz, triste e cinzento, e que o ódio dominara os seus seres de luz, resolveu, a partir dali, criar um novo reino.

Então, Olódùmarè apareceu a Obàtálá, e disse:

— MEU FILHO OBÀTÁLÁ, ESTOU MUITO TRISTE COM O ORÚN E COM O QUE ELE SE TORNOU. APESAR DE JÁ SABER O QUE VIRIA A ACONTECER, OS DETALHES E MODOS PERVERSOS DOS MEUS SERES ME IMPRESSIONARAM. POIS O MAL CRESCE E EVOLUI TAMBÉM, E O ABISMO SE TORNA CADA VEZ MAIS PROFUNDO E TENEBROSO. ABRIREI UMA PORTA PARA VOCÊ ENTRAR NO ÀWOSÙN DÀRA, A MORADA DOS JUSTOS. SE PURIFIQUE E VÁ AO CENTRO DO ORÚN, ONDE ANTES EU HABITAVA.

Obàtálá sem demora partiu de sua habitação para o centro do Orún, como Olódùmarè pediu. Chegando lá, viu uma coluna de luz estendida ao mais Alto dos altos, e falou para os seus seguidores esperarem por ele ao redor da coluna de luz.

Obàtálá adentrou na coluna luminosa e elevou-se até o Àwosùn Dàra. Estando lá, Olódùmarè ascendeu em chamas na sua frente, e falou:

— MEU PRIMEIRO! FICO MUITO FELIZ POR TER ATENDIDO O MEU PEDIDO. EIS QUE AQUI ESTOU, E UMA GRANDE MISSÃO TE DAREI. QUERO QUE VOCÊ, MEU FILHO, REALIZE ESSE IMPORTANTE TRABALHO. OBSERVEI VOCÊ DURANTE TODO ESSE TEMPO PELO QUAL O ORÚN DECAIU, E VI QUE VOCÊ NÃO ABANDONOU AS MINHAS LEIS E OS MEUS MANDAMENTOS SAGRADOS. PORÉM, UMA ACUSAÇÃO TENHO CONTRA VOCÊ, MEU FILHO. VOCÊ SE JULGA SER MAIS DO QUE VOCÊ É, E MENOS DO QUE PODERIA SER. SE APOIANDO NA SUA PRÓPRIA SAPIÊNCIA, E DESMERECENDO A SABEDORIA DE QUEM TEM ALGO A LHE ACRESCENTAR. CUIDADO! POIS O CAJADO EM QUE VOCÊ SE SUSTENTA É O MESMO QUE LHE FARÁ TROPEÇAR.

Olódùmarè disse isso advertindo Obàtálá do seu amor próprio. Mas Obàtálá pensara que Olódùmarè falara do seu òpá-sóró, que ele sempre trazia nas mãos. E Olódùmarè continuou a dar-lhe instruções:

— AQUI ESTÁ UM SACO COM O ELEMENTO PRIMORDIAL DA EXISTÊNCIA, O ÀPÒ-IWÀ, PEGUE-O E VÁ À MORADA DE IFÁ E PEÇA CONSELHOS A ORUNMILÁ. IFÁ LHE DIRÁ O QUE VOCÊ DEVE FAZER PARA CRIAR O MEU NOVO REINO, QUE SERÁ CHAMADO DE ÀIYÉ. É ESSA A MISSÃO QUE TE DOU.

Obàtálá pegou o saco primordial da existência, o àpò-iwà, e retirou-se da presença de Olódùmarè, descendo da coluna de luz no Àwosùn Dàra até o centro do Orún. Lá, se ajuntou aos seus seguidores e sem demora foi para a morada de Ifá, para pedir conselhos a Orunmilá, o Grande Oluwò, O Senhor da Sabedoria e do Destino.

Ainda no centro do Orún, Obàtálá deu uma volta ao redor de si mesmo, a fim de observar toda a circunferência do primeiro reino. E um sentimento estranho que ainda nenhum ser criado sentira apossou-se dele.

Obàtálá começou a sentir uma grande satisfação pela sua capacidade de realização, e um sentimento elevado de dignidade pessoal, que logo se transformou em um senso de superioridade sobre os demais seres do Orún, levando-o a pensamentos de ostensivas arrogâncias, de modo que ele mesmo se colocou no centro do universo e da criação, em pretensões de superioridade aos demais. Por se achar digno de ser o único Imolè incumbido para criar o novo reino, o Àiyé…

Esse sentimento é o que nós conhecemos como: o ORGULHO, a SOBERBA, a VAIDADE, a OSTENTAÇÃO de si mesmo, e tudo o que resume a manifestação do EGOÍSMO.

Obàtálá, centrado em si mesmo, disse aos seus seguidores, os outros Imolès:

— Como é grande a missão que o mais Alto dos altos me confiou. Isso comprova o meu grande poder, a fim de mostrar a todos a minha grandeza e a minha glória. De agora em diante serei conhecido como Òrínsànlá. — que quer dizer o “O Grande entre Todos os seres do Criador”.

E todos os seus seguidores o reverenciaram, e juntos partiram para a morada de Ifá…

Ao chegar à morada de Ifá. Obàtálá, que agora se chamava Òrínsànlá, pensava consigo mesmo: “Por que Eu, Òrínsànlá, filho unigênito de Olódùmarè, tenho que pedir conselhos a Orunmilá?”.

Mas logo percebera que precisava de instruções, até porque ele mesmo não sabia onde e como criaria o Àiyé. E o que deveria fazer com o saco da existência, o àpò-iwà, que continha o elemento primordial da criação.

Então, só por conveniência e interesse próprio, Òrínsànlá fora pedir conselhos a Orunmilá.

Nos portões da morada de Ifá, Òrínsànlá arrogantemente falou ao porteiro:

— Vá e diga a Orunmilá que eu, Òrínsànlá, o primeiro entre todos os Imolès Funfuns e toda a criação, o unigênito de Olódùmarè, pelo qual recebi do mais Alto dos altos a incumbência de criar o novo reino, desejo-lhe falar.

Apressadamente, o porteiro da morada de Ifá foi ao encontro de Orunmilá. E, antes que ele pudesse abrir a boca para falar, Orunmilá lhe disse:

— Diga a este, que eu não conheço nenhum Imolè de nome Òrínsànlá.

O porteiro foi e disse a Òrínsànlá o que lhe foi dito. E Òrínsànlá disse ao porteiro:

— Vá e fale a Orunmilá que Obàtálá, que agora se chama Òrínsànlá, é quem aqui está.

E, antes que o porteiro pudesse virar-se e ir, Orunmilá lá estava. E disse:

— Entre, Obàtálá, que agora pelo seu próprio poder se chama Òrínsànlá, tenho conselhos a te dar. Para que sejas vitorioso na empreitada que Olódùmarè te confiou.

Òrínsànlá e os seus seguidores entraram na morada de Ifá. E Orunmilá lhe falou:

— Vejo um grande cajado que estava em pé diante do mais Alto dos altos cair. Mas que, ao cair, pequenos brotos surgiram de sua cana, e tornou-se um grande arbusto. E muitos animais rastejantes, como também insetos e pequenas aves dos céus fizeram morada nele. E uma fonte de águas borbulhantes ali brotou, e dela jorrou um grande rio. E no lugar onde esse arbusto floresceu surgiu uma grande floresta. E um jardim foi posto ali, donde proveio toda a vida animada e inanimada, inteligente e de instinto que há de existir na face da terra.

— Do que você está falando? — Perguntou Òrínsànlá.

— De você, filho de Olódùmarè. — Respondeu Orunmilá.

— Não posso perder tempo com suas parábolas, Ó Grande Oluwò. Vamos, me fale o que eu tenho que fazer para criar o novo reino. — Disse Òrínsànlá.

— “Owe ni Ifá Ipa òmòràn ni ímò ó”, Ifá fala sempre por parábolas e sábio é aquele que sabe entendê-las. Vamos ver o que o oráculo tem a falar. — Disse Orunmilá.

E, jogando para o alto os seus dezesseis búzios, os Odus, quinze dos dezesseis deles caíram no chão e apenas um flutuou. O primeiro Odu de nome Ejiogbe. E falou Orunmilá:

— Eis que você será testado e passará por uma grande dificuldade em sua jornada, pois assim Olódùmarè, o Deus Supremo, determinou. Você deverá ir até a fronteira dos mundos no Òrun Àkàsò. Para que alcance o lugar determinado por Olódùmarè, em que você criará o Àiyé. Lá você encontrará um grande pilar, o Òpó-Òrun-oún-Àiyé. É lá que você deverá realizar esse grande trabalho. Aconselho-te que leve consigo outro saco com alguns itens e elementos, para que sejas vitorioso em sua missão. Pois você sabe muito bem que o Òrun Àkàsò, o reino astral, tornou-se a prisão etérea do acusador dos nossos irmãos. Aquele disseminador de ofensas e pai de toda mentira, que fora banido do meio dos Imolès Funfuns. Você sabe muito bem de quem eu falo, o pai de toda desarmonia, Èsú’Yangí.

E, tomando a palavra, Òrínsànlá disse:

— Eu não temo Èsú’Yangí. E também não preciso de sua magia e dos seus itens e utensílios, Ó Grande Oluwò. Eu, Òrínsànlá, primogênito entre todos os Imolès Funfuns, filho unigênito de Olódùmarè, provarei para você que derrotarei aquele traidor, com o poder e a magia do meu òpá-sóró.

— Mas o que eu tenho a lhe dar, Òrínsànlá, será de grande valia para que sejas bem-sucedido em sua missão. — Disse Orunmilá.

— Você, Ó Grande Sacerdote de Ifá, já me deu o bastante para o sucesso da minha missão. A localização exata para eu realizar o trabalho. A respeito de Èsú’Yangí, cuido eu. — E Òrínsànlá, falando isso, retirou-se da morada de Ifá.

Orunmilá, avistando Òrínsànlá partir, disse consigo mesmo: “Eis que este caminha para o seu próprio fracasso. Pois rejeitou os conselhos de quem tem algo a lhe acrescentar. O seu orgulho o cegou, e eis que caminha em direção ao precipício. A sua grande loucura o levará à cova”.

Orunmilá, sabendo que Òrínsànlá fracassaria em sua missão por não ouvir os seus conselhos, mandou os seus seguidores chamar Odùduwà. Pois Orunmilá acreditava que se Odùduwà fosse falar com Òrínsànlá, talvez ele pudesse corrigir o seu erro e seguir os conselhos do grande oráculo de Ifá.

Odùduwà sem demora partiu com os seguidores de Orunmilá para a morada de Ifá. Chegando lá, Orunmilá lhe disse:

— Odùduwà, a cabaça de onde Olódùmarè jorrou a vida, você será a Grande Mãe da existência material, e os novos seres que lá viverem te chamarão de MÃE NATUREZA. Eis que Obàtálá, que por amor a si próprio agora se chama Òrínsànlá, está prestes a tropeçar pelos seus próprios pés. Pois rejeitou os conselhos de Ifá, e daquele que tem sabedoria de lhe instruir. Peço-te, pelo amor que você tem por ele, que vá e o ajude. Para que ele possa se proteger de si mesmo e, assim, possa se desviar do caminho do precipício. Mas, se ele não te ouvir, e fracassar na sua missão, então você deverá realizar a Grande Obra do mais Alto dos altos. Pegue este saco, que contém um camaleão, cinco galinhas das que têm cinco dedos em cada pé, cinco pombas brancas e uma corrente de dois mil elos. Vá e siga Òrínsànlá às espreitas. Ele te conduzirá ao local exato para realizar a Grande Obra.

E Orunmilá, pegando os seus dezesseis Odus, os jogou para o alto, e o segundo búzio, Oyeku Meji, que é a contraparte de Ejiogbe flutuou. Orunmilá então disse:

— O mesmo que vem contra Òrínsànlá virá contra você. Mas, ao contrário do que acontecerá com Òrínsànlá, você obterá a vitória contra o acusador dos nossos irmãos. Ele tentará você para que tropece no caminho, você necessitará de ajuda, e no momento certo ela virá. Também não se preocupe de como você deverá realizar a Grande Obra. Ouça o seu coração e vai entender, pois toda inspiração vem do ouvir o coração…

Odùduwà, retirando-se da morada de Ifá, convocou os outros Imolès Funfuns e partiu ao encontro da comitiva de Òrínsànlá. Alcançando-os no Òna Òrun, a via que dava acesso para o Òrun Àkàsò. E Odùduwà disse a Òrínsànlá:

— Obàtálá, que por amor a si próprio agora se chama Òrínsànlá, viemos ao seu encontro para ajudá-lo em sua missão.

— Odùduwà, Eteko, Akiré, Olúorogbo, Ògiyán, Olufan, Oko, Òkè, Lòwu, Ajagemo, Olúwofín, Pópó, Eguin, Jayé, Olóbà, Obaníjìta, Alajere, Olójó, Oníkì, Onírinjà, Àrówú, Ko e os demais Imolès Funfuns. Fico feliz em saber que vocês estarão comigo, me assistindo na criação do novo reino. Pois a mim foi confiada a honra, o poder e toda glória de criar o novo reino. Para isso terei que combater o meu maior inimigo e o malfeitor de todos os Imolès, que com ajuda de vocês serei vencedor. — Disse Òrínsànlá aos Imolès Funfuns.

E Odùduwà lhe disse:

— O poder, a honra e a glória não vêm de ti, Ó Grande Imolè, ela vem do mais Alto dos altos. E você rejeitou os conselhos provindos do grande oráculo. Viemos aqui para ajudar você a combater o seu maior inimigo, que pelo que vemos não é Èsú’Yangí, e sim você mesmo. Ouça o nosso conselho e siga as instruções de Ifá.

— Eu, o Grande e o Primeiro Imolè, Òrínsànlá, a quem o mais Alto dos altos deu a missão de realizar a sua Grande Obra, tenho que ouvir os seus insultos. Saiam diante de mim, porque tenho um grande trabalho a realizar.

Dizendo isso à comitiva dos Imolès Funfuns, Òrínsànlá virou-se e, sem demora, seguiu seu rumo em direção ao Òrun Àkàsò.

Odùduwà e os outros Imolès Funfuns observaram a comitiva de Òrínsànlá partir. E Odùduwà disse aos demais:

— O oráculo me falou que Òrínsànlá não vai ter sucesso nessa empreitada. Vamos segui-los às escondidas e vejamos o que acontecerá.

Chegando aos portões do Òrun Àkàsò. Que é a faixa etérea, sendo o reino astral entre o Orún e o Òpó-Òrun-oún-Àiyé, delimitando o primeiro reino e o caos, Òrínsànlá, com sua impetuosidade, deu ordem aos seus súditos que abrissem os portões. Mas logo sem demora Èsú’Yangí, o banido que se tornará o porteiro e guardião das fronteiras dos mundos, surgiu e falou:

— Quem ousa abrir os portões do Òrun Àkàsò sem me pedir permissão e me trazer oferendas.

— Desde quando Eu, o filho unigênito de Olódùmarè, o Primeiro entre os primeiros, tenho que pedir permissão a um velho Imolè banido e traidor? — Disse Òrínsànlá.

— Obàtálá, por sua causa vim eu a morar aqui neste ermo. E ainda você tem a coragem de vir aqui me desafiar? Saiba que o Òrun Àkàsò é o meu reino, e só eu decido quem entra e quem sai. E ninguém pode aqui entrar sem me render homenagens. — Disse Èsú’Yangí.

— Saia da minha frente, seu traidor, ou eu, Òrínsànlá, te farei desaparecer com o poder do meu òpá-sóró. — Disse Òrínsànlá severamente.

— Pois bem. Que seja feita a sua vontade, Ó Òrínsànlá. Pois não precisarei guerrear contigo, nessa batalha eu já sou vencedor. Pois o mal que agora há em ti é a brecha que eu tanto esperava, para que eu possa habitar finalmente em tua morada. — Èsú’Yangí, dizendo isso, deu uma sinistra gargalhada e sumiu diante da vista de todos.

E assim Obàtálá, que por amor a si mesmo se fez Òrínsànlá, abriu sem permissão os portões do Òrun Àkàsò e seguiu caminho adentro.

E, assim, desprezou as ordens de Olódùmarè, recusando os conselhos do oráculo de Ifá e repudiando Èsú’Yangí, que agora o dominara.

Èsú’Yangí, olhando para o alto, falou, com o intuito que Olódùmarè ouvisse:

— Aí está, Ó Grande Olórùm, o seu filho amado pelo qual Tu tanto te orgulhas. Desprezando e rejeitando as suas leis e mandamentos. Que diferença tem este de mim, Ó Grande Olódùm. Sei que, como conheces tudo e sabe do destino de todas as coisas, sabíeis Vós que isso viria a acontecer, e que seu protegido fracassaria. Se encontrando ele agora nos meus domínios e sob as minhas regras. Diga-me, Ó Grande Oló, o que eu devo fazer com ele. Pois bem sei eu que Tu o amas. E de que nada posso fazer com este sem que Tu o permitas.

E uma forte voz, como de uma trombeta, potente como um trovão, vindo do mais Alto dos altos, falou:

— ACUSADOR. SEI QUEM É VOCÊ, E SEI QUEM É O SEU IRMÃO. VOCÊ PECA CONTRA MIM, PORQUE SABE MUITO BEM O QUE FAZ A TODO O MOMENTO, E POR QUE O FAZ. JÁ O SEU IRMÃO APENAS FALHA CONTRA MIM, POIS ELE NÃO SABE O QUE ESTÁ FAZENDO. POR IMATURIDADE ELE FAZ ESSAS COISAS, E POR ISSO AQUI ESTOU PARA CORRIGI-LO. MAS VOCÊ, Ó ASTUTO, FAZ TODAS AS SUAS MALDADES COM A MAIS PLENA CONSCIÊNCIA, E CÁLCULO, E MAQUINAÇÕES. ESTA É A GRANDE DIFERENÇA ENTRE TI E O TEU IRMÃO. FUI EU QUE O ENTREGUEI EM SUAS MÃOS. APENAS NÃO O DANIFIQUE, MAS FAÇA COM ELE DE ACORDO COM O SEU BEL-PRAZER, PARA QUE SE ACUMULE A SUA MALDADE E PECADO. E NO DIA DA MINHA IRA EU POSSA COBRÁ-LA DE TI. — E, depois que a Voz do mais Alto dos altos falou isso, houve um grande silêncio e calmaria.

Èsú’Yangí, sabendo que Òrínsànlá estava sob o seu domínio, apressou-se em lhe fazer o mal. Então, Èsú’Yangí estendeu o seu cajado de três pontas, em que cada ponta continha um crânio de bode com chifres envergados. E dos crânios de bode saíram uma tenebrosa fumaça preta, que seguiu ao passo de Òrínsànlá.

De repente, ao redor da comitiva do Grande Imolè Funfun, surgiu uma névoa tenebrosa e assustadora. Que por um instante foi inalada por Òrínsànlá.

Ao inalar aquela fumaça preta, Òrínsànlá ficou completamente desorientado no Òrun Àkàsò, que logo se transformara num sombrio deserto de areias, pedras e grandes rochas.

Òrínsànlá e seus seguidores caminharam arduamente por longos tempos, que pareciam eternidades. Então, pararam para descansar debaixo de uma grande palmeira, o Igí-òpe.

Ao observar aquela grande árvore, Òrínsànlá e seus seguidores ficaram abismados. Pois nunca vira algo assim parecido no Orún.

Curioso, Òrínsànlá pegou o seu òpá-sóró e cravou a sua base dentro da grande palmeira. Então, uma seiva jorrou de dentro do seu tronco, o emun. E, vendo aquele sumo, o emun, ser derramado, um encanto saiu do Igí-òpe e dominou Òrínsànlá.

De repente uma sensação desconfortante de insatisfação, iniciada por estímulos originados dentro de Òrínsànlá, o dominou. Uma sensação horrível que jamais nenhum outro Imolè sentira antes.

Òrínsànlá desejava fortemente pôr algo dentro dele. Algo que faltava e que ele não sabia o que era. Algo que o deixava irritado e desesperado por não o ter. Essa sensação é o que conhecemos como SEDE. Òrínsànlá estava sedento.

Òrínsànlá, ao ver o emun derramando pelo tronco do Igí-òpe, sentiu-se fortemente atraído, necessitado e desejoso do líquido. Naquele momento e naquela situação era o que ele mais queria.

Então, ele jogou todas as coisas que carregava para fora de si. Como o seu manto, o seu cajado e também o saco da criação, que continha o àpò-iwà. E, correndo desesperadamente, debruçou-se embaixo da grande palmeira e começou a beber freneticamente todo o suco que escorrera dela.

Porém, o que Òrínsànlá não sabia é que o emun é um sumo fermentado contido no tronco do Igí-òpe, com um alto teor alcoólico.

Saciando sua sede, Òrínsànlá apresentou um comportamento inquieto, estava excitado e falante como um macaco. Mas ainda consciente dos seus atos e palavras, falando aos seus seguidores eloquentemente, atingindo níveis elevados de persuasão, como jamais eles o ouviram antes.

Mas, passado um determinado tempo, Òrínsànlá tornava-se mais confuso, e como um leão ficara nocivo e voluntarioso, agindo irrefletida e violentamente. Fazendo com que os seus seguidores tomassem certa distância.

E logo mais lá estava Òrínsànlá como um porco, completamente atirado ao chão, molhado pelo emun, que fizera uma poça no solo.

Òrínsànlá estava em estado de sono profundo, caído ali debaixo do Igí-òpe, descuidado. Jamais nenhum Imolè sentira isso, que é o que conhecemos como a EMBRIAGUEZ.

Os outros Imolès, seus seguidores, vendo aquele estado de Òrínsànlá. Ficaram assustados e perplexos diante de tais acontecimentos e transformações. Nunca viram aquilo antes e nada entendiam.

Então, temerosamente se aproximaram com muito cuidado do corpo do seu mestre estendido ao chão. E começaram a observá-lo por longos tempos, e viam que nada acontecia. Pois os Imolès não têm a necessidade do sono, nem um período de repouso para o corpo e a mente, como nós seres humanos. Sendo este estado experimentado pela primeira vez por Òrínsànlá.

Enquanto os seguidores de Òrínsànlá o observavam. Formou-se no meio deles um pequeno redemoinho de fumaça acinzentada, que evoluiu e logo se transformou em um corpo enegrecido, dando forma a Èsú’Yangí. Este rapidamente pegou o saco da existência, que continha o àpò-iwà, e da mesma forma que surgiu desapareceu.

Èsú’Yangí mais uma vez elevou sua voz ao mais Alto dos altos, atestando:

— Ó Grande e Poderoso Oló, aqui está o àpò-iwà, comprovando a falha do teu amado filho na missão que tu o deste.

E uma grande voz veio do mais Alto dos altos, dizendo:

— DEPOSITA O CONTEÚDO DO SACO EM UMA DE SUAS CABAÇAS QUE TRAZ NA CINTURA. SELA-O, E ENTREGUE A CABAÇA A QUEM PRIMEIRO TE PEDIR PERMISSÃO PARA ENTRAR.

E assim Èsú’Yangí o fez, se posicionando nos portões das fronteiras dos mundos.

Ainda na via Òna Òrun que dava acesso ao Òrun Àkàsò, Odùduwà e os outros Imolès Funfuns aguardavam um sinal do fracasso de Òrínsànlá em sua missão. Quando, de repente, eles avistaram ao longe um ser de aparência franzina e de pele enrugada, cabelos cinza e andar descompassado. Este ser de aparência estranha, estava caminhando como se viesse do Òrun Àkàsò. E, aproximando-se da comitiva dos Imolès Funfuns, este ser de aparência estranha os cumprimentou, e disse:

— Saudações, grandes Imolès, eu sou Olónan, o senhor dos caminhos. Não se assustem com a minha forma decadente. Venho aqui a mando de Olódùmarè, para lhes dizer que Òrínsànlá falhou em sua missão. Prossigam até o Òrun Àkàsò e levem os presentes ao porteiro, e sereis bem-sucedidos.

Falando isso, o velho prosseguiu caminhando e desapareceu. Entretanto, o que os Imolès Funfuns não sabiam é que aquele ser estranho era Èsú’Yangí empossado.

Chegando aos portões das fronteiras dos mundos, o Òrun Àkàsò, Odùduwà, que carregava o saco das oferendas, que contém um camaleão, cinco galinhas das que têm cinco dedos em cada pé, cinco pombas brancas e uma corrente de dois mil elos, apressou-se na frente dos outros Imolès Funfuns, e disse em alta voz:

— Porteiro! Peço permissão para passar. Eu e meus irmãos Funfuns.

— Ninguém pode entrar no meu reino sem primeiro me render oferendas. — Disse o Porteiro.

— Aqui estão as suas oferendas. — Falando isso, Odùduwà deixou o saco com as oferendas que Orunmilá lhe deu aos pés do portão, e se afastou.

O Porteiro se aproximou, pegou o saco com as oferendas e, abrindo-o, viu os presentes que lhe foram ofertados. E disse:

— Odùduwà, se aproxime. — Odùduwà foi até o Porteiro, e este lhe disse. — Dá-me o teu braço. — Odùduwà estendeu o seu braço e o Porteiro retirou do saco a corrente de dois mil elos. E, retirando um dos elos, colocou em seu pulso, e disse. — Faço isso como um sinal eterno, comprovando que você obteve a graça de realizar a Grande Obra. — Depois o Porteiro lhe deu o restante da corrente, e ainda uma galinha das que têm cinco dedos em cada pé, um pombo e o camaleão, e lhe disse:

— Tome isso, pois eu costumo agradar àqueles que me agradam e menosprezo aqueles que me menosprezam. Aqui, também, está a cabaça contendo o àpò-iwà. Todos esses utensílios que lhe dei serão importantes para a boa conclusão do seu trabalho. Entre e prossiga na sua jornada.

Os portões do Òrun Àkàsò se abriram, e Odùduwà, junto aos demais Imolès Funfuns, entraram e prosseguiram em direção ao grande pilar, que ficava nas bordas das fronteiras dos mundos, o Òpó-Òrun-oún-Àiyé.

Entretanto, como estava previsto pelo oráculo de Ifá, Èsú’Yangí não deixaria Odùduwà passar livremente pela sua morada sem lhe fazer passar por dificuldades e provações.

Quando a comitiva dos Imolès Funfuns prosseguia pelo grande caminho reto, este se bifurcou logo mais à frente. Sendo que um dos caminhos estava iluminado por uma cor vermelha, e o outro estava iluminado por uma cor azul. E na encruzilhada dos dois caminhos estava ali bem no meio um ser de forma feminina vestida com uma grande túnica púrpura de um vermelho escarlate. E, quando a comitiva dos Funfuns se aproximou, Odùduwà, então, disse:

— Quem é você?

— Não está me reconhecendo. Nos encontramos na via Òna Òrun. Sou eu, Olónan, o senhor dos caminhos quem vos fala.

— Mas você está diferente, como pode isso ser assim. — Disse Odùduwà.

— Posso ser o que quero, e ter a forma de qualquer coisa que penso ou desejo. — Disse Olónan.

— Você, que é o senhor dos caminhos, pode me ajudar a escolher o caminho certo para chegar no Òpó-Òrun-oún-Àiyé? — Falou Odùduwà.

— Um caminho é o caminho da verdade, e lá se encontra o Òpó-Òrun-oún-Àiyé, que pode ser o vermelho ou o azul. E o outro caminho é o caminho da mentira. E lá nada se encontra. E esse caminho também pode ser o azul ou o vermelho. Sendo que eu provim de um dos dois caminhos. O enigma é: se eu vim do caminho da verdade, eu te falarei apenas a verdade, e lhe direi qual o caminho certo a tomar. Mas, se eu vim do caminho da mentira, eu te falarei apenas a mentira, sendo que te conduzirei ao caminho errado, onde as trevas os aguardam. Você só pode me fazer apenas uma pergunta. Caso você acerte, saberá qual o caminho certo a tomar para chegar ao Òpó-Òrun-oún-Àiyé. Se errar, você e seus irmãos ficarão presos para sempre nas trevas, e atormentados pela escuridão. — Disse assim Olónan.

Diante daquele enigma, Odùduwà e os demais Imolès Funfuns sabiam que Olónan verdadeiramente era Èsú’Yangí disfarçado.

Então, eles se reuniram para debater o assunto, e logo chegaram a uma conclusão. Sendo que Oko, um dos Funfuns de grande sabedoria, que conhecia e manipulava bem as palavras e seus enigmas, disse aos demais:

— Irmãos, agora ouçam com atenção, a chave para essa questão é muito simples. A pergunta correta a se fazer é… (e cochichou bem baixinho para todos). Pois, se Olónan proveio do caminho da mentira, e este for mentiroso, e falar que o caminho é azul, então, saberemos que o caminho azul é o verdadeiro. Pois ele estará mentindo, porque ele veio do caminho vermelho. E se por acaso ele veio do caminho da verdade, e, deste modo, for verdadeiro, e nos falar que o caminho é azul, é este o caminho correto! Porque ele veio do caminho azul. E essa regra vale também se ele disser que o caminho é vermelho. Aí então, saberemos que o caminho azul é o falso caminho, e neste caso o caminho vermelho é o verdadeiro caminho. Portanto, amados irmãos, independentemente do que ele diga, sendo verdade ou mentira. A verdade sempre prevalecerá!

A maioria dos Imolès Funfuns estando de acordo, e outros ainda em dúvida, não entendendo a explicação de Oko, decidiram então fazer como ouviram, e Odùduwà adiantou-se, e disse a Olónan:

— Não adianta se esconder em disfarces, ó acusador e traidor dos nossos irmãos. Bem sei quem és, ó enganador.

Olónan, quando viu o seu disfarce cair, tomou a sua originária forma de Èsú’Yangí, e disse:

— Odùduwà, como eu te amava. Mas agora você e seus irmãos serão os meus prisioneiros para sempre. Pois quem é sábio o bastante para decifrar os meus enigmas? E, mesmo que consigas desvendá-lo, passarás aqui uma eternidade de ciclos, até a destruição total do Orún. — E, dando uma grande e sinistra gargalhada, calou-se.

— Acusador e traidor dos nossos irmãos, eis aqui a minha pergunta: qual a cor do caminho de onde você veio? — Disse Odùduwà, respondendo ao enigma.

Èsú’Yangí, vendo que Odùduwà perguntou sabiamente, sendo que a verdade prevaleceria não importando qual cor ele desse como resposta, e assim, tendo sido decifrado inteligentemente o seu enigma, viu-se encurralado na pergunta, e derrotado desapareceu como fumaça no ar.

Então, o caminho, que antes era bifurcado, converteu-se em uma reluzente estrada dourada, de brilho tão intenso, que, quando os Funfuns pisavam nela, seus pés desapareciam submersos em tamanha luminosidade.

A comitiva dos Imolès Funfuns, liderada por Odùduwà, avistou ao longe um monólito na figura de um obelisco, constituído de um pilar de pedra única em forma quadrangular alongada e sutil, que se afunila ligeiramente em direção a sua parte mais alta, formando uma pequena pirâmide em sua ponta.

Era o Òpó-Òrun-oún-Àiyé

Chegando no Òpó-Òrun-oún-Àiyé, Odùduwà falou aos seus irmãos Funfuns:

— Eis aqui o lugar exato onde iniciaremos o nosso grande trabalho de criar o novo reino.

Mas o que agora incomodava Odùduwà era o fato de não saber como fazer esse grande trabalho. Pois Odùduwà continha em suas mãos todos os elementos para a Grande Obra, mas faltava a explicação exata para realizá-la.

Então Odùduwà meditou e recordou-se das palavras de Orunmilá, o sacerdote de Ifá, que dizia: “Escute o seu coração e vai entender”.

Odùduwà fechando os seus olhos, centrou-se em si mesma, buscando o mais profundo do seu íntimo, até alcançar as vias que levam ao coração. E, ainda meditando, perguntou aos seus irmãos quais eram os elementos que continham o saco para a realização da Grande Obra. E os Funfuns responderam:

— Temos a corrente e ainda uma galinha, um pombo e o camaleão. E a cabaça contendo o elemento primordial, o àpò-iwà.

Odùduwà, vendo um dos elos da corrente preso em seu pulso, disse:

— Dá-me a corrente.

E, pegando-a, prendeu uma das pontas no elo do seu pulso. E a outra ponta prendeu no grande pilar, o Òpó-Òrun-oún-Àiyé.

Então, pegou o saco com o restante dos conteúdos e pulou para o caos. Ficando pendurada pela corrente, em meio ao nada, Odùduwà assim pensou: “Lançarei primeiro nesta vastidão o elemento primordial, que foi dado pelo mais Alto dos altos”.

Odùduwà retirou a cabaça que continha o àpò-iwà, que estava dentro do saco. E, quebrando-a com uma das mãos que se encontrava livre, fez com que o seu conteúdo caísse sobre o vazio do nada, que escorregava leve e lentamente pelos seus dedos.

Esse conteúdo, o àpò-iwà, é o que conhecemos hoje como as minúsculas pedras que formam os grãos de areia. O que chamamos de TERRA.

O àpò-iwà, ao cair, formou uma base flutuante sobre a vastidão do nada, e continuou se estendendo até formar uma grande montanha. Odùduwà, vendo aquela montanha, sentiu a necessidade de jogar a galinha.

E, lançando-a sobre a montanha recém-formada, a galinha de cinco dedos em cada pé começou a ciscar e espalhar a terra ao redor. Deixando somente uma grande elevação de terra no centro, formando uma grande montanha plana.

Odùduwà, vendo o que a galinha fizera à terra, sentiu a necessidade de descer. Mas, temendo que a terra não fosse firme, jogou sobre ela o cameleão.

O camaleão, ao cair sobre a terra, começou a andar lentamente e suas pisadas pilavam a terra fofa, as tornando mais condensadas e firmes. Sendo que em alguns lugares a terra descia extremamente, em quanto em outros lugares a terra se mantinha firme, formando grandes buracos e ecos na terra, junto a grandes platôs.

Vendo que a terra era realmente firme, Odùduwà largou-se da corrente e saltou caindo com um dos pés sobre a terra recém-criada. E assim Odùduwà pisou no novo reino, deixando sobre a terra a sua primeira pegada, que até hoje existe na nossa Terra-Mãe África. O nome dessa primeira pegada deste ser alado gigante é Esè-Ntaiyé-Odùduwà.

Quando os Imolès Funfuns viram Odùduwà caminhar sobre a terra, que era o segundo reino recém-criado, ficaram maravilhados. Então, choraram de grande emoção. E de lá de cima das bordas do Orún as suas lágrimas preencheram e nutriram toda a terra, dando origem às chuvas. E as águas ocuparam os grandes buracos formados pelas pegadas do camaleão, o que veio originar os grandes oceanos de hoje.

Odùduwà, então, retirou do saco das oferendas a pomba. E, como um sinal de agradecimento pela maravilha da criação, lançou-a no ar em reverência ao mais Alto dos altos. A pomba, ao voar batendo as suas asas, lançou sobre a terra o vento e espalhou as águas. E sobre a terra formaram-se as lagoas e os lagos. Dando origem aos berços dos vales com seus planaltos e planícies.

E por detrás do grande monte uma forte luz raiou, subindo lentamente, e clareando pela primeira vez o segundo reino. Era Olódùmarè em sua nave em forma de disco de fogo, e assim o mais Luminoso dos luminosos disse:

EU SOU!

E da terra começaram a brotar ervas diversificadas. E a vida se expandiu sobre a terra. E, assim como fizera no primeiro dia, todos os dias Olódùmarè visita a sua criação em seu disco de fogo, dando voltas em toda a Terra e depois partindo para sua morada, o Àwosùn Dàra.

E Odùduwà concluiu a Grande Obra e criou o novo reino.

Assim, pelo sucesso do seu trabalho, Olódùmarè deu a Odùduwà o título de Olófin. Que significa “O Senhor do Palácio”, por assim criar o novo mundo. Assim Olófin Odùduwà criou o novo reino em lugar de Obàtálá…

Nesse ínterim, enquanto Olófin Odùduwà e os outros Funfuns contemplavam a criação do novo reino. Obàtálá, que por amor a si próprio se fez Òrínsànlá, despertou do seu sono profundo.

Quando retornou a si, atordoado e ainda muito confuso, rapidamente levantou-se, vendo os seus seguidores o cercando. E, não se lembrando de muita coisa, perguntou a eles o que lhe se sucedeu. Então, os seus seguidores começaram a lhe relatar todo o acontecido depois que ele bebeu o néctar da palmeira.

Nisso, enquanto os seus seguidores ainda falavam. Òrínsànlá foi com a mão em sua cintura para pegar o àpò-iwà, e logo percebeu que o saco não se encontrava mais ali. E de súbito perguntou aos seus seguidores:

— Cadê o saco com o elemento da criação que o mais Alto dos altos me deu?

Os seus seguidores, então, contaram tudo o que lhe sucedera depois do sono.

Rapidamente, Òrínsànlá, junto aos seus seguidores, foi ao local indicado por Orunmilá, onde se deveria criar o novo reino, o Òpó-Òrun-oún-Àiyé.

Chegando lá, e para sua maior dor, Òrínsànlá teve uma visão surpreendente do novo reino criado. E ali mesmo, segurando a grande pilastra, Òrínsànlá sentiu pela primeira vez um complexo de sentimentos que ainda nunca foram sentidos na criação.

Uma dor profunda do âmago do seu íntimo o dominou, sentiu-se tão fraco que não mais conseguia erguer-se em seus pés, senão ficar de joelhos. Seus olhos se fecharam por não poder olhar mais os seus seguidores, pois diante deles se sentia fracassado. Lembrara-se de todas as coisas que fizera de errado, principalmente por não ouvir os conselhos do oráculo. E as recordações das palavras de Orunmilá e Odùduwà eram-lhe como estacas cravadas em seu coração.

Essa dor era tão forte, que o sufocava gravemente.

Òrínsànlá, que antes se sentira o maior entre todos os seres criados, agora se sentiu o pior entre todos os seres da criação.

A maior das dores ainda estava por vir, era a de encarar Olódùmarè. Pois fracassara na missão que o mais Alto dos altos lhe confiou, e pela qual tanto se orgulhava.

Ali mesmo, aos pés do Òpó-Òrun-oún-Àiyé, Òrínsànlá sentiu a vontade de querer desaparecer. Depois que experimentara o sono desejou nunca acordar, quem dera antes tivera dormido para sempre, e de ir embora, e nunca mais voltar.

Um vazio imenso o dominara. Um desespero o cobrira. Uma impotência. Uma inutilidade de si mesmo o despira. Sentiu-se pela primeira vez numa dor interna tão forte e agonizante. E, em todos esses complexos sentimentos que deram origem ao que hoje conhecemos como a CULPA, a VERGONHA, a TRISTEZA, a MELANCOLIA, o ARREPENDIMENTO, o FRACASSO e todos esses demais sentimentos derivados da DERROTA, que afligem a alma dos seres pensantes e dominantes sobre esta terra.

Rasgando suas vestimentas e depois caído ao solo, Òrínsànlá, sussurrando dolorosamente, disse aos seus seguidores:

— Por favor, eu já não tenho mais forças para caminhar, me levem ao centro do Orún. Depois me deixem lá e vão procurar outro mestre, pois eu já não sou mais digno desse título.

Seus seguidores, vendo o estado do seu senhor, entristeceram-se e fizeram tudo quanto este o pediu. Carregaram-no e caminharam em direção aos portões que davam acesso ao Orún.

Ao se aproximarem dos portões, o Porteiro lá estava, e este começou a caçoar de Òrínsànlá, dizendo:

— Ora, ora! Eis aí o mais poderoso entre todos os Imolès da criação. Pelo que vejo, já não tem mais esse poder todo que dizia. Diante dos meus olhos aí está um fracassado… Hahahahaha… Também tu serás banido, seu derrotado, assim como eu por sua causa, também fui.

Òrínsànlá, diante das palavras de Èsú’Yangí, nem se abalou, pois tudo já perdera sentido diante dos seus olhos. Então, atravessaram os portões e foram até o centro do Orún, e os seus seguidores o deixaram ali como ele mesmo pedira.

Quando Òrínsànlá viu que se encontrava só no centro do Orún, ajoelhou-se e olhando para o alto rogou:

— Grande Oló, o mais Alto dos altos, o mais Belo entre os belos em que toda beleza se faz. Os mistérios e os segredos que a tudo embeleza se fazem em tua manifestação. Força dos fortes. Poderoso és Tu. Grande Presença que a tudo preenche e que movimenta, dançando em todas as coisas. Matriz de todos os sentidos e de todas as cores. Fonte luminosa que a tudo incendeia, encandeia e floresce. Grande e Magnífico Espírito de Santidade Infinita! Ouve os meus gemidos de dor e de angústia. Não te escondas de mim, porque estou aflito. Venha a mim, e que eu possa ascender a sua morada. Tive raiva daqueles que me aconselharam. Não ouvindo os que tinham sabedoria a me acrescentar, e eis-me aqui, fracassado e caído em desgraças. Sinto uma dor tão profunda, como se estivesse queimando em chamas por dentro. Já não sou mais digno, Ó Grande Oló, do sopro de vida que me deste. Leve esta vida de mim, e apaga essa chama que alumia, pois, o peso que carrego me enfraqueceu, e não tenho mais olhos para olhar mais nada e nem ninguém.

Sem que Òrínsànlá percebesse, enquanto ainda suplicava, Olódùmarè o levou ao Àwosùn Dàra, a Morada dos Justos. Òrínsànlá ainda se encontrava de joelhos com o rosto prostrado ao solo, quando o mais Alto dos altos falou:

— OBÀTÁLÁ, MEU FILHO, ERGA-SE E LEVANTE!

Òrínsànlá, ouvindo a voz do mais Alto dos altos, e percebendo que se encontrava no Àwosùn Dàra, continuou de joelhos, e disse:

— Grande Oló e meu Pai-Mãe Amado, não sou mais digno de tua Grande Presença, pois falhei na missão que me deste. Devo também ser banido como meu irmão Èsú’Yangí.

— MEU FILHO, VOCÊ SABE QUE TE AMO, E VEJO QUE VOCÊ ESTÁ ARREPENDIDO. VOCÊ NADA TEM A VER COM SEU IRMÃO. LEVANTA-TE DEPRESSA, POIS TENHO OUTRA MISSÃO MUITO MAIS IMPORTANTE PARA TI. VOCÊ TEM AGORA O MEU PERDÃO.

De repente, o ânimo de Òrínsànlá se restabeleceu. Então, ele se levantou e Olódùmarè continuou a lhe falar:

— EIS QUE O NOVO REINO ESTÁ FORMADO, E AGORA EU SOU O SENHOR DO ÒRUN E DO ÀIYÉ. O QUE ERA PARA SER UM SÓ REINO AGORA É DOIS. E EIS O QUE ERA PARA SER UM SÓ SER, AGORA SERÃO DOIS. DOIS PRINCÍPIOS, DUAS SUBSTÂNCIAS E DUAS REALIDADES. EIS AGORA O CONHECIMENTO DO OPOSTO, DO DIFERENTE E DA DISCRIMINAÇÃO, E DO QUE SE FAZ REALIDADE, E DO QUE SE FAZ ILUSÃO. CONFUSÃO, E DETURPAÇÃO, E SUBORDINAÇÃO. SEPARAÇÃO E UNIÃO. VIDA E MORTE. NÃO E SIM. MACHO E FÊMEA. O ABSOLUTO E O VAZIO. AS TREVAS E A LUZ, E A LUZ E AS TREVAS. O CAIR E O LEVANTAR. EIS QUE AGORA O UNO SE FARÁ DUAL E NÃO MAIS ME VERÃO, QUANDO O DUAL SE FIZER UNO, EU ENTÃO RETORNAREI AO QUE VERDADEIRAMENTE EU SOU. E ME REVALAREI.

— Das coisas que falou, Ó Grande Oló, eu nada entendi. — Disse Òrínsànlá…

— AGORA, MEU FILHO, NADA ENTENDE. MAS LOGO ENTENDERÁ. AFINAL, VOCÊ TAMBÉM MUDOU. OU SERÁ QUE AINDA NÃO PERCEBEU?!

Quando Òrínsànlá se olhou nos reflexos do palácio de cristais luminosos do Àwosùn Dàra, para seu espanto, viu que agora tinha duas cores. De um lado ele era branco, e de outro lado ele era negro, e disse:

— Grande Oló, o que vem a ser isso?

— UMA NOVA RAÇA BROTARÁ DE TI, E DENTRE ELA OUTRA RAÇA, E RAÇAS INTERMEDIÁRIAS TAMBÉM. PORQUE EU SOU O UM, E TAMBÉM O DOIS, E NISSO ME FAÇO TRÊS. POIS ENTRE UM E OUTRO, EU SOU A EXCEÇÃO. ESCUTE! AGORA TE DAREI UMA NOVA MISSÃO. OLÓFIN ODÙDUWÀ CRIOU O ÀIYÉ. E DOS TRÊS ANIMAIS ELEMENTARES, A SABER: A POMBA, A GALINHA DE CINCO DEDOS EM CADA PÉ E O CAMALEÃO, A VIDA ANIMAL SE DESENVOLVEU POR ADAPTAÇÃO. QUERO QUE VOCÊ CRIE OS SERES QUE HABITARÃO ESSE NOVO REINO, PARA DO ÀIYÉ SEREM SENHORES, REIS E DEUSES. ESSES SERES SE CHAMARÃO IGBÁ IMOLÈS. DESSA FORMA, MEUS PRIMEIROS SERES SÃO OS IMOLÈS FUNFUNS, DOS QUAIS VOCÊ FOI O PRIMEIRO, SENDO AQUELES DE COR E LUMINOSIDADE BRANCA. DEPOIS ACENDI MINHA LUZ ATRAVÉS DE SEUS CORPOS TRANSPARENTES, E FORMEI DE VOCÊS OS IRUN IMOLÈS, PARA LHES SERVIREM E LHES ALEGRAREM, QUE SÃO AQUELES DE CORES E LUMINOSIDADES MÚLTIPLAS E VARIADAS, E QUE DIVIDEM O ORÚN COM VOCÊS. AGORA QUERO QUE VOCÊ VÁ E CRIE OS IGBÁ IMOLÈS.

— Grande Oló, como eu criarei esses seres, e qual elemento tu me darás para formá-los? — Perguntou Òrínsànlá.

— DESTA VEZ NÃO TE DAREI MAIS ELEMENTOS. POIS VOCÊ PERDEU O ELEMENTO QUE TE DEI PARA A REALIZAÇÃO DA SUA PRIMEIRA MISSÃO, EM QUE VOCÊ FRACASSOU. E TAMBÉM, VOCÊ NÃO TERÁ MAIS CONSELHOS DOS SÁBIOS E DO ORÁCULO. POIS NEGLIGENCIOU AQUELES QUE TINHAM ALGO A LHE ACRESCENTAR. AGORA TODA AÇÃO TERÁ UMA REAÇÃO, E TODA CAUSA TERÁ UM EFEITO. VOCÊ COMERÁ AQUILO QUE COZINHOU, E COLHERÁ AQUILO QUE PLANTAR. VÊ, OBÀTÁLÁ, QUE TODAS AS COISAS COMEÇAM E TERMINAM EM VOCÊ. E TUDO QUE TE OCORREU OCORRERÁ NAQUELES QUE PROVÊM DE TI. VOCÊ SERÁ O ARQUÉTIPO DOS NOVOS SERES. E EM VOCÊ ELES ESPERARÃO E SE ESPELHARÃO. SAIBA TAMBÉM QUE O SEU OPOSTO, SERÁ TAMBÉM O OPOSITOR DELES. A ELES ENGANARÃO, SENDO QUE FARÁ DE TUDO PARA COLOCÁ-LOS CONTRA VOCÊ. ENTÃO, VOCÊ TERÁ QUE FAZER UMA ESCOLHA E DESCERÁ NO MEIO DELES, SE TORNANDO FRÁGIL E MORTAL COMO ELES, E SE SACRIFICARÁ PARA SALVÁ-LOS. E, MESMO ASSIM, MUITOS DELES TE REJEITARÃO, E NÃO MAIS TE RECONHECERÃO COMO O SEU CRIADOR E SALVADOR. VOCÊ SE LEVANTARÁ E ASCENDERÁ NOVAMENTE AO MAIS ALTO DOS ALTOS, E SE ASSENTARÁ COMIGO NO MEU TRONO, À MINHA DESTRA. E EXPULSARÁ O OPOSITOR DA EXTREMIDADE DO PRIMEIRO REINO, PRECIPITANDO-O NO ÀIYÉ. E QUANDO VOCÊ ESTIVER COMIGO, NÃO EXISTIRÁ MAIS NEM EU E NEM TU, POIS SEREMOS UM, SENDO QUE TUDO QUE É MEU SERÁ SEU. E JUNTOS PROCURAREMOS UM OUTRO, QUE NASCERÁ NO ÀIYÉ, O ÚLTIMO DA TRINDADE, E NELE FAREMOS MORADA PARA TODO O SEMPRE, E QUANDO ESTE VENCER, EU, TU E ELE SENTAREMOS NUM SÓ TRONO. E O ORÚN DESCERÁ AO ÀIYÉ E O ÀIYÉ SUBIRÁ AO ORÚN. E O UM QUE SE TORNOU VÁRIOS TORNARÁ A SER UM NOVAMENTE. MAS, POR AGORA MEU FILHO AMADO, REALIZA A TUA MISSÃO, E RESOLVE AS TUAS PENDÊNCIAS COM OS TEUS IRMÃOS, PARA QUE TUA OBRA SEJA PERFEITA, PELA OBSERVÂNCIA DA HARMONIA.

Ao descer do Àwosùn Dàra, a Morada dos Justos, Obàtálá, que por amor a si próprio se fez Òrínsànlá, deu uma volta ao redor de si mesmo, olhando toda a circunferência do Orún.

E um profundo sentimento de desconforto tomou conta de si. De repente, se viu desolado e imbuído em muitas dúvidas. Por um lado, obteve o perdão de Olódùmarè, e por outro tinha que enfrentar as consequências dos seus atos passados, para realizar um trabalho sem informações de como fazê-lo, e elementos para criá-lo. Também desta vez não podia nem pensar em fracassar na sua nova missão.

Diante de todas essas coisas, que rodopiavam em seu íntimo, Òrínsànlá sentou-se, e pôs-se a meditar em todas as coisas que o fizeram falhar em sua primeira missão.

Percebeu que o seu orgulho o autodestruíra, e desta vez queria reparar todos os erros passados, para que sua nova missão seja bem-sucedida e perfeita. E, pesando seus pensamentos consigo mesmo, disse:

— A partir de agora em diante, não mais me autoproclamarei Òrínsànlá. De agora em diante todos me chamarão Òòsàálà. — Que significa “Aquele humilde de luz branca que a todos iluminará”.

Òòsàálà iniciou sua jornada convocando todos os Irun Imolès que se encontravam no Orún. Pois os Imolès Funfuns se encontravam no Àiyé. Onde, a mando de Olófin Odùduwà, fundaram uma casa-cidade que chamaram de Ilé, que significa “casa, morada ou comunidade”.

Òòsàálà convenceu os Irun Imolès a deixarem de lado todas as suas divergências e se unirem a ele, para fazerem parte de sua nova missão. E eles se despiram dos seus mantos brancos e pretos, unindo-se ao Grande Imolè Funfun.

Reunindo todos os Imolès, Òòsàálà partiu em direção ao Òrun Àkàsò. Para de lá ir ao Òpó-Òrun-oún-Àiyé, e descer pela corrente até chegar ao Àiyé, e ir reunir-se aos demais Funfuns no Ilé.

Os Irun Imolès, ao comando de Òòsàálà, chegaram nos portões das fronteiras dos mundos, o Òrun Àkàsò. Òòsàálà adiantou-se, e disse:

— Porteiro, abra os portões para a corte dos Imolès passar.

O Porteiro, vendo toda aquela multidão de Imolès juntos e unidos a Òòsàálà, ficou perplexo e indignado. Pois acreditava ele que o seu opositor Obàtálá se encontrava derrotado, e que os Irun Imolès estavam divididos em divergências entre eles por causa do engano.

Mas agora Òòsàálà se apresentava diante dos seus olhos mais pleno de poder e com uma luminosidade muito clara, como se fosse o próprio Olódùmarè estando ali presente. Temeroso de receber alguma represália da parte de Òòsàálà, este nada questionou. Apenas abriu os portões e desapareceu diante da vista de todos.

Chegando ao Òpó-Òrun-oún-Àiyé, a corte dos Irun Imolès, liderada por Òòsàálà, avistou ao longe e abaixo o novo reino. E como era belo, parecia um grande globo ocular azul com uma pupila amarronzada ao meio! Um montante de terra arrodeada por águas, contida num recipiente de gelo. Pois naqueles primeiros dias da criação a terra era unificada num só continente, que mais parecia uma grande montanha plana.

Enquanto isso, no Àiyé, Èsú’Yangí fora rapidamente encontrar os Imolès Funfuns no Ilé. Chegando lá, ele se disfarçou e se apresentou aos Funfuns como Òjísé, o mensageiro. E disse-lhes:

— Trago-lhes uma mensagem do Grande Oló. Obàtálá, que se fez Òrínsànlá, depois de ter fracassado na missão de criar o novo reino, ficou furioso e, assim, reuniu todos os Irun Imolès e agora planeja uma revanche por vocês terem furtado o saco com o elemento da criação, o àpò-iwà, e realizado a Grande Obra. Neste exato momento, eles já se encontram no Òpó-Òrun-oún-Àiyé.

Quando Olófin Odùduwà e os demais Imolès Funfuns ouviram isso, ficaram tão apavorados que nem questionaram a notícia e nem o mensageiro delas, que por alguma razão, pela arrogância que eles já presenciaram da parte de Òrínsànlá, essa informação lhes parecia óbvia.

Nesse ínterim, enquanto os Imolès Funfuns discutiam entre eles o assunto, Èsú’Yangí, disfarçado como Òjísé, desapareceu rindo ironicamente sem que eles o percebessem.

Então, diante desse fato apresentado a eles por Òjísé, os Imolès Funfuns decidiram fortificar a cidade de Ilé, com uma grande muralha feita de grandes tijolos de pedra.

Enquanto isso, Òòsàálà e os Irun Imolès desciam em fila pela corrente que unia o Orún ao Àiyé. E, pisando no Àiyé, Òòsàálà sentiu uma forte dor nos seus pés, que a cada passo ia se dissolvendo até parar.

Então, eles caminharam em direção ao Ilé e encontraram uma grande cidade fortificada por muralhas de pedra. Ao chegar aos portões da cidade de Ilé, Òòsàálà disse em alta voz:

— Irmãos Funfuns, abram os portões! Pois eu e a corte dos Irun Imolès queremos entrar e falar-lhes sobre uma nova missão que o mais Alto dos altos nos deu.

Então, os Imolès Funfuns subiram nos muros da cidade, e Olófin Odùduwà adiantou-se, e disse:

— Obàtálá, que por amor a si próprio se fez Òrínsànlá, o que temos nós contigo? Sei que você veio nos destruir, porque pelo seu fracasso realizamos a Grande Obra.

— Não, meus irmãos, eu jamais faria isso. Pelo contrário, aqui estou arrependido diante de vocês, e venho lhes pedir perdão. E já não sou mais Òrínsànlá, o orgulhoso, e sim Òòsàálà, o humilde. E eis que agora me faço o menor dos menores entre vocês.

— Vemos que você se tornou mentiroso como o traidor dos nossos irmãos. Pois, através de um mensageiro vindo do mais Alto dos altos, sabemos que você veio nos destruir, e por isso reuniu todos os Irun Imolès. — Disse assim Olófin Odùduwà.

— Que mensageiro é este, que veio vos falar? Não vim destruir vocês, e sim lhes pedir ajuda. Pois o mais Alto dos altos me deu uma nova missão, que é a de criar os novos seres que habitarão este mundo. E, como eu falhei na minha primeira missão, por causa do meu orgulho, agora eu reuni todos os Imolès, do mais alto ao mais baixo entre eles, para que juntos viéssemos aqui encontrar-vos, e assim realizarmos juntos esse grande trabalho. Porque essa é a maneira que encontrei de me redimir, e de pedir perdão a todos pela minha primeira falha.

Ouvindo isso, os Imolès Funfuns ficaram confusos e procuraram pelo mensageiro para pô-lo à prova diante de Òòsàálà, e não o encontraram. Então, eles rogaram ao mais Alto dos altos para que lhes esclarecessem aquela dúvida. E, uma voz potente como a de um trovão vinda do mais Alto dos altos, falou:

— IMOLÈS! POR QUE DISCUTEM ENTRE SI OS MEUS MANDAMENTOS E AS MINHAS DETERMINAÇÕES? NÃO DEEM OUVIDOS A CONVERSAS E DIVERGÊNCIAS ENTRE VÓS. ÈSÚ’YANGÍ, AQUELA ESFERA PEDRA POROSA E FRÁGIL, QUE HABITA ENTRE VOCÊS, OS DIVERGIU, E AINDA CONTINUA DIVERGINDO. NÃO TROPECEM MAIS DE UMA VEZ NESSA CANA QUEBRADA, APRENDAM COM OS SEUS PRÓPRIOS ERROS.

Ao ouvirem essa voz, eles compreenderam que aquele mensageiro de nome Òjísé, era de fato Èsú’Yangí disfarçado.

De repente, as muralhas de pedra que separavam os Imolès se dissolveram na vista de todos. E Òòsàálà, junto aos Irun Imolès, entrou na cidade de Ilé e se uniu a Olófin Odùduwà e os demais Imolès Funfuns.

Quando todos os Imolès estavam reunidos no Ilé. Surgiu de repente no meio deles o grande sacerdote do oráculo de Ifá, Orunmilá.

Orunmilá chamou todos os Imolès, e falou para que eles ficassem em círculo com as mãos dadas. Sendo que fizeram dois círculos, um dentro do outro. Havia um círculo maior composto pelos Irun Imolès, que eram a maioria, e dentro dele um círculo menor, formado pelos Imolès Funfuns.

Esses círculos eram tão perfeitos de tal forma, que todos observavam o grande sacerdote de Ifá que estava no centro dele. Pois cada Irun Imolè se posicionava entre os espaços das mãos dadas dos Imolès Funfuns.

Ali, diante de todos Imolès, o grande sacerdote de Ifá, Orunmilá, convocou ao centro Òòsàálà e Olófin Odùduwà, e disse:

— Imolès, seres do Orún, que é o primeiro reino da criação. Aqui estamos todos reunidos no novo reino, o Àiyé. Agora todos juntos celebraremos a união que se deu com o fim das divergências entre vós.

Orunmilá, com sua mão esquerda, pegou a mão direita de Òòsàálà. E com sua mão direita pegou a mão esquerda de Olófin Odùduwà. E, ali no centro, uniu as mãos dos dois Funfuns, e disse:

— Faço isso em representação da união de todos os seres criados. Esse dia será sempre um dia de comemoração entre vocês, e também entre aqueles que virão de vocês. Os novos seres que habitarão este novo mundo. Esses seres que serão um, virão como dois. Macho e fêmea. Os machos serão da descendência de Òòsàálà, o universo. E as fêmeas serão da descendência de Olófin Odùduwà, a natureza. Um representará o acima e o outro o abaixo. Um será forte e ardente como o dia, sendo este o sol. Outro será calmo e leve como a noite, sendo este a lua. Um agitará e o outro acalmará. Um completará o outro, e juntos movimentarão. Nascerão separados, mas viverão unidos. E pela união dos seus corpos a vida se multiplicará. Assim como agora eu faço com Òòsàálà e Olófin Odùduwà, eles também farão da mesma maneira diante de um sacerdote, para juntarem-se e se multiplicarem. Este dia será conhecido como Odù Ifá Ìwòrì-Òbèrè. O dia em que celebrarão o casamento, o acordo e o pacto de união.

Falando isso, o sacerdote de Ifá pegou uma cabaça e pintou-a de branco. Depois cortou essa cabaça horizontalmente ao meio, separando-a em duas partes. Então, fez com que Òòsàálà ficasse ao lado de Olófin Odùduwà. Fazendo com que eles se abraçassem de lado com um dos braços. Sendo que Òòsàálà ficou ao lado esquerdo de Olófin Odùduwà, abraçando-a pelas costas com seu braço direito. E Olófin Odùduwà ficou ao lado direito de Òòsàálà, abraçando-o também pelas costas com o seu braço esquerdo.

O grande sacerdote pegou uma das metades da cabaça, que era a parte de cima, e colocou na mão esquerda de Òòsàálà. Depois pegou a outra metade, a parte de baixo e colocou na mão direta de Olófin Odùduwà. Fazendo isso ordenou com que Olófin Odùduwà e Òòsàálà levassem ambas as metades da cabaça ao centro dos seus corpos. Sendo que Olófin Odùduwà segurava a sua metade abaixo, e Òòsàálà segurava a sua metade acima…

Então, o grande sacerdote pegou do solo um pouco do àpò-iwà, colocando dentro da metade da cabaça que servia como base, que estava na mão de Olófin Odùduwà, para representar o elemento primordial da criação do novo reino.

Também, colocou outros elementos primordiais da criação. Como carvão para representar o sangue da terra. O efun, que é o sangue branco, onde toda vida orgânica germina. E o osún, que é o sangue vermelho, onde a vida no novo reino habitará.

Depois ordenou que Òòsàálà descesse com sua metade da cabaça sobre a metade que se encontrava na mão de Olófin Odùduwà, selando-a. E disse:

— Eis aqui o igbá-odù. A representação do útero de toda a vida no novo reino. Separar as duas partes do igbá-odù, significará a própria destruição deste mundo.

Falando isso, Orunmilá se retirou ascendendo ao Orún, levando consigo o igbá-odù.

Então, Òòsàálà e Olófin Odùduwà se abraçaram e se beijaram. E, quando estavam se beijando, acendeu neles um glorioso sentimento que nunca fora antes sentido dessa forma em toda a criação.

Sentiram o que depois viemos a conhecer como a atração que um homem sente por uma mulher, e que a mulher sente por um homem em seu primeiro contato. Esta sensação que une o macho e a fêmea. Sentiram e presenciaram uma nova e real forma de experimentar o AMOR.

Depois daquele primeiro beijo, em que o inexplicável brotou, eles já não eram mais os mesmos, pois experimentaram o que ninguém jamais provou. O amor dos amantes. E a partir daí a cidade de Ilé se tornou Ilé-Ifè, a “Morada do Amor”.

Òòsàálà, movido por uma grande compaixão, compartilhou sua missão com todos os Imolès ali presentes. Mas nem Òòsàálà e nenhum dos outros Imolès sabiam como poderiam criar os novos seres. Pois não havia elementos dados da parte de Olódùmarè, e nem instruções a serem dadas pelo sacerdote do oráculo de Ifá, Orunmilá.

Òòsàálà, meditando nessa questão, obteve uma iluminação. Ele sabia que muitos dos Irun Imolès trazia consigo um segredo palpável. Sendo na verdade esse segredo um elemento que o representava.

Então, ele teve a ideia de ir a cada Irun Imolè e lhe pedir o seu elemento, para ver se serviria para criar os novos seres, os Igbá Imolès.

Òòsàálà foi pessoalmente a cada um dos Irun Imolès, do mais alto ao mais baixo em luz e sabedoria. Procurando um único elemento específico, para ver se era possível, a partir dali, moldar os corpos dos novos seres.

Òòsàálà foi até Aganjú e lhe pediu o seu segredo. E Aganjú lhe revelou o enxofre. Òòsàálà tentou moldar os novos seres com esse elemento, mas não deu certo. Pois o enxofre era mole, frágil e leve, e se quebrava com facilidade. E Òòsàálà jogou esse elemento na terra, e a terra o absorveu.

Òòsàálà foi até Egbé e lhe pediu o seu segredo. E Egbé nada tinha para lhe oferecer. Pois, naqueles dias antes da criação dos Igbá Imolès, havia alguns dos Irun Imolès que não conheciam os seus segredos. Só sendo revelados a eles depois da criação dos Igbá Imolès, quando esses elementos ainda desconhecidos, se tornassem futuramente úteis para os novos seres.

Òòsàálà foi até Elegbàrà e lhe pediu o seu segredo. E Elegbàrà, também, nada tinha para lhe oferecer.

Òòsàálà foi até Erinlè e lhe pediu o seu segredo. E Erinlè, também, nada tinha para lhe oferecer.

Òòsàálà foi até Ìdejì e lhe pediu o seu segredo. E, também, Ìdejì nada tinha para lhe oferecer.

Òòsàálà foi até Ògún e lhe pediu o seu segredo. E Ògún lhe revelou o ferro. Òòsàálà tentou moldar os novos seres com esse elemento, mas também não deu certo. Pois o ferro era rígido, muito duro e pesado, e não havia possibilidades de moldá-lo. E Òòsàálà jogou esse elemento na terra, e a terra o absorveu.

Òòsàálà foi até Òsùn e lhe pediu o seu segredo. E Òsùn lhe revelou o ouro. Òòsàálà tentou moldar os novos seres com esse elemento, mas, também não deu certo. Porquanto, o ouro era um pouco rígido, um pouco duro e pesado, e também, não tinha como moldá-lo. E Òòsàálà jogou esse elemento na terra, e a terra o absorveu.

Òòsàálà foi até Obà e lhe pediu o seu segredo. E Obà lhe revelou o minério. Òòsàálà tentou moldar os novos seres com esse elemento, porém, também não deu certo. Pois o minério às vezes era rígido, duro e pesado, e às vezes era mole, frágil e leve. Não tendo assim, como moldá-los. E Òòsàálà jogou esse elemento na terra, e a terra o absorveu.

Òòsàálà foi até Sànpànná e lhe pediu o seu segredo. E Sànpànná nada tinha para lhe oferecer, além de palhas e cipós. Òòsàálà viu que com as palhas e cipós ele nada poderia formar que se assemelhasse a um novo ser. E Òòsàálà jogou esse elemento na terra, e a terra o absorveu.

Òòsàálà foi até Òrànmíyàn e lhe pediu o seu segredo. E Òrànmíyàn, também, nada tinha para lhe oferecer. Pois, ainda não conhecia o seu segredo.

Òòsàálà foi até Òsànyìn e lhe pediu o seu segredo. E Òsànyìn, também, nada tinha para lhe oferecer. Pois, também, ainda, não lhe foi revelado o seu mistério…

Òòsàálà foi até Òsóòsì e lhe pediu o seu segredo. E Òsóòsì, também, nada tinha para lhe oferecer. Pois, naqueles dias, ainda, não lhe foi revelada a sua bravura.

Òòsàálà foi até Òsùmàrè e lhe pediu o seu segredo. E Òsùmàrè, também, nada tinha para lhe oferecer. Pois, ainda não lhe foi revelado o seu dote.

Òòsàálà foi até Oya e lhe pediu o seu segredo. E Oya lhe revelou o fogo. Porém, o fogo não era maleável e a tudo consumia. Então, Òòsàálà foi até Sàngó e lhe pediu o seu segredo. E Sàngó lhe revelou os gases. Òòsàálà tentou pelo menos conter os gases em sua mão, algo que lhe parecia impossível, e não deu certo. Não podendo nem ao menos conter os gases e nem o fogo, Òòsàálà jogou esses elementos na terra, e a terra os absorveu…

Òòsàálà foi até Yemoja e lhe pediu o seu segredo. E Yemoja lhe revelou a prata. Òòsàálà tentou moldar os novos seres com esse elemento, mas, também, não deu certo. Pois, a prata era um pouco rígida, um pouco dura e pesada, e, não tinha como moldá-la. E Òòsàálà jogou esse elemento na terra, e a terra o absorveu.

Òòsàálà foi até Yewa e lhe pediu o seu segredo. E Yewa lhe revelou o cobre. Òòsàálà tentou moldar os novos seres com esse elemento, mas também não deu certo. Pois também o cobre era rígido, duro e pesado e não tinha como moldá-lo. E Òòsàálà jogou esse elemento na terra, e a terra o absorveu.

Òòsàálà prosseguiu indo a cada Irun Imolè, e de um a um pedia o seu elemento. Uns tinham algo a lhe oferecer e outros não tinham. Mas, nenhum dos elementos apresentados pelos Irun Imolès lhe serviu para criação dos novos seres.

Depois de falar com todos e provar todos os elementos, Òòsàálà entristeceu-se. Porque desta vez não poderia fracassar em sua missão. E, se afastando de todos, Òòsàálà subiu numa grande montanha para ali meditar. E de joelhos e cabeça baixa ao solo, em cima da grande montanha, Òòsàálà chorou de tristeza.

Òòsàálà chorou tanto, que suas lágrimas escorreram pelo pico da grande montanha. E as lágrimas tristes de Òòsàálà formavam pequeninos flocos cristalizados, embranquecendo toda região acima.

As lágrimas de neve de Òòsàálà foram se derretendo da metade da montanha para baixo, formando nascentes de águas doce. Essas nascentes formaram grandes extensões de águas flutuantes, que deram origens aos primeiros rios.

Porém, havia um dos Irun Imolès com quem Òòsàálà não se encontrou, porque se encontrava na beira do mar.

Esse Irun Imolè estava encantado com as águas do novo reino. E, desde que pisou no Àiyé, brincava na beira do mar, entre as águas e a areia. O nome deste Irun Imolè é Nàná Bùùkúù.

Nesse ínterim, enquanto Nàná Bùùkúù brincava à beira-mar, ela avistou os fluentes de águas provocados pelas lágrimas de Òòsàálà indo ao seu encontro. E, chegando velozmente, precipitaram-na ao mar. As águas arrastaram Nàná Bùùkúù até as profundezas do oceano.

Ciclos eternos se passaram, e Nàná Bùùkúù, depois de dar um grande giro nas profundezas marítimas, regressou ao lugar onde se encontrava antes. Porém, viu que o lugar mudara. E, onde antes havia grãos de areia, surgiram grandes piscinas de águas acinzentadas pela lama, que resultaram do encontro do rio com o mar.

Maravilhada, Nàná Bùùkúù começou a brincar com toda aquela lama, e dela formou muitas pequeninas criaturas, modelando-as com esse material. Essas são as muitas criaturas do mangue. Os variados tipos de crustáceos, conchas e moluscos. E, desde aquele momento, a lama se tornou o elemento de Nàná Bùùkúù.

Descendo montanha abaixo pela neve branca, Òòsàálà já não tinha mais esperança de realizar sua grande missão que o redimiria. E, chegando à cidade de Ilé-Ifè, Òòsàálà estava prestes a contar a todos o seu fracasso, quando Olófin Odùduwà lhe contou que havia mais um dos Irun Imolès que ele não entrevistara.

Òòsàálà recebendo essa boa notícia, restabeleceu o seu ânimo rapidamente, pois algo lhe dizia que sua missão não estava perdida. E sem demora foi ao encontro desse Irun Imolè.

Os outros Irun Imolès lhe contaram que Nàná Bùùkúù se encontrava brincando na beira do mar. Então, Òòsàálà reuniu todos os Imolès, e juntos foram ao encontro de Nàná Bùùkúù.

Chegando lá, Òòsàálà a cumprimentou e viu-a modelando as pequeninas criaturas no novo habitat que se formou pelo encontro do rio com o mar. Então, Òòsàálà foi até Nàná Bùùkúù e lhe pediu o seu segredo. E Nàná Bùùkúù lhe deu a lama negra acinzentada do manguezal.

Òòsàálà pegou esse elemento, e moldou o primeiro Igbá Imolè à imagem e semelhança dele mesmo.

Vendo que esse era o elemento certo para formar os novos seres, Òòsàálà encheu-se de alegria. Então, ele foi a Olófin Odùduwà e pediu que fizesse o mesmo, assim como ele fez. Olófin Odùduwà moldou o segundo Igbá Imolè a sua imagem e semelhança.

Então, macho e fêmea os criaram. E a estes dois primeiros moldes Òòsàálà chamou de Egungun.

Òòsàálà falou para que todos os Imolès o ajudassem a modelar mais corpos à semelhança dos Egunguns. E a estes derivados de corpos, Òòsàálà chamou de Egun.

Depois de terem modelado todos os corpos dos Igbá Imolès, todos se reuniram em um grande círculo ao redor do montante de corpos feitos de lama enegrecida do manguezal. E juntos suplicaram ao mais Alto dos altos para que manifestasse sua glória, e respirasse o seu hálito de vida nos corpos de lama dos novos seres. E do mais Alto dos altos veio um sopro de vida dizendo:

EU SOU!

Então, os corpos de lamas criaram vida e se animaram. Todos ficaram maravilhados diante dos novos seres. E Òòsàálà foi bem-sucedido em sua missão de criar os seres que cuidarão do novo mundo.

Mas de repente, diante de todos, Yemoja levantou uma questão e disse:

— Se os Igbá Imolès cuidarão do Àiyé e de suas outras criaturas, quem cuidará dos Igbá Imolès?

Yemoja disse isso porque sabia da fragilidade dos novos seres, já que eles eram feitos de lama, sendo que os seus corpos negros eram densos e grotescos. Muito diferentes dos corpos luminosos e graciosos dos Irun Imolès e dos Imolès Funfuns.

De repente, Òòsàálà se viu diante de mais uma questão, que tornava sua missão ainda incompleta e imperfeita na criação. Mais uma vez Òòsàálà pôs-se a meditar, e, refletindo, obteve uma iluminação, e disse a todos:

— Imolès do Orún, quero que cada um de vocês que tem um segredo, tome para si determinado grupo de Igbá Imolès.

E, assim, como Òòsàálà disse, eles fizeram. E Òòsàálà continuou a dizer:

— Agora com o dedo furem a cabeça de todos os Igbá Imolès, e coloquem em cada um o seu elemento dentro dela. Aqueles que ainda não tiverem elementos não se preocupem, pois no tempo certo em que o segredo for revelado a cada um de vocês, eu, também, lhes darei um grupo de Igbá Imolès. E aqueles que por ordem da própria natureza universal, não tiverem seus segredos nunca revelados, serão os pais e guardiões dos seres inorgânicos que farão companhia e servirão aos novos seres deste mundo. Por esse tempo, auxiliem os seus irmãos a cuidarem desses novos seres e de toda criação.

E assim todos fizeram como Òòsàálà falou. E os Irun Imolès se tornaram os guardiões e pais dos Igbá Imolès.

Porém, aconteceu uma coisa estranha e imperfeita na criação. Os Igbá Imolès do grupo dado a Nàná Bùùkúù agiam de forma esquisita e medonha. Òòsàálà vendo isso, se escandalizou. E, pôs-se novamente a meditar para resolver essa questão e obter a perfeição na criação, que era a satisfação de todos os seres.

Òòsàálà meditando percebeu que cada segredo dos Irun Imolès, sendo colocado na cabeça dos novos seres, lhes dava personalidades, faculdades, inteligências e habilidades específicas. Sendo estes segredos a alma deles.

E viu que esse novo ser já era composto de lama, e que colocar novamente lama em sua cabeça faria seres desmiolados e sem especialidades. Seres desprovidos de alma. Por isso que eles se comportavam de forma esquisita.

E, rapidamente, Òòsàálà impediu Nàná Bùùkúù de colocar seu elemento nas cabeças dos corpos dos novos seres, e lhes tirou os seus filhos.

Diante desse acontecido, Nàná Bùùkúù se sentiu muito ofendida, pelo fato de contribuir com o seu elemento para formação dos corpos dos novos seres. Mas, porém, não ser digna de obter a graça de nem sequer ter um só Igbá Imolè para cuidar.

Òòsàálà mais uma vez pôs-se a meditar, e se viu diante de um problema hediondo e difícil de resolver. Pois ele sabia que, se um dos Imolès do Orún não estivesse satisfeito com a criação, não haveria perfeição. Porque a perfeição é a plena satisfação e aprovação de todos.

Então, diante desse problema, Òòsàálà teve que tomar a decisão mais triste diante de toda a vida. E lembrou-se das palavras ditas a ele por Olódùmarè, de que a dualidade será a expressão dos novos seres e do novo reino. Pois se há vida no segundo reino, haverá também a morte.

E, chorando lágrimas vermelhas, que escorreram na terra do novo mundo, que deram origem ao barro vermelho que provém a argila, Òòsàálà disse a Nàná Bùùkúù:

— Nàná Bùùkúù, ouça! Você, que deu a lama, que foi responsável para formar o corpo dos seres deste mundo, digo-te agora que esse elemento lhe será devolvido. Porquanto, os seres deste mundo nasceram com uma dívida contigo. Dívida essa, de um empréstimo que todos eles terão que te pagar mais cedo ou mais tarde. E no dia desse pagamento, em sua morte, os seres deste mundo chorarão de tristeza, assim, como também, choraram de alegria ao nascerem, quando receberam de ti este valoroso empréstimo. E depois de acertarem as suas contas contigo, Nàná Bùùkúù, os segredos postos em suas cabeças pelos demais Irun Imolès, que permanecerem puros pelas suas ações de vida no Àiyé, subirão ao Orún e terão a permissão de passar pelos portões das fronteiras do mundo, o Òrun Àkàsò. Mas, aqueles que corromperem as suas almas no Àiyé e se acinzentarem, e, assim, atrofiarem os seus segredos, não terão permissões para passar pelos portões das fronteiras do mundo. Sendo que ficarão presos para sempre no reino astral, o Òrun Àkàsò.

E, assim, Òòsàálà concluiu sua missão, obtendo a perfeição tão almejada pela Criação e pelo Criador de todas as coisas existentes.

O Orún voltou a ser perfeito e iluminado como era no princípio, e suas fronteiras foram dissipadas. Pois, os seus seres alados estavam muito ocupados e felizes de cuidar dos novos seres do novo reino.

E, assim, os Imolès Funfuns tinham os Irun Imolès por filhos, e estes tinham os Imolès Funfuns por pais. E os Imolès Funfuns se ocupavam e se empenhavam em manter a harmonia entre os Irun Imolès.

E os Irun Imolès tinham os Igbá Imolès por filhos, e estes tinham os Irun Imolès por pais alados e celestiais. E os Irun Imolès se ocupavam e se empenhavam em manter a harmonia entre os Igbá Imolès.

Por sua vez, os Igbá Imolès se ocupavam por cuidar deles mesmos, dos seus semelhantes e dos seus descendentes. E, também, de manter a harmonia entre os seres e as criaturas que dividem o Àiyé com eles.

Dessa forma, Olódùmarè, o Deus Supremo, Pai e Mãe de toda Criação, encontrou uma perfeita solução para harmonizar os seus seres. Dando-lhes responsabilidades uns para com os outros, para manutenção da própria vida e de toda sua criação.

E essa responsabilidade de cuidar um dos outros, é a mesma que o mais Alto dos altos tem com toda a sua criação.

E essa responsabilidade é o único propósito de nossas existências neste mundo.

É o que nos faz semelhantes ao nosso Criador Perfeito, O Pai e Mãe de Todas as Coisas Existentes.

Essa responsabilidade é o que hoje conhecemos e sentimos como o verdadeiro AMOR, o verdadeiro AMAR e o verdadeiro SER AMADO.

E os Irun Imolès, juntos aos Imolès Funfuns foram chamados pelos Igbá Imolès de Òrìsà, que quer dizer: “Aquele que me deu a minha alma” ou “Aquele que comanda a minha cabeça”.

E, finalizando o conto, Djeli encarou N’zambi e disse:

— Por isso, meu jovem, que na crença dos povos iorubás, os homens ao nascerem vêm com a cabeça aberta. Pelo fato de os Òrìsàs terem naquele momento colocado o seu elemento-alma dentro dela.

O céu começara a clarear no K’ilombo dos Palmares, quando o preto velho griot Djeli terminou de contar a história da criação iorubá. O jovem príncipe N’zambi sentiu que vivenciou toda aquela experiência contada. E teve uma leve e profunda sensação de viver uma eternidade naquela noite. Vivera e experimentara todo o drama dos Òrìsàs. E algo do que ele não sabia havia mudado dentro dele. Sentiu uma mudança na maneira de como via e interpretava a vida, e o mundo em que vivia. Mas, também, se sentia muito confuso e desconfortável com as suas credulidades. Já que desde muito jovem fora educado no pensamento cristão do catolicismo, que não admitia outra forma de crença, senão as dos seus dogmas religiosos.

Houve um silêncio profundo entre Djeli e N’zambi naquele momento. O preto velho esperava que N’zambi quebrasse o silêncio lhe perguntando algo. Porém, ambos permaneceram sentados por algum tempo, ao lado das cinzas do que antes era fogueira. Restando apenas poucas brasas, que soltavam uma leve fumaça. Enquanto o céu se acinzentava, anunciando que um novo dia estava preste a brotar.

Djeli vendo que o rapaz permanecera numa quietude profunda, preso em seus próprios pensamentos, resolveu quebrar o silêncio ao comtemplar a solitária Estrela da Manhã, dizendo:

— Imaginemos um grupo de pessoas vivendo uma fantasia. Imaginemos agora, que esse grupo de indivíduos não saiba que vive em uma fantasia, e que essa fantasia seja a realidade do mundo em que vivem. Agora imaginemos que dentro dessa “realidade”, algumas pessoas desse grupo criem fantasias para suas diversões e entretenimentos. Para, digamos, sair um pouco dessa “realidade” entediante em que eles vivem. E, também, criem fábulas para darem respostas para o porquê de eles existirem naquele grupo. Feito isso, agora eis a pergunta: Se algumas pessoas desse grupo procurarem saber a verdade, como elas distinguirão a realidade da falsa “realidade” e a “fantasia” da verdadeira fantasia?

Fez-se um breve silêncio. N’zambi encarou o velho griot meio que embaraçoso em seus pensamentos, e Djeli continuou:

— Se você acha isso complexo, meu jovem. Saiba que a nossa realidade não passa de fábulas e fantasias, dentro de outras muitas fábulas e fantasias ao longo dos tempos e gerações. Em que também, o tempo e o espaço e toda cadeia de pensamentos, palavras e sentimentos são meramente falsos e fantasiosos.

— E o que é então a realidade e a verdade, Djeli? — Perguntou o jovem príncipe desesperado.

— É aquilo que não se encontra, porque não se procura. — Disse o preto velho.

— Se não se encontra e não se procura, é porque a realidade e a verdade nunca se perderam. Então, onde ela está, Djeli? — Tornou a questionar o jovem.

— No aqui e no agora!

Exclamou Djeli, e continuou:

— Preferimos acreditar e viver as fantasias, não é? Porque encarar a realidade… hahahahaha… a realidade não tem cara! Vamos, meu jovem, o dia já raiou e você precisa descansar.

E, sorrindo, abraçou com força o jovem príncipe, olhou profundamente em seus olhos, e disse:

— Há de se construir sempre bons sonhos, pois o pesadelo em que vivemos é real.

(Texto retirado do livro: O FILHO DAQUELA QUE MAIS BRILHA — A incrível saga do Quilombo dos Palmares no Novo Mundo)

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