Tudo era verde, agora arde, devastado,
crepita e alastra esse rastilho - i n c e n d e i a.
Ateiam chamas na esperança destroçada
a ganância escancarada, a violência na veia.
A cor do escuro, noite adentro, hoje é vermelha.
Trilhas de luz brilhando acesas nessa treva
não sopram trégua na batalha que se trava:
a vida acuada pelo fogo que rodeia.
Lume volátil, as fagulhas se desprendem,
voam dispersas nesse enxame de centelhas.
O vento empurra o novo flanco - arremessada
no mato seco se agiganta a labareda.
Não só negrume tece o espesso da fumaça,
ergue a cortina que embaraça a travessia
dos bichos cegos, enfrentando essa muralha
- o chão em brasa queima as patas, ferve a água,
as asas cedem sob o peso da agonia.
Vendo a paisagem consumida, incandescente,
desolada, destruída, a natureza se rende.
Um pesadelo acende o escuro, o sono vaga.
Tanta aridez devora as cores, o ar sufoca:
varre o cenário, evapora e vira chaga.
Flávia de Queiroz
14.10.2020
Graduada pela PUC/Rio em Sociologia e Política, pós graduada pela FJP em Gestão Pública, consultora organizacional e compositora. Tem publicados os livros de poemas: Círculo de Giz (1983), Arrumar as Gavetas (2012) Sobre Viver (2019). Atua na gestão de projetos da Academia Mineira de Letras.