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ENTREVISTA COM RACHEL DE QUEIROZ

ENTREVISTA COM RACHEL DE QUEIROZ
Ivo Santos Cardoso
abr. 17 - 13 min de leitura
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"Sou de uma família onde sempre se cultivou muito a literatura"

Quebrando tabu existente na Academia Brasileira de Letras desde a sua fundação, a escritora Rachel de Queiroz tomou posse dia quatro de novembro (de 1978).

Nesta entrevista concedida a Ivo Santos Cardoso no Rio, onde a escritora residia, Rachel fala da Academia, da vida moderna e, naturalmente, da juventude.

Houve algum tempo em que a senhora escreveu pensando em Academia?

Rachel de Queiroz: Nunca pensei em termos de Academia, inclusive, minha geração foi a geração que se seguiu à Semana de Arte Moderna. Vivemos uns dez anos depois, e éramos por definição irreverentes e levávamos a Academia na brincadeira. Mas como se diz que todo jovem é incendiário, todo velho é bombeiro, quando a gente vai ficando mais velho vai ficando mais acomodado e procurando as posições que como jovem achava conservadoras.

Quando surgiu o movimento para a sua candidatura como a senhora o encarou?

Rachel de Queiroz: Sou pessimista e tímida. Eu não tinha entrado na briga das mulheres para ingressar na Academia. Sempre fiquei de fora, nunca promovi nada, levava até na brincadeira e não queria me envolver nisso. Quem dirigiu realmente o movimento foi uma paulista, uma grande escritora que eu considero a primeira dama da literatura brasileira, que é Diná Silveira de Queiroz. (Ela usa o meu sobrenome porque foi casada com um primo meu).

Somos grandes amigas e tenho imensa admiração por ela. Diná foi quem fez toda guerra. A Academia, entre parênteses, foi sempre muito democrática. E quando houve uma maioria que não queria mulheres a Academia não teve mulheres, mas quando a Academia derrubou o regimento que não permitia mulheres, Diná veio de Brasília aqui no Rio me convencer a aceitar a candidatura, exigindo que fosse eu porque ela se sentia melhor, senão ia parecer que brigara em causa própria.

Com esse tempo todo de vida literária quase todos os meus amigos já estão na Academia, de forma que eles me envolveram e quando eu vi tinham me metido nessa complicação.

O que representa para a cultura brasileira o ingresso da mulher?

Rachel de Queiroz: Essa discriminação na verdade é um pouco absurda porque há grandes mulheres (tirando-se eu, que sou uma questão do acaso). Quando a Academia se fundou entendia-se que mulher naquele tempo não fazia essa vida literária, mulheres não frequentavam os escritórios de advocacia que era onde se faziam as primeiras reuniões da Academia. Depois, à medida que a mulher foi ingressando em todas as profissões não tinha mais sentido essa exclusão.

Essa entrada da mulher na Academia será importante se as mulheres realmente importantes entrarem para na Academia e será desimportante se for apenas uma figuração, um gesto simbólico. Se ficar em mim, por exemplo, então não terá importância, ficará reduzida a apenas uma figura.

O que dizia o Regimento da Academia?

Rachel de Queiroz: Como já foi explicado, dentro havia esse dispositivo regimental, e havia uma interpretação: os sócios da Academia serão brasileiros natos. Então eles interpretaram homens brasileiros natos.Quando se diz brasileiros a gente diz brasileiras também. Era a tese de Clóvis Bevilaqua que se zangou com a Academia porque sua esposa candidatou-se e a Academia não aceitou a inscrição.

O Clóvis, que foi um grande jurista, deu um parecer explicando que a mulher tinha direito de entrar e como os acadêmicos não aceitaram ele brigou com a Academia e nunca mais foi lá. Quando da Eleição de Manuel Bandeira, eu que era muito amiga de Clóvis (ele era um venerando senhor, eu era uma garota mas ele era muito amigo dos meus amigos, de meus pais e de meus professores) e fui pedir o voto dele ao Manuel Bandeira. Ele sorria: "Não posso eu me afastei da Academia". E a mulher dele, como um bonzo, sacudia a cabeça e dizia: "Por minha causa, por minha causa..."

Quais foram os maiores estímulos que recebeu para ser escritora?

Rachel de Queiroz: Vim de uma casa muito literária. Minha mãe e meu pai gostavam muito de ler, isso era natural. Além de eu ser de família de escritores (sou prima de José de Alencar e de Araripe Júnior) sou de uma família onde sempre se cultivou muito a literatura de forma que era para mim natural, uma tendência que eu tinha , era levada naturalmente a isto.

Quantas obras publicadas a senhora tem?

Rachel de Queiroz: Seis romance, quatro ou cinco livros de crônicas, duas peças de teatro, um livro de crianças, um livro de literatura infantil.

A senhora está trabalhando nalguma obra atualmente?

Rachel de Queiroz: Eu tenho um livro muito em gestação ainda. Está ainda muito longe.

Como é seu processo de criação?

Rachel de Queiroz: A crônica, eu me sento à máquina no último momento com alguém do jornal esperando a matéria. Quanto ao romance... em geral eu tenho idéia do romance, da história dos personagens principais, o tema central do enredo e vou tomando notas e bolando a coisa, às vezes até me levanto à noite quando me lembro de uma coisa que quero escrever.

Quando acho que já está preparado aquele esqueleto, aquela matéria-prima rude, eu me sento à máquina e começo a escrever. Trabalho metodicamente das oito da manhã até ao meio dia, em geral. Faço aquele copião grosso e em cima daquele rascunho, faço correções muito grandes, risco, corto etc. Faço então uma cópia. Nessa cópia além daqueles recortes e riscos, eu modifico muito. Em cima desta cópia eu faço ainda muitas correções.

Quando eu estou exausta de corrigir passo para um datilógrafo que aí acaba minha responsabilidade e vai para a editora. Eu tenho o mesmo editor desde 1936, há 41 anos, portanto. Nunca tivemos uma palavra de contrato assinado entre nós. Só muito recentemente a casa sofreu transformações, uma intervenção do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e com esta direção oficial eles me obrigaram a assinar um contrato mas eu não tinha assinado nenhuma palavra de contrato, era tudo de boca: Tome meus originais, venha receber o seu dinheiro. Era nessa base e nunca houve descontentamento.

A senhora costuma fazer conferências, aceitar convites?

Rachel de Queiroz: Não. Tenho horror. Conferência eu não faço mesmo. Quando não posso fugir eu combino uma espécie de diálogo, debate. Alguém me apresenta e diz qualquer coisa ao auditório e então todo mundo tem o direito de me perguntar o que quiser e eu respondo de muito boa vontade, mas fazer uma conferência, não sou capaz. Eu faço vida literária, eu acho que o escritor escreve. O resto é babado.

O que lhe deu maior popularidade?

Rachel de Queiroz: Creio que foram os trinta anos de colaboração numa revista popular como era O Cruzeiro. Eu colaborei para O Cruzeiro de fins de dezembro de 1944 a janeiro 1975, exatamente trinta anos.

Todos a não ser no período de um ano em que eu interrompi, nunca faltei uma vez e o público se acostumou a me procurar ali e a me encontrar e foi isso que contribuiu para me conhecerem muito.

Como a senhora vê, de um modo geral, o panorama da literatura brasileira hoje?

Rachel de Queiroz: A literatura, como o teatro, como a pintura, como todas as manifestações de arte vivem constantemente em crise e a crise é o tema da literatura e das artes. Se é formada por um grupo de pessoas excessivamente individualistas, cada uma procurando a sua forma pessoal de expressão, se tem sempre a impressão que se está vivendo num paroxismo, numa crise. Mas parece que vai muito bem, há muita gente de talento escrevendo e é só isso que é muito importante para a literatura andar bem, que haja muita gente escrevendo e muita gente de talento. Isso há. De forma que vamos ser otimistas e achar que vai muito bem.

Fala-se com frequência que a técnica está matando a literatura e, como decorrência, não existem quase editores para autores novos...

Rachel de Queiroz: Essa afirmação acho que não é verdadeira, nunca houve tantos editores no Brasil como há hoje. Nunca se publicaram tantos títulos como se publicam hoje. É que com a abertura da Universidade, com esse acesso do ensino, das letras, a todas as camadas da população, deu-se uma procura muito grande de editores.

Proporcionalmente a essa abertura intelectual, aumentou o número de leitores. As pessoas não tinham oportunidade de se exprimirem, de se expandirem como escritores, como poetas, como teatrólogos, essas pessoas têm essa oportunidade. Então os editores nunca chegam, são sempre insuficientes, mas eu tenho viajado bastante e por onde eu ando encontro sempre a mesma grita dos jovens. Nos Estados Unidos é um drama também.

A que a senhora atribui esses problemas todos que a juventude enfrenta?

Rachel de Queiroz: A sociedade moderna passa por uma fase de transformação muito violenta. A técnica interferiu muito na vida das famílias, na vida de todo mundo. Você hoje vive no meio de máquinas. A babá das crianças é a televisão. O carrinho de passeio é uma cadeirinha amarrada junto à cadeira do chofer. Quando o menino fica maior você compra uma motocicleta. A criança vive no meio de máquinas. Suas diversões são eletrônicas. O mundo em que ela vive é de ficção científica.

Essa transformação violenta que a sociedade sofreu, ainda mais com as revoluções sociais, as tentativas e as revanches comunistas, tudo isto subverteu os valores sociais. As igrejas cristãs não corresponderam à necessidade de evangelização. Os valores espirituais naufragaram com a permissão do aborto em diversos países, com o uso da pílula pelas moças, que se sentem mais livres no amor.

Nota-se que a senhora não fuma...

Rachel de Queiroz: Eu não fumo, mas fumava muito. Meu marido sofre de enfisema pulmonar e tivermos que deixar. Se ele não deixasse morreria e se eu não deixasse ele não conseguiria deixar também.

Se eu fizesse campanhas, eu faria realmente uma campanha contra o fumo porque nós sofremos na carne os prejuízos da terrível experiência que é o abuso do fumo Meu marido creio que adquiriu enfisema pulmonar através do cigarro, pelo menos piorou muito. A vida dele chegou a ficar ameaçada. Já faz quatro anos que ele deixou de fumar.

Curiosamente (para se imaginar o malefício que o cigarro faz...) meu marido faz uma nebulização para receber a névoa de remédio que é aspirada, vai até o pulmão e volta. Ele põe uma pipeta de vidro na boca. É uma pipeta cheia de pequenos canais como se fossem capilares e ele notava que sempre aparecia uma coloração marrom naquelas veias da pipeta. Mandamos examinar e era nicotina.

Faz quatro anos que ele não fuma e no pulmão dele ainda tinha tal quantidade de nicotina que ainda se formavam depósitos amarelos que chegavam a entupir os capilares da pipeta. É um depoimento realmente impressionante e meu marido, depois que deixou de fumar, renasceu. Se há um casal que pode dar um depoimento contra o fumo somos nós.

Eu tenho cinzeiro em casa porque temos que ser corteses para com as visitas e todo mundo fuma e eles não podem jogar pontas de cigarro no chão, mas nós realmente aqui em casa não tocamos mais em cigarro. Eu tomei horror a cigarro depois dessa dramática experiência do meu marido.


Rachel de Queiroz nasceu em Fortaleza, CE, no dia 17 de novembro de 1910. Estreou na literatura com o livro O Quinze. Escreveu oito romances além de livros infantis, peças de teatro e livros de crônicas a maioria das quais publicadas na revista O Cruzeiro. Pertencia a tradicional família de escritores – era prima de José de Alencar. Morreu enquanto dormia na rede em sua casa, no Rio de Janeiro, dia 4 de novembro de 2003.

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