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Entrevista com Érico Veríssimo

Entrevista com Érico Veríssimo
Ivo Santos Cardoso
abr. 18 - 13 min de leitura
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“Essa é a coragem necessária: uma coragem consciente”

Quando o motorista de taxi que conduzia o repórter viu a residência de Érico Veríssimo não pode reprimir uma exclamação: “Ora, não é o que eu pensava...”. Ele assistira a uma entrevista com o famoso conterrâneo num programa de TV na capital gaúcha, onde o escritor reside e não poderia imaginar fama tão grande fora de um palácio.

Érico parece não se preocupar com grandes aparências. Profundamente voltado para seu trabalho de escritor, só mesmo sua fidalguia e a oportunidade de falar aos jovens o levaria a interromper o trabalho para dar esta entrevista a Ivo Santos Cardoso.

Dona Mafalda, a esposa, gaúcha de Cruz Alta, como o escritor, demonstrou muita satisfação quando soube que o jornalista também era gaúcho. Mesmo assim, ao recebê-lo deixou escapar, veladamente, polida advertência quanto a demoras inconsequentes: “O Érico anda tão ocupado...”.

Alguns minutos de conversa com Dona Mafalda e surge Érico. Logo depois do cumprimento, de franqueza e cordialidade peculiares, a primeira coisa que fez foi entregar ao repórter uma folha datilografada naquele instante. Ela continha os conceitos, exclusivos.

Entrevista concedida ao jornalista Ivo Santos Cardoso

Qual foi a sua grande motivação de sua vida de escritor?

Érico Veríssimo: É esse mistério. Alguns se inclinam por um instrumento. Vêem um piano, começam a bater e acabam fazendo uma composição; outros pegam papel e lápis e desenham. Eu, desde o ginásio, senti muita atração pelo Português, pelos livros, pela redação, pelas línguas em geral. Gostava muito de ler. Houve tempo em que hesitei entre a literatura e a pintura. Acabei concluindo que, como pintor, seria simples copista ou medíocre pintor. A literatura me ofereceu um campo maior.

Quantas obras publicadas com sucesso são a prova dessa vocação?

Érico Veríssimo: Bem, eu não tenho a conta certa porque sou uma negação em estatística. Sei que foram mais de 25 livros. Alguns deles foram divididos em dois de mo que não sei se devo contar como livros ou parte de livros.

DIAS DE LUTAS

Como foi sua vida de jovem e estudante? Fácil?

Érico Veríssimo: Tive minha luta. Meus avós eram ricos, perderam tudo e meu pai botou fora o resto. Tive uma grade mãe que trabalhava e que me pagava os estudos no ginásio. No Colégio Cruzeiro do Sul, em Porto Alegre, fiz o primeiro e segundo ano. Eram quatro anos. Depois desses quatro anos eu teria que fazer o preparatório do colégio Júlio de Castilhos, naquele tempo o colégio padrão, para, então, fazer o vestibular. Não pude fazer isso porque aos 18 anos tive de voltar para minha terra natal. Comecei a trabalhar e estou trabalhando até hoje.

Dessa forma não fui além da metade do antigo ginásio. De lá para cá continuei a estudar sozinho, desordenadamente, mas com grande interesse, grande curiosidade pelos livros, sempre convivendo com eles. Considero-me um autodidata. Tive apenas um princípio. Mas dediquei-me muito às línguas. E até descobri uma boa maneira de aprendê-las: ler todos os dias, ainda que apenas três ou quatro linhas de um livro em língua estrangeira, procurando no dicionário, sempre que possível, o significado da palavra que não se conhece.

Eu conto a minha história no último livro, que é uma autobiografia. Estou escrevendo agora o segundo volume, minhas viagens. No momento em que você me dá o prazer de sua visita, estou em Granada, na Espanha, um dos dez países europeus que visitei. Espero passar depois para a |Itália, França, Alemanha, Holanda, Inglaterra, Áustria e Tchecoslováquia. Estive na Tchecoslováquia na chamada Primavera de Praga. Um mês depois os russos invadiram a Tchecoslováquia e tudo voltou ao que era antes.

VIOLÊNCIA NADA CONSTRÓI

Num mundo de constantes mudanças e revoluções, como o senhor vê atitude dos jovens?

Érico Veríssimo: É muito difícil dizer por que há varias juventudes. Há juventude de todas as classes. Juventude pobre e juventude rica em que o rapaz ou moça têm o melhor carro e todas as facilidades. Eu acredito mais nos outros, os que têm menos facilidades. Houve grande desalento por parte dos jovens norte-americanos e europeus por terem sido sacrificados em muitas guerras, quando eram tirados das universidades para matar ou serem mortos. Isso deu certo desestímulo que levou ou à droga ou à violência que nada constrói.

Acho que a juventude deve agir dentro dos canais legais, de maneira que sua voz possa ser ouvida. O resto depende das oportunidades de trabalho e de um certo auxílio da parte dos adultos que se interessam pela juventude, dizendo-lhes da experiência por que passaram. Dar ânimo aos jovens.

DIÁLOGO LIVRE

Fala-se muito em conflito de gerações...

Érico Veríssimo: É natural que haja uma revolta, que as gerações anteriores não tiveram porque estava diante de maior tradição, os pais eram mais exigentes, havia mais respeito. A meu ver o que deve existir não é um respeito que não discute nada, mas um diálogo livre, de amigo para amigo, de pai para filho, de neto para avô. Porque os mais velhos têm sua experiência e é interessante que os mais jovens discutam e apresentem seus problemas tais como são.

CORAGEM MIUDINHA

O senhor lutou desce cedo para vencer na vida. Quais foram as vantagens?

Érico Veríssimo: Não acho que os jovens devam ter todas as facilidades. Devem conquistar as coisas. Isso dá outro gosto. Esta casa foi feita devagarinho. Eu a construí pouco a pouco. Parei em pensão, parei em hotel barato, parei em casas alugadas, finalmente encontrei esta casa, comprei-a com o produto da venda de um livro e depois fui melhorando devagar. Cada móvel me fala de um livro, cujo resultado me permitiu adquiri-lo. É muito mais gostoso fazer isso do que receber tudo de mão beijada, como se diz, da família. A luta ensina muitas coisas, e enrijece a pessoa. Dá mais confiança em si mesmo.

O que sempre deve haver é a esperança. Esperança e luta. E um certo tipo de coragem, que não é propriamente a coragem de pegar uma metralhadora e atirar ou enfrentar outra metralhadora. É um tipo de coragem miudinha, do dia a dia, da hora a hora. Essa é a coragem necessária: uma coragem consciente.

FABRICO MEU ESTIMULANTE

O abusivo uso de estimulantes de toda espécie não demonstraria a falência dessa coragem?

Érico Veríssimo: O que posso dizer é que tenho horror a essas drogas pelo que elas representam de nocivo à sociedade e ao indivíduo. Quando me perguntam se uso algum estimulante digo que não fumo, não bebo e procuro fabricar dentro de mim mesmo um estimulante que vem do entusiasmo pela coisa que estou fazendo, pela necessidade de fazê-la e por essa coisa misteriosa que se chama inspiração e que não é nenhuma magia. É um conjunto de circunstâncias externas e internas que se combinam para dar nisso que chamamos de inspiração

LIMITES DA LIBERDADE

Muitos jovens sentem-se confusos com a palavra liberdade e defendem costumes tão liberais que chegam a ser permissivos...

Érico Veríssimo: Tudo o que é em excesso é nocivo. A repressão pode ser tão nociva quanto a permissividade. Sou contra a repressão, mas também acho que a permissividade deve ser encarada de outro modo. É preciso vê-la com o que a liberdade tem de bom. Com o direito que a pessoa tem de discutir seus problemas e de resolvê-los de acordo com seu temperamento. Sempre pensando que existe o outro, preocupado com o outro, com nossas atitudes diante do outro, do nosso próximo, do amigo ou do que me é indiferente mas que mora no mesmo planeta, que é humano como nós.

Eu sei que é muito mais fácil seguir o caminho da permissividade do que conter-se quando se está para fazer um gesto ou dizer alguma coisa que seja nociva à comunidade. Somos membros da comunidade e devemos nos portar como tais. Nossa liberdade termina onde começa a liberdade do outro.

POBRE E LIMPO É MELHOR

Todos sofremos as consequências da poluição. Valerá a pena pagar esse preço pelo desenvolvimento?

Érico Veríssimo: Acho que esse problema é o resultado do completo descaso do homem pelo homem também pelo futuro A ganância de ficar rico, de ganhar muito dinheiro no menor tempo possível, levou a esse desenvolvimento da Indústria. Claro que a Indústria é necessária, mas por outro lado nos obriga a comprar coisas que realmente não necessitamos. E todas essas fábricas a despejarem detritos nas águas e fumo nos céus...

A solução seria, primeiro, a compreensão de todas as pessoas de que é mais importante viver limpo do que viver rico. No mais, seria trabalho para técnicos. É o caso em que a pressão do público é necessária para fazer com que os responsáveis tomem consciência da gravidade do problema, pois dentro de pouco tempo não poderemos mais respirar.

HORA E VEZ DO PROTESTO

Que papel a juventude poderia desempenhar nisto?

Érico Veríssimo: Eles, que gostam tanto de fazer protestos e reivindicações, algumas justas, outras um tanto absurdas, poderiam entrar com seu protesto. Não um protesto violento, mas contínuo, veemente, coerente. Aqui em Porto Alegre, há algum tempo, um grupo de jovens impediu que se cortassem algumas árvores em certo lugar onde iria passar um viaduto. As árvores não foram cortadas e não atrapalharam o viaduto. Esse foi um trabalho muito bonito.

ÉRICO: HÁBITOS E CONCEITOS

Escrito no intervalo entre o telefonema do repórter marcando o encontro e o início da entrevista, minutos depois, os conceitos abaixo dão idéia do Erico ser humano: tranquilo, amante das alegrias simples da família; amigo e conselheiro dos jovens.

* Considero-me apenas um contador de histórias. Não sou homem inteligente, mas reconheço que tenho certo talento de narrador.

* Sinto-me feliz pelas razões que seguem: tenho uma bela família, uma esposa que é a melhor das caminheiras. Vivo do produto de meus livros; quero dizer: gosto d meu trabalho. Tenho muitos amigos.

* Meus passatempos? Caminhar, caminhar, caminhar. Quatro quilômetros diariamente. Desenhar e pintar (embora não tenha nunca pintado nada que prestasse). Viajar. Ouvir música. Em pintura tenho um fraco pelos impressionistas e pelos pós-modernistas. Em música, um fraco pelos barrocos, especialmente Bach e Mozart. (Costumava dizer que ambos estes compositores tem todas as vitaminas necessár4ias a uma boa dieta musical). Entre os românticos meus preferidos são Beethoven e Brahms. Aprecio também os modernos... mas em doses pequenas.

* Aos jovens que pretendem fazer-se escritores aconselho sempre que primeiro façam um auto-exame psicológico, procurando certificar-se de que de fato têm vocação para a literatu4ra e não apenas o desejo de ver o nome numa página literária de jornal ou num livro. Depois... pensar na parte artesanal da literatura. Em todas as profissões é necessário um aprendizado. O melhor aprendizado para o aspirante a escritor é a leitura de bons livros, de bons autores. Ah! É preciso também que cada um descubra se é poeta ou prosador, se tem mais vocação para o ensaio do que para a ficção... ou vice-versa.

* É importante fazer um bom curso de ginásio ou colégio. Mas o que importa, mesmo, é a vocação.

* Confissão: Faz mais de quarenta anos que publico livros e estou certo de que tenho ainda muito que aprender.

* Aconselho também a tolerância a paciência a compreensão, no que diz respeito às relações humanas. Antes de julgar o próximo devemos honestamente examinar-nos a nós mesmos, ficando atentos aos nossos próprios defeitos.

* Estudem, estudem, estudem. Mantenham viva a curiosidade tanto pelas coisas do corpo como pelas do espírito.

É proibida a reprodução de qualquer parte desta entrevista sem prévia autorização do autor. A grafia dos textos foi atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.

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