O desespero aproximou-se e a agonia sentiu-se bem-vinda. Com naturalidade, ela resolveu abrir a porta escancaradamente. O medo tentou assustar-me, como se estivesse vestido com uma fantasia despretensiosa de dia das bruxas, mas ao mesmo tempo, perturbadora. Resolvi então, como em um sonho, entrar no comando daquele atípico momento. Meus convidados estavam todos ali ao meu redor, esperando por meus movimentos, até mesmo o menor deles. Os três visitantes, que vieram sorrateiramente, pareciam grandes demais para serem empurrados porta a fora. Aquele, sem dúvidas, era o momento perfeito para gritar por ajuda, mas senti que esse socorro só poderia vir de mim mesmo. Então, sem medo do trabalho que certamente viria ao lidar com cada um deles, resolvi encará-los.
Meus olhos agora tentavam observar o máximo sem se apavorarem, pois afinal, eles estavam ali e nenhuma mágica funcionaria(mesmo que eu soubesse alguma). Enquanto empregava meus esforços para expulsá-los com o poder da minha mente, que se mostrou ineficaz, percebi uma pilha de livros que permanecia intocável no armário. Chegou a hora de desfazê-la, logo pensei. Eu sabia que nenhuma palavra, sozinha, que eu encontrasse me ajudaria a vencer meus oponentes, nenhuma sequer! Às vezes as palavras não são suficientes, mas com certeza podem iluminar todo ambiente ao redor para que possamos não só ver, mas compreender as coisas. Conforme fui abrindo aqueles livros, pude sentir a sensação que cada acontecimento registrado neles transmitia. Senti a primavera francesa com um toque de esplendor, e o inverno russo, que apesar de extremo, conseguiu me despertar certo rigor que se mostrou necessário naquela situação. Então, minhas mãos não conseguiam mais parar de folhear aqueles livros e logo comecei a ver todo o recinto se inundar de cores.
Meus três visitantes estavam cada vez mais opacos, e eu estava cada vez mais reluzente. Logo, também percebi que haviam flores na janela, e que a janela era graciosa em seu formato ornamentado. Também avistei um pássaro azul, um azul tão bonito, delicado e profundo que me fez chorar. Esse pássaro parecia contemplar as flores, que estavam em grande agonia na mesa. Corri para colocá-las em um recipiente agradável com água que lhes poupasse. Coloquei-as perto da janela ao lado onde o pássaro estava parado. Ele começou a cantar, e eu o observava como se nunca tivesse visto algo parecido. Senti a vida entrar por aquela janela, por aquele pequeno ser. Então, vi surgir mais um convidado, mas diferentemente dos outros, não me dava medo.
Na parede do fundo, havia um espelho grande que parecia ser iluminado mais intensamente naquele momento. Quando olhei para ele e vi a mim mesmo, lembrei-me do tricô que eu vestia e de quem o havia feito. Então, percebi que o amor também era um visitante meu, mas que havia sido esquecido. Agora eu teria a chance de deixá-lo vivo. Ele estava junto ao meu peito, me proporcionando calor e conforto e era mais do que justo enternecê-lo. Agora, não me sentia mais sozinho no mundo. O tricô era de um lilás e bom gosto impecáveis, como as pétalas das flores que desprezei antes do pássaro azul aparecer. Resolvi tocá-las. De repente, algo me encheu de uma energia espantosa que me fez pular de alegria! Sentir a textura daquelas pétalas tão delicadas, me fez lembrar de como era o ar lá fora e de como a natureza se comportava, de como as árvores eram belas e de como me inspiraram. Parecia que cada uma daquelas coisas sorriam para mim e me convidavam a olhar pela janela. Quando olhei, percebi que as árvores ainda permaneciam e que o Sol ainda poderia me alcançar.
Minha atenção foi para a rua naquele momento. Avistei um carro vermelho e pude me lembrar de todas as vezes em que já estive dentro de um carro parecido, de todas as vezes que o amor me levou para a escola, para os parques e de como ele me apresentou a vida. Mas lembrei-me de que há muito tempo expulsei o amor, deixando outros convidados entrarem e consumirem meu tempo. Consumiram a mim mesmo e ainda por cima, chamaram alguns penetras. Enfim, pude recordar-me naquele momento que o amor morava há poucos quilômetros e que há muito tempo atrás prometi o visitar.
O amor realmente me aguardava, mas só percebi naquele instante. Tudo começou a fazer mais sentido e um grande ardor invadiu minha alma. Aquele não era o meu lugar, porque o meu verdadeiro lar era ao lado do amor. Como não pensei nisso antes, como não desejei isso antes! - Pensei, com certa amargura. Ah, o amor! Amor esse que deixei pra depois, ao pensar que as coisas da cidade me levariam além e que o dinheiro me confortaria. Não pude evitar que algumas lágrimas caíssem, pois recordei-me que o amor me carregava no colo e me contava histórias bonitas. Nunca me senti tão feliz por lembrar daquela sensação e nunca imaginei que as minhas memórias me fariam tão bem algum dia. Apesar disso, nunca me senti tão culpado.
Redirecionando meus pensamentos aos meus convidados, intrusos e assustadores, eu sabia que eles não iriam embora, mas com certeza eu estaria apto a vencer se tivesse o amor comigo. O amor com certeza era o mais forte de nós então era uma briga praticamente ganha. Entrei em meu carro e fui atrás do amor. Não pude entrar para me jogar em seus braços e contemplar seus olhos de perto, mas pude dizer todas as palavras que gostaria, mesmo com alguns metros de distância. Então o amor sorriu para mim, com lágrimas nos olhos. Foi o sorriso mais sincero que já vi e o melhor dia que poderia ter. Aquele sorriso venceu tudo e todos, inclusive a mim.
Agora eu já não era mais o mesmo, porque eu estava disposto a fazer tudo o que eu pudesse para que ele permanecesse, para que quando chegasse o momento certo, eu pudesse estar tão próximo como gostaria. Voltei para casa e senti-me grato por aqueles convidados indesejados terem entrado. Sem eles, tudo ainda estaria confuso e vazio em minha volta, porque não haveria razão para buscar a beleza da vida, não haveria razão para buscar uma luz se eu não me incomodasse com toda aquela escuridão.