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Uma Partida de Xadrez

Uma Partida de Xadrez
Aleksandro F. de Paula
ago. 19 - 5 min de leitura
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Ele movimenta a primeira peça no tabuleiro como se movimentasse uma adaga afiada. O objetivo que buscava naquele jogo era mais a conquista do coração daquela jovem que propriamente a derrubada do Rei inimigo. Empreendeu assim, além de certos movimentos – não das peças, mas do corpo e das mãos, de pouca vinculação, aliás, com o intento primordial do jogo – assim como circunstanciada entonação da voz, certa maneira de referir-se ao modo inicial de ataque e defesa dela, ao clima da noite, a conjunção, enfim, dos astros no céu, determinando uma vitória dele, sem dificuldades.
         Jogavam no espaço aberto, reservado na praça para encontro de enxadristas.
        Já avançados os peões, ele compreendeu que apenas o arranjo das peças no tabuleiro atraia a atenção dela. Ele esteve a ponto de derrubar o rei, desistir. Ficou pensativo, no entanto; armando uma melhor jogada, avançou o cavalo. Teve uma espécie de insight: a progressão de mais uma peça e estaria com um esquema infalível para avançar sobre ela, de forma avassaladora.
          A grande sacada, ainda que muito boa a intentona criada, era ser previsível. O que daria mais tempo para ele preparar outra estratégia para aquilo que ele originalmente desejava, já que ela teria que pensar em uma maneira de sair daquela situação óbvia.
         Veio então, enquanto isso, a observar mais o desenho do rosto dela, assim como o brilho dos olhos, compenetrados. Certa hesitação das mãos dela sobre uma peça, fez com que ele, após uma viagem de seu olhar pela altura do ombro até o antebraço dela, se perdesse nas linhas e características daquelas mãos. E, talvez, pelo fato da jovem ser imperturbável e lembrar mesmo a opacidade de um espelho, quis ver-se diante dela. Procurou, assim, inventar um movimento no tabuleiro - que possivelmente tenha surpreendido a adversária, por ser tão imediato ao dela – mas que demorou deveras a mão dele sobre a peça e recuou. A intenção era apenas observar sua própria mão, comparando com a de sua adversária. A conclusão foi que a desta não tivesse muito de feminina, pareciam serem mais avantajadas que as deles, inclusive. Antes ele tivesse se sentido mal com isso, mas percebendo que as suas eram até mais bonitas, sentiu uma estranha satisfação.
          Atentou, afinal, mais na própria entonação de voz, a maneira agradável com que se dirigia a ela. Numa dessas, tentando manter o tom de voz, másculo, desafinou estranhamente. Tão concentrada se encontrava a jovem, que nem percebeu isso nele. Ele, a princípio, considerou inusitado o fato; entretanto, sabia que, por mais que fizesse, nada atrairia a atenção desejada. Os evolucionistas, passou ele a raciocinar, afirmam que uma nova espécie nunca nasce de uma mudança uniforme e sequenciada, e, sim, de uma quebra brusca. A liberdade de continuar a manter aquele tom mais agudo fez-lhe sentir mais à vontade, tanto que passou a ter uma mudança repentina de comportamento. Mais expansivo, numa tal maneira de gesticular, tocando na garota, que ela até poderia pensar que fosse um ardil para tirar-lhe a atenção do jogo.
        Ele, todavia, passou a cogitar o seguinte: que a convicção, a princípio, que tinha de que o seu jogo de sedução surtiria efeito na garota era a certeza de que possuía, de fato, admiração por si mesmo. Uma espécie de metrossexualidade narcísica. E sentir admiração por si mesmo significava, de alguma maneira, a existência de um eu feminino dentro de si. Se ele conseguisse manter aquela maneira de sedução, que buscava o sexo oposto, até o fim e ele mesmo se deixasse atrair por isso, talvez fosse preocupante. Mas, ao permitir que esse eu feminino tomasse ganho exterior, e ele, inclusive, se surpreendendo com isso e até se envolvendo com esta figura que ele representava, era o sinal de que o seu instinto original continuava o mesmo, tendo a figura feminina apenas exaltada de tal forma que se manifestaria sobremaneira nele.
          Mas, nenhuma coisa nem outra.
         Deu-se que a mulher, ao perceber já ganho a partida, tudo era uma questão de tempo, podendo tirar o foco do jogo, passou a ser também entusiasta como ele. Sentindo-se muito livre com o modo comunicativo do mesmo. Ele, ao contrário, assustou-se ao ver-se nela, daquela maneira. Procurou tentar voltar a ter domínio, não mais sobre o jogo no tabuleiro, mas sobre si mesmo. 
Muito embora compreendesse que tinha, de algum modo, conquistado a jovem, mesmo de forma inusitada, era tarde demais. Pois teve que, com suas mãos, ainda insistentemente femininas, aceitar derrubar o seu rei, encurralado pela rainha adversária, soberana. 


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