Uma verdadeira jornada pessoal se inicia quando temos consciência, do ser que somos, de quem é o outro e indagamos como deveríamos conviver. Ter certeza de como se viver é difícil, ainda mais quando podemos fazer desse viver aquilo que queremos, o que muitas vezes complica mais do que ajuda, pois toda essa liberdade nos leva à confusão, aos muitos desejos, à uma irreflexão.
A história que quero contar remete à uma visão do mundo em que vivemos e de alguma forma convivemos. Eu a vi naquela mesma floresta e banco, enquanto esperava por um ônibus, mais distante. No que ela me observava de volta, parecia me atravessar e até encontrar as coisas que eu mesmo tinha medo de encarar ou esquecia guardar dentro de mim.
Sabe aquele olhar simples e puro de uma criança? Aquele que espera algo mais, que espera ver em nós algo para se refletir? Era esse olhar bem direto, que me consumia e pressionava naquele momento. Por alguns minutos mantive um aflito silêncio e durante mais alguns outros nem me movi, quase sem respirar. Pensei em chegar perto para poder ver melhor aqueles grandes olhos, apesar de não lembrar de achar aquele tipo de animal por aqui.
Já viu uma raposa? Eu não saberia dizer se são mais parecidas com cachorros ou gatos. São ágeis, ótimas em caçar e dificilmente se consegue aproximar ou capturar uma. São muito inteligentes e perspicazes. Em muitas culturas e crenças esse animal possui significados especiais e até contraditórios entre ser uma figura de trapaças pela muita astúcia, ser capaz de mudar de mudar de forma e viver entre os homens como um igual ou servir de mensageiros e guia, entregando as mensagens dos deuses. Sedução, sensibilidade e magia fazem parte de seus aspectos e expressões mais naturais.
Talvez fosse meu dia de sorte e apostar na raposa fosse uma boa opção para passar tranquilo o fim de semana. Me pergunto se ela concordaria com isso, em usá-la como um amuleto da sorte num jogo de aposta. Até que combina bastante, mesmo caso eu perca. Mesmo não sendo da região aquelas arvores e vegetação me pareciam bem familiares, como rostos, nomes e amigos que um dia eu conheci.
Foi a buzina daquele ônibus que eu esperava que acabou por me acordar de um rápido cochilo no ponto. Subi logo e sentei ao lado de uma janela, procurando algo daquela visão ou sonho de agora há pouco. Infelizmente não vi nada, muito menos algo que me mostrasse que qualquer animal passou por ali em algum tempo. Se estive caminhando era dentro de mim e a raposa que vi talvez fosse como uma orientação ou espelho refletindo muito da antiga inocência que eu já não achava que tinha mais aqui nesse coração, já abatido e amaciado pela vida, num corpo cansado de mais um dia de viagem. Tomara que a encontre logo outro dia, mesmo sendo tão estranha a mistura de conforte e desconforto de fazer algo como olhar para si, é importante fazê-lo para não esquecermos daquilo que se encontra ali.