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Um tempo para nunca mais esquecer

Um tempo para nunca mais esquecer
Sonia Regina Rocha Rodrigues
jul. 23 - 5 min de leitura
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                   A viagem deles para Vancouver estava marcada há meses, as passagens compradas, e eu estava muito ansiosa, confesso, e não pelos motivos mais nobres, para hospedar meus sogros. Primeiro, eles são coreanos, a cultura é muito diferente da brasileira. Meu marido é coreano, um amor de pessoa, a gente se conheceu na faculdade. Mas a Coréia é bem distante, as passagens para cá são bem caras, então meu sogro propôs vir para cá assim que ele se aposentasse e ficar logo uns seis meses. A gente ia se vendo e se falando pela internet.
                  O problema todo foi a pandemia que se atravessou no caminho. Nosso apartamento é pequeno, embora tenha um quarto de hóspedes, mas colocar seis pessoas confinadas nele, sendo duas crianças...fiquei bem preocupada. Enquanto as crianças ficavam o dia todo livres brincando no parque aí em frente, e a gente podia sair para passear, estava bom, mas depois...meu Deus, o que vai ser de mim, pensei.

                          Para minha surpresa, minha sogra me procurou. Ela disse: você permite que eu ensine as crianças a fazer biscoitos e em troca elas me ensinam línguas, elas falam bem o inglês, e posso até aprender um pouco de brasileiro, né. Eu ri do “brasileiro”.
                      O fato é que as crianças adoraram. Foi um tal de fazer todo tipo de comida com a vovó. Eu e o marido trabalhado de casa, em home office, ficamos aliviados. Era um silêncio...porque depois da culinária, minha sogra deixava a cozinha limpinha e brilhando, e vinha a hora das histórias. Eu me lembro da minha própria infância, dessa hora mágica, que em minha casa precedia a hora de dormir. Como os meninos gostam de ouvir os avós contando histórias e em troca contam as nossas lendas brasileiras para eles, e outras mais que ouvem dos amigos na escola. 

                   Meu sogro também nos ajudou. O velhinho se apropriou do jardim. Transformou minha varanda em uma horta vertical. Agora temos até beterraba e cenoura e salsa e hortelã e sei lá mais o quê. Ainda bem que temos essa boa varanda. Lá bate sol, e os dois velhinhos se sentam todo final de tarde para assistir ao espetáculo que é o pôr do sol em English Bay. De manhã bem cedinho, eu por vezes surpreendo meu sogro quietinho por lá fazendo ginástica, ou minha sogra dançando. Ela foi bailarina quando moça, mas nunca abandonou a dança. Ela me mostrou buchaechum, que é uma dança popular com leques (ela me trouxe de presente dois leques muito lindos). Apesar da idade, o corpo dela é ágil e seus movimentos harmoniosos.
              Bem, o que posso dizer, os meninos estão felizes, eu e meu marido menos tensos, pois conseguimos organizar nosso trabalho em paz, os velhinhos se sentem úteis e as crianças estão encantadas com os maravilhosos avós. 

Ao final do dia, eu e meu marido nos juntamos a eles e ao invés de olhar as horríveis notícias de quantos morreram no noticiário da televisão, trocamos informações, trava línguas em todos os idiomas que conhecemos, cantamos, dançamos, brincamos, viramos mais crianças que as crianças. Ainda por cima, encontramos o jantar pronto e podemos provar as sobremesas que as crianças se orgulham de ter ajudado a fazer.

                    As crianças estão felizes e são tão comportadas como nunca imaginei que meus filhos pudessem ser.
             Meu marido me propôs pedir um Visa Parents de dez anos para meus sogros. Torço para que eles aceitem e a imigração permita.
                  Um dia desses, estávamos conversando sobre esses tempos estranhos que mudou o mundo.. Meu filho mais velho disse, com toda convicção de seus quatro aninhos:

             - Esse tempo para mim será o melhor de toda a minha infância, pois tenho meus pais em casa bem pertinho de mim o tempo todo, eu brinco o dia inteiro como nunca brinquei antes, aprendo muita coisa, muito mais do que quando estava na escola, eu falo três idiomas bem direitinho, não falo, mãe, sou um, como é que se diz, um po li glo ta…
                  Rimos muito. Adoro ter meus queridos filhos poliglotas praticando matemática com ábaco, pois meu sogro foi professor de matemática, praticando línguas, desenhando, dançando, cuidando das plantinhas, sempre alegres e participativos. Somos uma família multicultural nada convencional, tenho de confessar.

                  Enfim, esse será um tempo para sempre lembrado como um tempo de felizes desafios a serem superados com sabedoria e bom humor.


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