Daqui alguns dias irei voltar ao trabalho e reflito sobre o impacto disso no meu viver. Em um mundo onde o relógio dita mais que as horas, onde a vida é medida em dias úteis e finais de semana, uma reflexão se impõe com a força de uma incomoda verdade: o trabalho, essa engrenagem central da vida moderna, degenera o ser humano. Cinco dos sete dias da semana são dedicados a ele, em um compromisso quase sagrado, mas que é uma verdadeira profanação do bem estar das pessoas.
Sob a grande pressão de executar atividades muitas vezes irritantes e cansativas, o homem se vê aprisionado. O lazer se torna um luxo raro, quase uma utopia diante do produzir cada vez mais frenético. Se faz do período de descanso o "ócio criativo" - instante em que o trabalhador ao invés de descansar fica refletindo em pleno domingo sobre ações que possam potencializar suas atividades laborais.
As horas de descanso e convívio com a família se esvaem entre mensagens nos smartphones, perdidas em meio a uma maré de compromissos. A vida agora capitaneada pelas vozes dos patrões ecoadas virtualmente, com sua alta demanda e ritmo frenético de tarefas protocolares, apresenta-se como uma realidade alienante, sufocante.
Essa alienação se manifesta no modo como muitos vivenciam o trabalho: como máquinas, títeres da pressão causada pelo desemprego. Há uma constante ânsia por progresso, uma corrida incessante para subir degraus nas hierarquias, para acumular capital, como se a construção da existência se resumisse a tijolos de trabalho empilhados uns sobre os outros. O viver, que deveria ser priorizado sobre ações e tempos prazerosos, transforma-se em um ciclo vicioso de repetição e esvaziamento.
Na mecânica diária de cumprir horários, bater metas e enfrentar o trânsito, esquecemos o que significa ser humano. A humanidade que há em todos é lentamente substituída por uma versão automatizada de nós mesmos. Tornamo-nos, de fato, máquinas - alinhadas não com sonhos ou aspirações, mas com a fria realidade de produzir e consumir.
Esse processo de mecanização não apenas nos distancia dos instantes mais prazerosos no cotidiano, mas nos aliena da compreensão de que há mais na vida do que o trabalho. Na busca incessante por eficiência e produtividade, perdemos de vista o valor imensurável do tempo gasto com aqueles que amamos, da satisfação encontrada em momentos simples, da riqueza que reside na contemplação e no ócio criativo.
Diante desse espelho que reflete uma existência desgastada pelo trabalho, cabe-nos questionar: até que ponto estamos dispostos a sacrificar nossa humanidade em nome de uma realidade que nos transforma em meras engrenagens de um sistema maior?
É sempre tempo de reavaliar prioridades, de buscar um equilíbrio que permita não apenas sobreviver, mas viver verdadeiramente. Afinal, a nossa humanidade reside na capacidade de sonhar, amar e criar – atributos que nenhuma máquina, por mais avançada que seja, poderá replicar.
Por isso sempre mantenho a postura crítica em relação aos excessos vivenciados no ambiente de trabalho com o sentido de aliviar as pressões físicas e mentais vividas. E nas noites e finais de semana, o que faço? Nada de pegar em coisas relacionadas ao trabalho e nem de pensar no mesmo. É viver o ócio prazeroso no degustar de um vinho, no almoço com a família, no conversar com a mulher amada, no jogar um game, no assistir o meu Botafogo... Enfim, arejar a mente e recarregar as baterias da existência ante a coisificação causada pelo trabalho.
16.02.2024