Quilombo, resistência ontem e hoje.
Ricardo Evangelista -História e cultura afro-brasileira
Eu peço licença agora
Pra relatar em cordel
Histórias dos tristes trópicos
Mostrada nesse painel
Sobre a diáspora negra
Descrita com meu pincel.
Com a bênção dos mais velhos
E a bênção dos ancestrais
Eu rimo com as sextilhas
Faço versos naturais
A vida da negritude
De lutas fenomenais.
Ninguém nasce como escravo
Nos torna escravizado
Hierarquizar qualquer raça
É pensar ultrapassado
Toda pessoa nasce livre
É direito conquistado.
Dissemos etnocêntrico
O olhar colonizador
Ter somente uma visão
É fazer feito opressor
Que o negro fale do negro
Respeitando seu valor.
Ninguém é mais que ninguém
Nossa mãe África é berçário
Inferiorizar os outros
É mais um erro primário
Cada qual tem sua cultura
Cada língua um dicionário.
Por isso vou dando a letra
Falando no papo reto
Negro foi mercadoria
Naquele tempo abjeto
Milhões foram traficados
Como se fossem objeto.
Tá provado em documento
O comércio dos africanos
Dentro de navios negreiros
Com os tratos desumanos
Alguns que se suicidavam
Pra libertar noutros planos.
África não é um país
África é continente
Que trouxe a sabedoria
E mão-de-obra pro batente
Retirados de sua terra
Pelo europeu prepotente.
Preparem os teus ouvidos
Que nós vamos te lembrar
Quando poeta solta o verbo
Até a pedra vai voar
De malungo pra malungo
Rimando sem arregar.
Atravessando no Atlântico
Morreram na travessia
Alguns morreram de açoite
De banzo e melancolia
O vento varrendo o mar
O sangue era a maresia.
No século dezesseis
Da expansão comercial
Africanos no Brasil
Engordavam o capital
A fábrica de moer gente
Disse Darcy genial.
Etnias, as mais variadas
Famílias todas vendidas
Homens, mulheres, meninas
Fome, algemas e feridas
Os senhores dos engenhos
Contabilizando vidas.
Em resposta dos maus tratos
Em resposta à violência
Os negros organizados
Forjaram a resistência
Rebeliões e as revoltas
Aconteciam com frequência.
Assassinaram colonos
Que mandavam nas fazendas,
Tocavam fogo na roça
Corajosos nas contendas
E fugindo para as matas
Escondendo-se nas fendas.
Quilombo é muita luta
Quilombo é irmandade
Quilombo é resistência
Braços de fraternidade
Quilombo é alforria
Um grito de liberdade.
Onde tivesse um pilão
Era sinal dos fugidos
Pelos senhores de escravos
Eram todos perseguidos
Torturados até a morte
Condenados e feridos.
Trabalhar de sol a sol
Depois, dormir na senzala
Comendo pouca comida
Sem o direito de fala
Lidando com a lavoura
No fogão, na cama e na sala.
Acolhiam índios e brancos
E todos os rebelados
Lá pra Serra da Barriga
Foram os inconformados
O quilombo dos Palmares
N´Alagoas, instalados.
Tinha manifestação
Lúdica e religiosa,
Com a música e com dança
A comida saborosa
Gente bastante guerreira
E gente bem generosa.
Os quilombos se espalharam
Na América da rebeldia
E ganharam outros nomes
Fortes contra a tirania
Cimarrones e Palenques
Nas vozes da escravaria.
Também em Minas Gerais
A revolta floresceu
Teve o quilombo do Ambrósio
Lá onde muita gente viveu
Sociedade de homens livres
Sendo o nome que se deu.
Na terra do mineral
Do metal e diamante
Nos morros e nas montanhas
A rebeldia foi constante
O movimento do negro
Esteve muito atuante.
Com tanta contestação
E atos revolucionários
Criaram Lei do Ventre Livre (1871)
E a Lei dos Sexagenários
O negro não foi passivo
Teve sonhos libertários.
E forçando a abolição
Lei de Princesa Isabel (1888)
Lutaram os ex-escravos
Contra o racismo cruel
Hoje permanece o negro
A sua causa tão fiel.
Racismo é um legado
Que nós todos ainda temos
A abolição é tão falsa
Nós negros já bem sabemos
Falta romper a barreira
E construir o que queremos.
Por toda frágil República
O negro não parou de lutar
Com o teatro de Abdias
Que bem sabia protestar
O movimento vem crescendo
No modo de organizar.
Mais outro marco importante
Na história dessa nação
Foi a forte presença negra
Na nossa constituição (1988)
O movimento do negro
Colocou sua condição.
Racismo tornou-se crime
E que é imprescritível
Uma conquista de todos
Um novo portento incrível
Mas a matança de jovens
Segue de forma terrível.
Temos quilombos urbanos
Com as pessoas brasileiras
São em torno de cinco mil
Com fé e forças guerreiras
Belo Horizonte tem três
Manzo, Luízes, Mangueiras.
Coordenado por mulheres
Com a grande dona Wanda
Mangueiras tem tradição
Por lá a luta sempre anda
No Manzo com mãe Muiandê
Que desfaz bem a demanda.
O Quilombo dos Luízes
Há meio século resiste
Pois são cento e vinte anos
Na peleja o povo insiste
Com festa, fé e labuta
O negro não fica triste.
E tudo isso são bons frutos
Do Estatuto da Igualdade (2010)
Junto com a Lei de Cotas (12.711 de 2012)
Dentro da Universidade
História e Cultura negra (Lei 10.639 de 2003)
Mostrando a diversidade.