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Quatro da tarde

Bruna Eduarda
set. 7 - 4 min de leitura
010

"tic"...

Quatro da tarde.

São quatro da tarde, mas a estaticidade do agora faz parecer duas. Que se assemelha, também, com quando foi três. Com o olhar despretensioso de quem passa pelas horas sem percebê-las esvaírem-se, emolduro a tela que para mim se apresenta. Tenho sorte de sentir o verde, que vibra ainda mais sob a chuva. Mistura-se a ele o cinza, inquietante. Não aquele cuja nuvem de sujeira entristece, mas esse, que instiga, incomoda, e então, dolorosamente, purifica. O enuviado do céu espelha o da mente, traz à tona a confusão que a rotina sempre escondeu. Num piscar sonolento, sinto passearem os olhos pela vida de outrora. Estudo, trabalho, casa, estudo, trabalho, casa, repetir. Volto a mim, e lamento. Lembro-me da tal rotina que certa feita planejei: tão distante parece agora. O lamento, todavia, não se dá pela interrupção do modo automático de antes, mas pelo tempo impensado gasto nele, e só nele.

Percebo a tela tremular e pisco novamente os olhos, na tentativa de limpar a vista. Estendo a mão e sinto gélida a gota que me alcança. Estremeço. Há tempos não parava para apenas contemplá-la - a tela. Sensorial e de perfeito acabamento. A moldura, uma janela antiga de madeira, acolhe tudo em um acalento singelo: parece lar. O ser pintor faz-se incógnita digna de inúmeras crenças. 

Diante da beleza petrificante do natural, sempre ali e tão poucas vezes apreciada, incomoda-me o silêncio. Ensurdecedor. Angustiante. Daqui ramificações se fazem válidas e pertinentes: o silêncio do estar só, o silêncio da multidão, o silêncio do temeroso desconhecido que leva consigo alguns de nós, e o silêncio do já costumeiro não agir. Embora, a priori, pareçam paradoxais, não o são. Os dois primeiros se atravessam. A aparente companhia dos muitos solitários foi, de abrupto e sem aviso, interrompida, permitindo a presença inoportuna e inevitável do grande vazio que nos habita. 

O silêncio é, portanto, profundamente relevante no processo transcendental pelo qual estamos todos, de uma forma ou outra, passando. A autodescoberta do existir para si. Quem sou eu quando ninguém mais vê? Como lido com a minha companhia? Nesse silêncio, acredito que você também tenha entendido: é impossível fugir da sua. 

Paira por entre o enuviado cinza e verde do meu campo de visão estas e tantas outras indagações. Exclamam de dentro os anseios que há muito decidi calar, por não ser a hora, por não ser adequado.

Até quando sufocarei tudo com a minha voz monótona de segunda a sexta?

E quando a segunda parecer o sábado e o domingo parecer todos os dias, com que voz sufoco? De repente, pego-me aos berros, na tentativa de calar os pensamentos que persistem em gritar.

Fecho a cortina e a tela esvai-se como as horas, como eu. Fujo dos espelhos e escondo-me por entre cobertores para que tudo isso acabe. São poucos dias, disseram. Apenas mais um mês. 

Cinquenta mil mortes...

A respiração entrecortada, aos tropeços, estanca para que se ouça o noticiário.

Cem. Cem mil. Mães, tios, filhos, avôs. Apreciadores de arte, jogadores de carta, musicistas de garagem. Quem foram? Números. Cem mil. Mortos.

Abro a boca, exasperada, na busca de um sopro além do que meus pulmões aguentam, pois sinto que apenas isso não me basta. Nada entra, nada sai. Apenas o silêncio e o vazio. Apenas eu. 

Quatro e cinco da tarde.

"tac"...


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