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Quarentena: lições para a vida

Quarentena: lições para a vida
Marcia Nascimento
dez. 30 - 4 min de leitura
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Essa ainda não é uma história com final feliz. Na verdade, esse ano com trezentos e sessenta e seis dias teve uma brusca pausa bem no começo e está se recusando a ter um desfecho antes que o ano-calendário termine.

Portanto, o desfecho dessa história chamada 2020, vai ficar para ser contada outro dia. E eu espero que neste dia, você possa perceber pela minha escrita, um belo sorriso nascendo no canto da boca.

 Por enquanto, para hoje não tem sorriso gostoso de comercial de margarina. Estou triste. Gostaria de dar muitos beijos e abraços, viajar e ir à praia com tranquilidade. Não vou romantizar um ano que trouxe tanto sofrimento para tantas pessoas: que perderam amigos, parentes, amores, empregos. Mas por outro lado, também não vou esquecer de tudo que tem nos mantidos a salvo até agora: amor, esperança e fé. Além de todas as lições que aprendemos com bons exemplos e com os maus.

Deixe-me explicar:

Sou uma pessoa com espírito livre e alma nômade e inquieta. Sempre busquei desafios e desassossegos. A rotina me entedia a um ponto que nem sei explicar. Viajar, conhecer gente, tentar estar presente em vários eventos e na vida das pessoas amadas e se desdobrar para ter tempo e dar atenção a tudo e a todos, o inconformismo com tudo que me incomoda...tudo isso sempre me moveu. E eu gosto.

Até que de repente, em março tudo simplesmente parou. As viagens, os eventos, os abraços...tivemos que ficar em casa e sobreviver.

Ficar em casa...sim, eu quase surtei. E num momento de quase surtar, eu vi que precisava olhar para dentro. Da minha casa e de mim.

Quando eu entendi que era hora de dar uma pausa em tudo e cuidar da família, eu pude conhecer melhor a minha família: inclusive meu filho, que estava acostumado a me ver só aos finais de semana desde que nasceu. Descobri que sou mãe de uma criança incrível.

Pude reconhecer melhor quem eu achava que era meu amigo e não era mais e quem como eu, precisou se afastar para poder sobreviver e cuidar dos seus.

Também fiz novos amigos, pessoas a quem anseio poder rever e sentir o calor do abraço e a força no aperto de mãos. Tenho esperança de que esse dia vai chegar. Sei que eles também têm.

Cultivo a minha esperança mantendo cuidado e acreditando que todos os cuidados que cultivamos neste período são atos de responsabilidade: conosco, com os que amamos e com aqueles que nem conhecemos.

Tenho aprendido que a fé tem mantido muitas pessoas sãs e esperançosas. E apesar de ser um túnel bem longo, existe luz no final dele.

E apesar de ser um momento em que a poesia nos falta muitas vezes, seja pelo medo ou por raiva de quem desrespeita ou ignora a dor alheia, eu não quero permitir que sentimentos ruins dominem o que tenho de bom. Lá na frente eu quero olhar pra trás e ver que aprendi a lição:

Aprendi que se não posso ir lá fora, posso aproveitar e para ir dentro de mim.
Aproveitei esse momento inédito para repensar o quanto deixei de me olhar, de me cuidar, me priorizar, me ouvir, me posicionar.
Vivemos num ritmo automático, mecânico. Estar sempre ocupado é confundido com ser produtivo.
E a palavra da moda era correria. Para onde corremos? Nem todos sabemos.
Produzimos muito para os outros e pouco para nossas biografias.
Não enxergamos, só olhamos. Não escutamos, só ouvimos.
Não nos apaixonamos, nos entretemos.
Não nos conhecemos com profundidade. Ficamos na superfície das coisas e das pessoas.
Não fazemos companhia, compartilhamos solidão.
Não nos conhecemos, fingimos conhecer.
Não nos conectamos, fazemos marketing pessoal.
Não enfrentamos; aceitamos ou desistimos.
Não procuramos quem gostamos, mas gastamos a palavra saudade em vão.
Não degustamos a vida, sobrevivemos aos dias, mesmo a vida valendo muito apena - “embora o pão seja caro e a liberdade, pequena”.

Aprendi que é tempo de retornar à própria casa, à mim e a me redescobrir.


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