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PALACIOS DE GELO

PALACIOS DE GELO
Clávio Jacinto
jan. 28 - 9 min de leitura
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Poderíamos falar sobre o obituário do Everest, mas resolvi me atentar sobre os palácios de gelo que foram construídos além ilha astral. A terra era outrora um campo de rosas e trigos, as afluentes dos rios recebiam as chuvas que os mares doavam todas as épocas do ano. Poderíamos chamar aquela época de a era do pão. Tal era a abundância das terras paradisíacas por trás da mortalha do presente mundo que presenciamos. Não sei se estávamos a deriva de um “armagedom” ecológico, mas sei que um caos frio se instaurou nos poucos humanos, alguns vivendo na Escandinávia, outros sobreviventes na ilha astral, um pequeno arquipélago situado ao sul da patagônia, reduto e abrigo de um remanescente da civilização que morria, tornava-se essa história supostamente tão mítica, quanto  a Atlântida dos gregos.  A ilha astral tinha um rei, o monarca regia um reino pequeno, poucos homens sobraram da catástrofe, quando a civilização estava se corroendo desde o centro, não dando importância devida às águas purificadas e os cereais matinais do outono, muito menos ainda davam importância para a fonte da respiração do planeta: as árvores. A demanda de uma grande prosperidade que se estendia por colônias espaciais, cidades satélites aos milhares, flutuavam ao redor do planeta, dinheiro em espécie precisavam ser fabricados, bilhões de pessoas precisavam do papel, e na terra as árvores precisavam assumir a missão de dar celulose para que os mais altos objetivos dessa odisseia pudessem ser alcançados. Era épico, mas as cidades precisavam de móveis,  a dependência da madeira era uma realidade indiscutível. Mal diagnosticavam que aquelas lindas cidades brilhantes que flutuavam na atmosfera era o começo de um fim trágico. A vida épica breve dessa civilização tecnocrata teria um fim, mas o processo da destruição era lento, um apocalipse em degraus, uma catástrofe por etapas, e a avareza e o conforto serviam dos mais sofisticados paliativos anestésicos de consciência, a avareza e o orgulho tem sido pólvoras espirituais que explodem a essência da humanidade. O morrer da sensibilidade é sempre o começo de uma tragédia terrível, e a história dos palácios de gelo eram testemunhas vivas do fato aqui narrado.

 

As precauções não foram tomadas, os homens orientais e ocidentais mais e mais se enriqueceram fabricando dinheiro e móveis para o povo das cidades satélites, que cresciam assustadoramente no espaço, a madeira era a matéria-prima ideal para a construção das casas nas cidades que eram protegidas por uma abobada de cristal. Quando deram conta da situação, o planeta estava vazio e devastado, a queda foi brutal, embora a decadência fosse imperceptível. Havia sim alguns poucos homens que protestavam nas praças quanto à matança de animais para a exportação das peles, o processo de envio às fábricas de roupas das cidades satélites, as comunidades do espaço eram prósperas, a riqueza era abundante, o oxigênio que ia para as cidades eram canalizadas da terra, por tubulações aéreas, que subiam até as cidades satélites, esse oxigênio era gratuito, um direito de cada cidadão planetário, seja ele terrestre ou não, todos faziam parte de uma comunidade global.

A razão principal do colapso do sistema planetário foi a falta de sensibilidade movido por uma ganância extrema de uns e o conformismo de outros. Quando as florestas foram reduzidas a arbustos centrais chamadas de “neo-oásis” um processo catastrófico de desequilíbrio começou a surgir na natureza, a fumaça ficou espremida em baixo, junto aos continentes que se tornaram terrenos baldios, o oxigênio das cidades satélites começou a diminuir e o povo de cima teve que imigrar para a terra,  em sua descida viram as filhas da terra e tomaram-nas para si, numa política de poligamia e poder de influencia para terem os favores dos homens da terra, mas as coisas estavam em ruínas aqui embaixo,  a devastação e a morte das florestas produziu um efeito deserto que crescia e se alastrava como as chagas sobre a pele humana, e com elas, os homens foram reduzidos a poucos que disputavam os neo-oasis, mas não havia espaço para todos viverem bem, pois a fumaça apegada ao lixo como o ferro ao imã, fez com que os homens terrestres ficassem recuados a um espaço ínfimo, a descida dos homens de cima causou disputas e por fim eclodiu a grande guerra universal, primeiro porque eles queriam tomar posse dos poucos poços de água potável ainda não contaminados com o mercúrio e com toda espécie de dejetos que os homens das cidades satélites lançavam para os mares e terras, fato que foi descoberto muito tarde, pois esse crime era cometido de forma bem reservada, alguns da terra sabiam disso, mas recebiam grandes somas em subornos para permanecerem caladas perante o crime.  a grande guerra universal pela disputa dos vales férteis e dos neo-oasis que ainda restavam provocou uma grande carnificina, e matou a terça parte dos homens, doenças contagiosas agravaram a situação, a escassez de alimentos tomou conta dos povos continentais. As cidades celestes caíram, com elas vieram todas as estruturas que se espatifaram na terra, milhares de cidades das alturas caíram provocando incêndios devastadores e produzindo uma espécie de “fumaça-chumbo” que predominava por toda a terra.  A única alternativa era fugir para os lugares mais altos, pois essa fumaça pesada não subia para as alturas, mas ficava repousando sobre os mares já comprometidos e sobre os vales e lugares baixos, obstruindo a luz do sol e provocando uma condição infernal, impossível para a sobrevivência de homens animais e até mesmo bactérias e outros seres microscópicos. Os poucos que restaram foram chamados de remanescentes do “eco-armagedom” eram um povo misturado, entre homens das cidades satélites e homens da terra, desprovidos de equipamentos e matéria prima para construir suas habitações, tendo em mãos somente gelo em abundância, ainda existente nos cumes das mais altas montanhas do planeta, construíram palácios de gelo como lugar de abrigo e depósito de sementes para produzir os mantimentos necessários para a sobrevivência no caos planetário.

A vida humana tornou-se difícil, algumas poucas cidades satélites ainda permaneciam na órbita terrestre, algumas delas com as abóbadas quebradas, desprendiam pedaços e os mais terríveis que caíam eram cofres de cédulas em espécie do dinheiro daquela civilização. Muitos desses cofres de metais ao entrar na atmosfera explodiam, provocando uma chuva de milhões de cédulas, que os homens dos palácios de gelo recolhiam para fazer fogo ou usar como papel higiênico.

A vida se tornou monótona, os palácios de gelo eram frios, mas ainda mais frios eram os corações dessa gente que nunca cuidaram do planeta em que viviam, mas movidos por avareza, muita ganância e indiferença deixaram o planeta morrer. Não havia mais primavera, durante todo o ano, o que predominava era o branco, nenhuma espécie de flores sobreviveu ao cataclismo, apenas algumas espécies de grãos que com muito custo eram cultivados e precisavam de cuidados especiais para germinar e produzir frutos.

Nos palácios de gelo havia apenas uma arte, a arte de chorar, os pintores pintam seus quadros com tinta de lágrimas, o cenário triste era o assunto que nunca sai de moda, os poetas escrevem poemas de tristeza e desanimo, onde não há beleza, também não haverá inspiração. Os cantores cantam melodias de tristeza, saiam pelas praças tangendo harpas que choravam e provocavam choro em todos.  Os escultores esculpem pingos de lágrimas e os romancistas escrevem sobre a arte de chorar e morrer de tristeza.

A história dos palácios de gelo e a civilização aprisionada dentro dela, registrou todos os fatos que sucederam até a queda da civilização e a ruína completa, os vales e ilhas ficaram solitarios, a ilha astral foi devastada com a queda de uma cidade satélite, todos os seus habitantes morreram. Nos cumes das montanhas mais altas, podemos ver essas construções monótonas carregadas de névoas de tristeza, homens cabisbaixos tentam sobreviver nesse mundo de austeridades, alguns deles, arrependidos pela indiferença e a ganância, a fim de dar cabo a própria vida, despem-se e descem nus para o vale das sombras de chumbo, a fumaça mortífera que sepultou o mundo, e lá morrem asfixiados e envenenados.  Os palácios de gelo são um exemplo vivo, seus habitantes uma advertência, para que cada um de nós possa de alguma forma, despertar-se para a grandeza de que preservar a roseira do nosso jardim é bem melhor do que viver num palácio, principalmente se ele for um palácio de gelo.

 

 

 

Autor Clavio J. Jacnto

 

 

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