Direitos da Terra e dos povos tradicionais
Neste texto, compartilho um pouco de minhas reflexões de mundo baseadas em uma visão multidimensional das interações que permeiam as relações sagradas dos direitos da Terra na cosmovisão dos povos tradicionais. “A carta da Terra é um documento que foi redigido com a finalidade de garantir que os direitos da Terra e sobre a Terra sejam garantidos através de uma perspectiva não hegemônica e sim, inclusiva e participativa onde todos os seres sejam considerados como parte do todo integrado da grande Mãe Terra. O teólogo e membro da Comissão Internacional da Carta da Terra Leonardo Boff lembrou que o documento “é fruto da maior consulta que já se fez no mundo. Ela não veio das instâncias burocráticas, mas nasceu do grito da terra, dos quilombolas, dos indígenas, de todos os movimentos sociais do mundo”. A mãe Terra nos provê com todos os elementos necessários a nossa subsistência. Sem nos cobrar absolutamente nada por isto. Todos nós, como seres humanos, temos o direito inalienável de ter para nosso sustento neste chão, os recursos da Terra que são a água, o alimento, o solo, as florestas. Se estes recursos estão concentrados apenas nas mãos de poucos, isto de fato, gera crescimento econômico em termos de dinheiro. Mas, o preço é muito alto, pois empobrece os recursos naturais da Terra, e deixa nosso povo também empobrecido. Além do desmatamento desenfreado e da mineração nos rios causarem inúmeras doenças novas e desconhecidas que afetam a saúde e a vitalidade dos seres humanos. Pode parecer não existir nenhuma relação de interdependência entre os seres da terra pois, nosso pensamento não alcança a vastidão do infinito. Mas, as ações de um, nesse ponto do planeta se refletem de forma inexorável em outros locais do mundo que sequer conhecemos. O simples bater das asas de uma borboleta no Brasil pode causar um tornado no Texas, já dizem todos os cientistas e geofísicos sobre a importância de compreender essa relação intrínseca entre todos os organismos da Terra. Esse chamado Efeito Borboleta pelos pesquisadores, foi estudado e realizado por estes na Universidade College London e, posteriormente, publicado na revista Nature. Não é simplesmente mais uma teoria mas a constatação de que o efeito borboleta trata-se de uma fenômeno real para a ciência e inclusive, caracteriza-se como fator fundamental para o funcionamento de todos os órgãos do corpo humano. Nós somos um microcosmos inseridos e, em união, com este macrocosmos que é a Terra, e desde que essa relação seja respeitada o ser humano poderá viver bem, poderíamos arriscar a dizer em um verdadeiro Paraíso na Terra. Mas, se desrespeitamos esse fato, essa verdade, que é a própria natureza, as conseqüências para todos os seres, não somente para nós, os humanos, serão desastrosas. Com o advento do progresso nas tecnologias agrárias, as grandes corporações e detentoras do direito sobre as sementes e ao agronegócio tomaram conta do mundo e dos recursos naturais da terra. Isso está concentrando o poder sobre a vida( sementes), o poder econômico nas mãos de poucos e gerando fome e sofrimento na vida de um milhão ou mais de pessoas que não tem alimento. E outros dois milhões de pessoas tem alimento mas, estão adoecendo pois nossos grãos estão contaminados, nossa soja contém glifosato que já foi aprovado por algumas leis federais do Brasil, e muitas outras leis que preconizam que todos podem utilizar agrotóxicos nas plantações, sem conseqüências para nossa saúde, estão vigorando, hoje em dia. Nunca se viu tantas doenças como diabetes, obesidade e hipertensão, como nos tempos atuais. Os antigos não sofriam de tantas doenças porque viviam em harmonia com a natureza. Os alimentos deveriam ser uma fonte de saúde e de nutrição para todos os seres e não fonte de sofrimento e doenças. O direito a alimentação é um direito fundamental e comum a todos os seres. Garantir o alimento a todos é uma questão de justiça social. E produzir os alimentos de forma sustentável é o processo que garante alimentos saudáveis para todos. Se agirmos com consciência, podemos ecologicamente, produzir mais alimentos e sustentar a bandeira da agroecologia. Um movimento e uma disciplina que se iniciou em nosso país, o Brasil, e que foi reconhecida e tem sido praticada no mundo inteiro. Essa disciplina nos ensina que proteger a Terra que é relacionada a sustentabilidade ecológica e prover as pessoas justiça social podem ser feitas ao mesmo tempo. Essa equação de exploração dos recursos da terra está nos conduzindo a um desastre em nível mundial conforme estamos presenciando a morte de milhares de pessoas com essa pandemia do novo Sars Covid 19. É imprescindível a mudança dos paradigmas e das relações de consumo no relacionamento com a Terra. Na consciência dos povos ancestrais e tradicionais, nós não temos a terra, nós somos a própria Terra e nossos corpos estão colados ao corpo da terra. Por isso, em nossa cosmovisão não existe distinção. Não há essa dicotomia no pensamento. Somos partes integrantes da Terra e por isso, devemos cuidar e protegê-la. Tratando de não poluir, destruir ou acabar definitivamente com nossos solos, florestas, rios e montanhas. São eles que nos dão nosso sustento e alento, os peixes nos alimentam e aos nossos filhos, netos e bisnetos. Não queremos o nosso grande avô todo poluído, em coma e sem vida. Não queremos mais mineração no leito de nossos rios que contaminam todos os peixes que comemos. Queremos viver em paz e em conexão com as nossas raízes sagradas.”