Quando era criança, ouvia coisas tipo "essa menina é muito encabulada", "essa menina é muito quieta", "essa menina é muito tímida" e cresci compreendendo que isso era ruim.
Essa sensação aumentou quando, na adolescência, eu não me interessava muito por festas, nem por ambientes cheio de gente, nem por pessoas que "falam, falam e não dizem nada"* e sempre fui vista como uma menina esquisita.
Já adulta, via que as qualidades que as pessoas buscavam nas outras, especialmente no mercado de trabalho eram pessoas "extrovertidas, comunicativas, que falem bem em público", que eram coisas que me faltavam e comecei a buscar isso - fiz cursos de como falar em público, busquei a Arte, especialmente a música e o teatro (onde me encontrei e me apaixonei), mas em conversas com psicólogas, durante as terapias, ouvi uma delas dizendo "não existe ex-tímida, Dali. O que existem são pessoas que lidam melhor com as suas inseguranças".
"Então, eu não tenho salvação", pensei.
Dentro dessa timidez e introspecção, constantemente, vivem monstros em mim que me assombram, dizendo: "não está bom o suficiente. Você vai parecer ridícula. Você poderia ter feito muito melhor. Olha aí o defeito! Todo mundo vai ver!"
A Arte foi uma enorme libertadora, nesse sentido, pois despertou sensibilidades comigo e com o outro que antes, eu não tinha.
Não que os monstros tenham deixado de existir - eles ainda estão lá, mas agora, eu sento com eles para tomar um chá e acolho, perguntando "ok. O que houve dessa vez?"
E com o tempo, você aprende que essas características são suas e conforme crescemos, vamos nos lapidando e lidando melhor com elas.
Bem que aquela psicóloga me disse!
Estava acostumada a essa caraterística, que sabia que não ia agradar a todes e eis que surge uma reviravolta: a COVID-19.
Durante essa pandemia, tenho visto várias pessoas extrovertidas enlouquecendo por não poder interagir com outros, pessoalmente, ou sair de casa e o que era um "defeito", eu passo a ver como uma centelha positiva num momento trágico como esse, porque como estamos interagindo pouco, fisicamente, estaremos num contato muito maior com nós mesmas e essa intimidade nem sempre é tranquila ou agradável, mas pode se tornar.
Escutar a si mesma pode ser algo extremamente difícil para algumas pessoas, principalmente, as que possuem aspectos mais extrovertidos, pois essas características têm a ver com a forma no qual relaxamos - os introvertidos descansam quando estão sozinhos e os extrovertidos, quando estão rodeados de pessoas, o que é algo mais difícil de fazer em tempos como esse, em que devemos evitar aglomerações.
Algumas pessoas dispõem dos recursos tecnológicos, mas, mesmo podendo manter esse contato a distância, nada substitui o contato humano.
Lembram-se dos monstros? Todes nós os possuímos e é nesse período de vulnerabilidade que eles atacam com mais força e não adianta brigar com eles - tem que acolher e saber o motivo dessa "revolta" toda.
Isso é autoconhecimento.
Isso é solitude, que é o maior e melhor presente que podemos nos dar em situações como essa, cuidando de si e dos outros, para que no futuro, passada a pandemia, possamos matar as saudades com grandes abraços e o toque, cheiro e calor da pele humana.
É até curioso ver que existem cursos e guias que ensinam como ter alguns traços mais extrovertidos, para quem é introvertido, mas dificilmente, eu vejo guias que ensinam o contrário.
Seja lá qual for a sua característica, mergulhe para dentro, veleje em suas ondas e contemple a beleza dos seus profundos mares internos, que te fazem única(a) e como é bom reconhecer os nossos pontos mais fortes e os mais fracos.
O mar não é só água - ele também tem espuma, sais minerais e ele carrega também os grãos da areia sob ele, além de abrigar a vida e os seres mais incríveis e até assustadores.
Assim também somos nós.
Não existe um oceano igual ao nosso.
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* Só para fechar "com chave de ouro", uma música que apresenta uma forte característica dos introvertidos - somos bons ouvintes e não falamos à toa. Com vcs, "Fala", dos Secos e Molhados.