O mestre interpelou o discípulo:
- Você concorda, pequeno aprendiz, que o que existiu uma vez sempre existirá?
- Concordo, mestre.
- Então me cite um exemplo, pequeno aprendiz.
- A nossa própria existência, mestre.
- Sim, continue...
- Sabemos por dois vieses que não morreremos jamais, apenas nos transformaremos.
- E quais são eles?
- O da religião e o da ciência.
- Explique.
- A ciência diz que somos poeira de estrelas, a religião complementa que viemos do pó e ao pó retornaremos.
- Mas, pequeno aprendiz, você acredita realmente que sou apenas essa matéria que vos fala. Se eu me atirar daqui, desse precipício, o que você encontrará lá embaixo ainda continuará sendo este seu mestre?
- Não entendo, mestre, onde o senhor deseja chegar.
- Do pó ao pó. A matéria pertence à matéria. Somos, entretanto, mais que simples matéria. A minha consciência existe. Quando ela não mais pertencer à matéria que lhe prende, onde ela continuará existindo? Se você mesmo acordou que o que existiu sempre existirá.
O discípulo disse que sim, que sendo assim, assim seria. E então se calou.
A tarde já ia cedendo espaço a escuridão quando ele resolveu acender a lamparina. E uma ideia como a chama acesa lhe acedeu. Levou a lamparina até ao superior e disse:
- Mestre, vês esta chama?
- Sim, isso é tão claro tanto quanto ela pode iluminar.
- Então a chama existe?
De repente o mestre se calou.
O discípulo compreendeu que chegara onde quisera. Mesmo assim continuou:
- A chama existe e sempre existirá. Então para onde ela irá quando eu a apagar agora. – e apagou...
- Irá onde for preciso aplacar outra escuridão - respondeu o mestre.
- Mas não será a pequena chama desta lamparina.
- Então a reacenda, pequeno aprendiz, pois os mosquitos já estão consumindo esta pequena matéria que ainda sustenta esta chama inconformada.
(do volume: "A Criação do Temor e outros contos")