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Nem aqui nem na China

Nem aqui nem na China
Nilva Moraes Ferreira
out. 17 - 5 min de leitura
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Neste momento de pandemia, resolvi voltar para a fazenda, com o objetivo de ficar mais isolada das pessoas, pelo fato de eu e meu marido sermos do grupo de risco. E resolvi, então, 'juntar o útil  ao agradável', e fui reinventar -  resgatar o quê foi vivido pelas gerações passadas, buscando, no meu passado, ainda, preservado e de outras pessoas, utensílios e hábitos da realidade de outrora. E fui reconstruindo, através da fotografia, um tempo que ficou para trás... 

Época que não existiam rodovias asfaltadas, luz elétrica, água encanada, planos de saúde, aposentadoria, telefone, e um "monte de coisas" que a tecnologia e a eletricidade facilitaram a nossa vida.

Interessante... que, embora, tenha sido um trabalho duro, as lembranças mantém preservadas na minha mente e das pessoas que viveram, como se estivessem congeladas; nos permitindo, além de  passar conhecimentos e mostrar práticas aos jovens e crianças, homenagearmos também àquelas mulheres e homens que aqui viveram e, ainda, vivem, sem reclamar.

Tempo de vida difícil, trabalho grosseiro, pesado, realizado sob o sol escaldante ou chuva, proveniente da falta de maquinários e eletrodomésticos, e por isso, as famílias tinham que  preparar a terra com os próprios braços, plantar e colher para tirar o seu próprio sustento e dos familiares.

Família essa oriunda das classes menos privilegiadas de diversas partes do país. Que, embora vivessem de forma precária - muito sofrimento, muito trabalho, falta de acesso a quase tudo, aínda, vivem e trazem registrado em suas memórias, nítidas lembranças, até saudosas, por incrível que pareça, de cada atividade e momento que aqui passaram. 

E... fazem questão de contribuir; e, nos fazem de forma tão carinhosa e expressiva, estabelecendo, desse modo, uma relação importante de informação do passado, do jeito que viviam, às gerações novas que não viveram e não conhecem nada de outrora.

São imagens que, além de revelarem parte do externo,  das residências paupérrimas, das vestes surradas e a pele queimada pela vida exposta à lida com a terra e com os animais...revelam também a história de um povo forte, que vivia na terra e da terra. Que ali enterrou o seu umbigo, no mourão da porteira, com a esperança de ser rico, e não sair dali jamais!! 

Povo, que logo cedo, pedia aos pais, tios e avós as suas bênçãos, que respondiam" com um "Deus te abençoe". Que jogava o dente mole, no telhado, e dizia: que daria um dente podre para ganhar um são. Que cobria o espelho em dias de chuva. Chuvas que eram verdadeiras tempestades. Tantos trovões e relâmpagos! Não tinha esse  "filho de Deus" que não pegava a sua Bíblia ou o seu Evangelho e orava até a chuva cessar.

Esse foi o meu povo, que podemos chamar de nosso! Povo simples e ordeiro, que trabalhava de sol a sol, carregando a enxada ou a foice sobre os ombros; plantando ou colhendo para o próprio gasto. Mulheres que lavavam roupas nos córregos, com sabão de "bola" ou de dicuada. Que catavam o feijão sujo lá da roça de "toco", para cozinhar no fogão a lenha, que pegavam lá no mato para cozinhar a comida, nas panelas pretinhas de carvão, que devido ao cheiro de fumaça deixava a comida defumada, e por sinal muito gostosa.

Povo que tinha os pés parecidos uns "cascos"... meu avô paterno não conhecia nem dinheiro... gostava muito de caçar, andava descalço pelo mato, e não se espetava seus pés com nada, que eu me lembro, não reclamava. A mão parecia mais uma lixa... lembro de meu pai e tios... mãos grossas de calos da lida manual com as ferramentas.

Que fumava cigarro de palha, e não tinha medo de ficar doente, embora soubesse que podia causar tuberculose, doença que naquela época matava. Mas não tanto quanto este tal Covid 19, que já vitimou milhares de pessoas.

Pessoas que com quarenta e poucos anos, já eram chamados de senhor e senhora. Na verdade, o trabalho de sol a sol, o frio de rachar, sem nenhum cuidado com a pele, não tinha quem não fosse castigado. 

Hoje, como dizia a minha avó, embora, "hoje, temos quase tudo... basta comprar..., ainda, reclamamos que a vida é difícil". Eh, a minha avó tinha razão, por um lado, mas por outro,  hoje, enfrentamos problemas inimagináveis, um deles é esse tal Corona vírus, que até agora, não encontramos uma solução "nem aqui nem na China", infelizmente. 

Expressão antiga, muito usada, quando queriam referir a algo impossível, ou seja, uma comparação entre dois lugares com diferenças extremas tanto de comportamento/cultura e tecnologia. Como se lá fosse o lugar possível de encontrar tudo.
E aí leitor, "qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência" ou não?


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