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Legalização do aborto na Argentina e a legião de brasileiros ressentidos que a seguiram

Legalização do aborto na Argentina e a legião de brasileiros ressentidos que a seguiram
Dan Cabreira Jardim
jan. 4 - 4 min de leitura
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Pra mim a definição de ranço é o sentimento que eu tenho para com as pessoas "pró-vida" que decidiram eclodir seus casulos e saírem borboletando regras morais à quem deixar o ouvido de bobeira. Vamos começar do começo: 30 de dezembro de 2020 o Senado da Argentina aprova o projeto de lei de legalização do aborto nas primeiras 14 semanas de gestação. Antes disso a legislação argentina era semelhante à nossa (o aborto só é legal caso a mulher tenha sido estuprada ou a gestação represente risco à mãe). Essa mudança significou para as mulheres argentinas uma enorme mudança de paradigmas de saúde pública e democratização do acesso ao aborto - prática essa que já era comum às camadas mais privilegiadas com acesso a clínicas clandestinas que cobram fortunas para o procedimento -. Até aí tudo bem, o problema é o que veio depois. 

Logo depois da notícia ser divulgada pelos principais canais de notícia do Brasil, uma legião de comentários contrários ao projeto começaram a aparecer nas mídias sociais. Homens e mulheres que ficaram pessoalmente ressentidos com o fato e decidiram - com suas próprias palavras - "boicotar" nossos hermanos argentinos. O que na realidade só significou, na maior parte dos casos, um monte de postagens mal escritas e de cunho absolutamente religioso ou moral  por parte dos brasileiros. 

Daniele Oliveira, 19 anos, católica comenta assim: " Argentina aprova o aborto. Mas não vamos nos render, continuamos a lutar pelas duas vidas, da mãe e do bebê." Esse comentário por si já renderia uma tese de mestrado. Quem são as pessoas que não vão se render? Render a quem? Por que prezam tanto pelo potencial de vida de um aglomerado de células mais do que prezam pelo bebê quando nasce? Veja, eu não estou aqui desmerecendo a necessidade de conversar a respeito desse tema. Só não entendo porque os auto cunhados "pró-vida" só se importam com o feto até a data do nascimento e depois disso é cada um por si. Ninguém liga para o que vai acontecer com essa mãe que foi obrigada a dar luz sem estar preparada ou mesmo sem o menor desejo de ter aquele bebê naquele momento. Com a desculpa da existência dos métodos contraceptivos humilham as mulheres que pretendem abortar e condenam o bebê a nascer num ambiente no qual não é desejado e muitas vezes causam sequelas sociais irreparáveis. 

"Um bebê é uma benção", dizem. E eu concordo. Outra benção é ter pais responsáveis e dispostos a encarar as dificuldades que se tornar pai de alguém impõe. Esta tarefa já é suficientemente difícil quando se deseja muito um filho, oxalá quem nem esse desejo tem... 

Infelizmente há muitas pessoas que enxergam o mundo de forma míope e bifurcada em dois caminhos, do bem e mal. Certo e errado são quase sempre fruto da perspectiva que se adota (geralmente extremamente elitizada) e esse argumento é velho. É uma crítica que Nietzsche levantou ao pensamento platônico em 1881 e se mantém até hoje. 

"O juízo bom não provém daqueles aos quais se fez o bem. Foram os bons mesmos, isto é, os nobres, poderosos, superiores em posição e pensamento, que sentiram e estabeleceram a si e a seus atos como bons, ou seja, de primeira ordem, em oposição a tudo que era baixo, de pensamento baixo, vulgar e plebeu” – Nietzsche, Genealogia da Moral, primeira dissertação. 

Pra terminar o texto de uma forma positiva gostaria de dar meus parabéns às mulheres argentinas pela sua luta e conquista. Que o exemplo da nossa pátria vizinha sirva para, pelo menos, levantar ambientes férteis de discussão e análise. Haja visto que pelo teor dos comentários ressentidos nas redes é mister que esse tipo de discussão aconteça de forma honesta e plural aqui no Brasil. 

 


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