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Lavar de mãos

Hirlary Nakagaiche
nov. 19 - 2 min de leitura
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Senti-me em um capítulo fatídico de uma obra de ficção científica. Era o contrário de uma utopia. Por volta das sete da noite, me pus para fora de casa, como há muito tempo não havia feito. O espaço externo já me era estranho. De repente, me deparei com homens completamente cobertos, com roupas que não sei dar nome, mas que sabia para que serviam. Macacões brancos  que abarcavam um vidro para proteger o rosto. Em suas costas, algo contendo um líquido para higienizar a rua. Sim, a rua estava contaminada! E era esse o pior dos medos.

 

Apesar de tudo isso, havia pessoas nas calçadas, como se estivessem a prestigiar a pulverização, encarregada da tentativa de matar algo que nos era tão nocivo. Sentíamo-nos, enganosamente, protegidos pela geografia, ainda que assolados por uma pandemia que se iniciou do outro lado do mundo. 

 

Adotamos novos rituais. Retiraram-se os abraços e apertos de mãos. Inventou-se um novo cumprimento: o toque entre cotovelos. O modo de lavar as mãos modificou-se. Quando fora de casa, o sentimento era de impureza.  Para adentrar os lares, tiravam-se os chinelos; as máscaras; as roupas. Álcool em gel era insuficiente diante de tamanho pavor. O banho se fazia muitíssimo necessário antes do contato com os nossos. A dicotomia de estar dentro ou fora tornou-se fronteira mais visível que nunca.

 

As máscaras eram poucas; entraram em estado de escassez graças ao pânico causado pela ascensão do Coronavírus. Aos que ainda se isolavam, restava apenas as telas: dos computadores, televisores e celulares. E, desse modo, acompanhamos os boletins com os dados de contágio. A cada dia, via-se aumentar os infectados.  Os mortos já não são preocupantes, exceto quando o número corresponde a um nome, mais especificamente, a um sobrenome que coincide com o nosso.

 

E quando as máscaras voltaram às farmácias, parecia-me não chegar aos rostos. Nesse misto de medo e descaso, seguíamos as vidas. Não se tiravam mais os chinelos ou as roupas antes de entrar em casa. Se antes era preciso banhar-se por completo, agora, lavava-se as mãos, simplesmente. Não só no sentido literal.  

 


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