O isolamento me obrigou a passar mais tempo comigo e, assim, inevitavelmente, eu comecei a me analisar. Mergulhei em mim e me senti rasa e, o que eu via no espelho não me agradava.
Resolvi então começar a minha transição. Primeiro por fora e, depois por dentro, porque essa aqui requereria mais tempo e eu ainda não sabia por onde começar. Agora, quanto por fora, foi a clássica mudança no cabelo. Deixei de alisar para poder me reencontrar, reencontrar minhas raízes.
Nunca soube muito bem quem eu era no mundo. Só vivia por aí, superficial, sem me compreender muito bem. Cada dia era mais um em me perder e isso já estava me deixando exausta.
Assim, em março comecei minha transição capilar. Não foi nada fácil, não fazia a menor ideia de como o meu cabelo era na realidade. Sofri, chorei, pensei em desistir. Tive que aprender muito, estudar muito, persistir muito. Persistir em mim mesma. O BC (big chop) veio em julho. Eu tremia tanto que mal conseguia segurar a tesoura, morrendo de medo de encarar o resultado final. Mas tudo valeu a pena. Quando me olhei no espelho, finalmente, me reconheci. Me vi ali, toda, completa, plena. Pronta para buscar a minha profundidade. Pronta para me resgatar.
E, hoje, ainda estou aqui, me buscando. Contudo, agora, eu sei para onde ir, reconheço minha essência, reconheço minha identidade.
E, você? Se reconhece? Se permite ser quem é?
Obs: para quem não sabe o BC (big chop) é o momento em que quem está passando pela transição retira as pontas lisas do cabelo por meio de um corte, cortando o cabelo alisado para deixar apenas o natural.