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Gula

Gula
Evandro Gomes Meneses Filho
dez. 17 - 5 min de leitura
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Naquela manhã, a Raquel não havia feito o almoço, e obviamente eu queria impressionar todo mundo cozinhando. Fiz uma bela macarronada. É a minha especialidade. Separei os tomates para o molho, a salsa, cebola e o coentro e piquei sobre a tábua usando a faca de pão. Moí a pimenta e pus a água fervendo sobre a pia. O segredo dessa receita é uma pitada de orégano só no fim. Putz! Como ia esquecer o alho?! Havia um fetiche por dentes de alho desde a época em que fui, em vidas passadas, um padre ortodoxo que usava um cordão de réstias para expulsar vampiros dos fundilhos da Transilvânia. Acabei com todos! Exceto um velho morcego que, de ponta-cabeça, prometeu-me viver duma dieta baseada em mirtilo.

Uh là là! Todo mundo sentou-se à mesa e limpou o prato, desabotoando a camisa para caber a pança. Mas quem iria imaginar os constrangimentos que acometem um chef de tão refinado gabarito?! Às oito em ponto precisava correr para pegar o ônibus. Comi feito uma fera e suguei o sugo do macarrão. Beijinhos aqui, ali e tchau! Missão cumprida, afinal... Acontece que a parada estava lotada. Em algum lugar rebentava outro berreiro de criança e gente horrorizada com as golfadas de vômito expelidas pela janela. Brum! A condução saiu com pneus baixos, e eu continuava esperando o próximo. O ruído de tanta gente não me interessava. Nem as notícias do jornal, tampouco os peitos empinados sob aquela boca carnuda. Não queria comprar nenhum dropes ou gengibre para garganta. Foi então que eu me abandonei ao meu único prazer disponível naquele momento. Deslizei as mãos do bolso, saquei tamborilando os dedos muito inquietos. Eu suava em bicas sensualmente. Afastei-me do público, fui para o canto, sob a penumbra onde somente um eremita dorme. Aí, puxei o ar com toda volúpia que havia e cheirei a ponta dos meus dedos ainda úmidos, macerados, embebidos em alho-poró. Aaaaaah! Que delícia! Delirava quase como se estivesse prestes a cravar uma estaca no peito do próprio Nosferatu. Meus dedos juntos empurravam minhas narinas, e eu quase suspirei. Não me importava mais com o ônibus dobrando a esquina, com o mendigo roncando e urinando aos meus pés ou com o mundo! Drácula abriu os braços e se rendeu. Aprumei a estaca, levantei o martelo e... cheirei... cheirei com focinho de porco chafurdando os dedos e os bagaços sob as unhas. Vou estocá-lo, demônio maldito! Mostrei-lhe a cruz, e o pobrezinho fechou os olhos querendo também cheirar um pouquinho antes que o afundasse no túmulo. Plaft! Deram-me um bofetão na orelha, e eu acordei do mais profundo transe, do mais sincero e diáfano sonho perdido. E aí, os meus dedos escaparam, e o odor supremo do alho cru desapareceu sob um jato de mijo oleoso disparado por aquela mente confusa e deturpada, fedorenta a bebida.

― Não tem vergonha, seu tarado?! ― A moça guardou os seus seios de mãe na blusa, e o bebê rosnou de volta esgoelando-se.

Juntou gente com mais outros que desembarcaram ali para fazer baldeação. A condução freou e um milhão de cabeças apareceram nas janelas. Só um maníaco como eu poderia cair numa dessas. Mostrei meus dedos e não podia dizer nada porque ainda estava engasgado com a saliva acética que me escorria garganta adentro. Alguém viu as minhas mãos pingando a urina que o louco despejou.

― Argh! Isso é mijo! ― Agarrou meus dedos gotejantes.

Como fui de uma bela massa escorrida em molho pomodoro à mais fétida urina dalgum rim já prestes a falhar?

― Não é isso, pessoal! Acontece que havia um homem dormindo aqui e, acidentalmente, ele mijou na minha mão...  

― Ah, é? E cadê esse vagabundo? ― A voz furiosa bradou soprando velas de morte.

O poeta poeirento e cambaleante havia sumido descendo a ladeira. Como um animal faz após deixar o seu comentário, o seu rastro, o seu cheiro para demarcar território.

Para todo cachorro de rua se acha uma carrocinha e um porrete, por isso, naquela hora, um soldado raso (alérgico a alcachofra e pimenta) entendeu por bem que eu nunca mais voltasse a cheirar os meus próprios dedos. Em certa medida, há de se concordar que uma macarronada e uma suruba dão no mesmo.

Agora, de um a seis meses corto cebolas como recomentado em sentença por um juiz que...

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