Que o homem encontre, nestes dias de flagelo, férteis ofícios para a alma, já que temos de viver enclausurados. Acha sempre afago aquele apaixonado por muitas artes. O pobre de alma, mísero, sem ser imantado por um livro inebriante, nem atraído a pintar quadros, torna o dia-a-dia um abscesso. Delirante, não vê no enclaustro momentâneo senão dor e desencanto. Agora, com esta praga aviltante, pode como nunca antes interiorizar-se. Os dias só são fardos incomensuráveis aos que não são capazes de achar acalanto no íntimo de suas almas. Para alguns, o pesar é uma flâmula que consome a si própria abrindo sulco a novos mares.
Que nestes dias de flagelo as casas tenham se tornado eremitérios, não é dispêndio. Sempre no recesso silente e entranhado o homem encontra a si mesmo. Depois, ao regressar a vida cotidiana, com sua turbulência usual, voltaremos todos ao bulício alienante. Aproveite-se, portanto, estes dias de flagelo.
Sabendo que tudo é relativo e que não há mal que dure sempre, busco na poesia e nas musas altivas os fios com os quais tecer meus dias. No lacustre coração prendado à música, nesta discorro minhas emoções, e com elas, sob seus influxos, oriento verazes pensamentos.
Importa, mais do que a carne, o alimento dos olhos e ouvidos. Se damos asas à alma, ela, leve e risonha, pode voar ao divino.
Divinos são, entre todos, os músicos, e o que seria do mundo sem as suas dádivas? Uma grinalda de sonatas enternecidas, uma maré de adágios eufônicos: que seria da alma humana sem suas melodias?