Se você está lendo este texto agora é porque estou vivo. Faz dez meses que me escondo quase que de mim mesmo, levando a sério o tal de isolamento social. Me esgueiro com medo pelos corredores de supermercados e entro em pânico se a fila tem mais de uma pessoa. O tempo em fazer compras é o mesmo que o tempo de lavar embalagens. Uma vida estranha, longe dos abraços, das simpatias e do sorriso alegre escondido pela máscara. A falta de etiqueta social se naturalizou. Não preciso evitar o vizinho pois ele me evita., sobe rápido no elevador, não segura a porta e assim a ausência de cumprimento não é mais visto como falta de educação e sim prevenção para não aspergimos saliva uns nos outros.
Tempos estranhos estes! Uma parte da população assumiu os protocolos sanitários. Passaram a viver uma vida cheia de cuidados e com muito medo da contaminação. Parece que um escritor já colocou isso em livro, prevendo que não veríamos pais algum no futuro e os personagens estavam expostos a contaminações o tempo todo. Aguardamos a redenção, a salvação, uma panaceia, como sempre esperamos nesse país. Hoje a salvação é a vacina que não existe a nossa disposição, por causa da burocracia e das brigas políticas. Estamos com medo de morrer a pouco tempo da salvação. O cenário fica pior quando vemos na TV os países ricos se salvando e o nosso afundando na confusão.
Mas será que não foi sempre assim? Me fiz essa pergunta outro dia para desviar os pensamentos do irracionalismo que vivemos, de pensar no incomensurável de que alguém tomou uma sopa de morcego e gerou tudo isto! E eu que pensava que era só receita de feitiço de bruxa. Mas rebobinado a fita do tempo revi os momentos que o macaco sai da mata e agride o homem na África, transmitindo o vírus HIV e Ebola que causaram uma pandemia e uma epidemia explosiva. A pandemia de AIDS ainda existe e não foi descoberta vacina até agora e o Ebola a luta é para que fique na África. Muitos outros momentos existiram que vírus e bactérias infectam o homem. A meningite, a poliomielite das crianças, o sarampo, a varíola, que marcou o braço de gerações com um círculo, a chamada marca da vacina. Eu vivi um tempo que para ser contratado para emprego era necessário apresentar atestado de algumas vacinas.
Quando eu nasci a pandemia em ação -surto – era a poliomielite, ou paralisia infantil. Eu não tive, mas meu primo com diferença de meses de aniversário teve. A sequela não foi grande, mas o levou a se superar a vida toda, como dizem de todo deficiente físico que simplesmente vive a vida. Eu cresci junto com o que se chamou de “segunda onda de modernização do país”. A modernização envolveria também a área da saúde, com o desenvolvimento das vacinas para o sarampo, rubéola, tuberculose – pandemia do início do século vinte – e da varíola, que marcou o braço dos brasileiros até a década de setenta do século passado.
Quando se viajasse para o centro-oeste e norte do país era necessário tomar a vacina da febre amarela. Só que a febre amarela já se espalhou pelo país inteiro. E a novidade do século vinte e um foram a Zica Vírus, a Chicungunha a Dengue e uma sigla estranha – H1N1 – que nos apavorou a cinco anos. Pois é, era o prenúncio das SARs, doenças pulmonares que nos apavora hoje, com nome de Covid 19. Será que vai ter o 21, o 22 e outros?
Deus me ajudou a driblar a paralisia infantil. As vacinas me ajudaram a driblar o sarampo, a catapora e rubéola. Mas no ano de 1971 o governo negou a existência e até escondeu por um tempo a epidemia de meningite no estado de São Paulo. O remédio era o mesmo de hoje, isolamento social. Só que nos amontoávamos em escolas com quinhentos alunos por turno e eu peguei a bactéria. Por muito tempo nenhuma ação de proteção para os alunos e aos cidadãos foi tomada. Só com as mortes se avolumando que foi mobilizada toda a rede hospitalar. As aulas foram suspensas porque não conseguiram esconder mais.
No final da década de 1980, o país vivendo a grande festa democrática, depois de nos livrarmos de 21 anos de ditadura militar, eu começo uma nova etapa da minha vida após uma separação. Com uma filha de três anos sob meus cuidados retornei a grande metrópole de São Paulo. Foi a cidade onde cresci e conhecia as seu potencial para recomeçar uma vida. Trabalhar, continuar a estudar e, claro, ainda era jovem, namorar. Mas não foi bem assim. Chegando em São Paulo me deparo com a famosa revista Veja trazendo na capa a foto do cantor Cazuza esquálido e revelando o que era a portador do vírus da AIDS. Uma doença nova e devastadora, descoberta três anos antes, em 1984, que se alastrou pelo mundo, em forma de pandemia. A forma de contágio é o contato sexual sem proteção, o uso de drogas injetáveis e àquela época, a transfusão de sangue. O negócio era driblar mais uma pandemia. Essa Deus deixou por minha conta. Teria que conter meus desejos e esperar um novo relacionamento estável para segurança.
E com a passagem do milênio, onde parecida que tudo estava resolvido, já que não aconteceu o desligamento dos computadores como se esperava – o bug do milênio – eu me deparei com mais uma epidemia que nosso país cultiva e não divulga a existência, apesar de existir vacina para a doença. Minha mãe faleceu de câncer no fígado, consequência da evolução de uma Hepatite B que não foi tratada. Ficou mais de vinte anos sem saber que tinha a doença. Eu fiquei quinze dias junto a seu leito no hospital e um ano depois descobri que também tinha o vírus B da hepatite. Levei quase vinte anos para me livrar de uma pequena colônia de vírus que insistia em dormir em meu corpo. Desta vez Deus fez a maior parte do serviço.
E agora isso! Como será o Natal e o Ano Novo! Ao que parece deverá ser virtual, sem contato entre os parentes.
O ano de 2020 foi cancelado e tudo foi transferido para 2021, após a vacinação da população. Até os fogos de fim de ano, o carnaval, as Olimpíadas. A nossa vida, para quem pôde ficar isolado, só será retomada o ano que vem. Mas por enquanto só estamos vendo as nações ricas e as nações organizadas começando a tomara vacina e que vão iniciar o ano com sua população razoavelmente protegida.
Nós brasileiros continuamos cidadãos de segunda classe. Para sobreviver só dando um jeitinho e ir driblando as pandemias, contando com a ajuda de Deus que, sabemos, é brasileiro!