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Divinal

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Ludmilla Tosoni
mar. 9 - 4 min de leitura
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Navalha deu todas as orientações, "diga a ela para fazer do jeito que falei", finalizou. Acordei na embriaguez dos que retornam de um ponto qualquer de sonolência da "incorporação". Corpo quente, rosto suado e boca seca por uma água. Minha mãe e minha irmã me receberam e me contaram tudo que havia se passado. Minha irmã sempre se incumbe das orientações e minha mãe conta como tudo se passou. Eu sentada, já com meu copo d'água dos desorientados na mão, ouvia tudo, meio atenta, meio boneco de argila em formação.
Passado uns poucos dias, aliás, estávamos no Natal quando tudo aconteceu. Já tinha feito todo o combinado com a mulher do cais, meu pedido se materializa e eu não me dou conta.
Aparece ele, na minha rede social predileta, achando (depois fui saber) que já me conhecia. Talvez já, né, de outros tempos astrais, quem sabe? Macumbeiro também tá aqui pra elocubrar, claro! Fotos discretas porém informativas: sambista, de sorriso largo, mulheres próximas e voz meio rouca. Desconfiada, já achei que as mulheres seriam esposa e filhas e dei logo um "te oriente", ao que recebi de retorno "são minha irmã e minhas sobrinhas", sem graça, segui com um "ah, tá" e emendei um assunto qualquer. Conversamos por muito tempo e resolvermos marcar um encontro. Bom, minha cabeça é d'água, já dizia meu pai de santo, a água sempre está presente na minha vida. Nos encontramos no dia em que caía uma chuva boa no Rio. Pois bem, agora me dou conta que isso é bem simbólico para uma cabeça que tem correntes fortes e ondas, ora leves como um carinho de gato, ora intensas como um furacão que te levanta e te desce com fúria. Conversamos, rimos, soube um pouco mais do dono da voz grave e rouca.  Fomos ao restaurante que eu gosto e ele bebeu água, enquanto eu experimentava os drinks do cardápio entre um relato e outro. Ele riu pouco nesse dia, quando ria, um sorriso largo tomava conta daquela cara e seus olhos ficavam pequenos, acho que era para caber todo aquele sorriso no rosto. Me deu a mão logo no primeiro dia e eu peguei, sem jeito, sem entender a profundidade, sem saber quem era o viajante de viagem curta, num dia de chuva, com voz grave, que se ofereceu, generoso, em educação e boa vontade e em troca pediu apenas água, muita água.
Demorei uns dias a vê-lo novamente. Não achei que funcionaria, apesar de todo encanto que aquele que trazia o amor de Oxóssi no peito, me fazia sentir. Eu, com tanto tempo dentro do que penso ser minha espiritualidade, não botei fé na intuição e na força dos meus pedidos. Ele sim, ele acreditou no que pediu. Não disse? Sim, ele também pediu, não para Navalha, mas para Osun. Mas sábio, não se preocupou com meu pequeno afastamento. Esperou que eu viesse como os animais que saem a esmo, fugidos ou perdidos, que voltam ao local de origem sem que se faça alarde. Voltei e ele estava lá. O mesmo rosto, a mesma voz, e dessa vez, com mais sorrisos, daqueles, que como disse, o fazem fechar os olhos e o deixam ainda mais divinal. Navalha me deu nas águas o que pedi a ela em silêncio. E no silêncio velo agora o sono daquele que não duvidou em nenhum momento que eu era mesmo o presente dele. Não esqueço mais do que peço e nem duvido das águas que correm na minha cabeça. Olhos lavados e coração aquecido, sigo louvando os que vieram na minha frente. Laroyê, Navalha. A bênção, minha mãe Osun.

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