Em um retrato fiel das contradições presentes no tecido social, observamos a figura do brasileiro branco, posicionado numa classe média, que ao se deparar com seu reflexo no espelho, nutre a ilusão de pertencer à elite.
Contudo, essa é uma ilusão frágil, visto que sua realidade não passa de ser um trabalhador assalariado, vivendo sob a constante ameaça de desemprego e que não está imune as diversas oscilações do mercado de trabalho. É um comedor de marmita gourmet que ao pagar em diversas prestações o seu automóvel já se sente pertencente ao seleto grupo do seu opressivo patrão.
Tal personagem, embora situado em uma posição contraditória, revela-se ainda mais complexo em suas predileções culturais. Curiosamente, ele se deleita com inúmeros aspectos da cultura negra. O samba, essa expressão vibrante de alegria e resistência, torna-se a trilha sonora de seus momentos de lazer, especialmente durante o carnaval ou ao apreciar a linda poesia de Cartola. A feijoada, esse prato maravilhoso e único, ocupa o centro de seus almoços dominicais.
Nos estádios de futebol, ele admira as "pernas negras" em elásticos dribles, evocando a memória de Pelé, o ícone máximo da pelota. Aprecia a literatura gerada pela a genialidade de escritores não caucasianos como Machado de Assis e Lima Barreto. Ele ri com as piadas de humoristas como Mussum, se emociona com a voz de um Milton Nascimento.
Assim, fica evidente que esse brasileiro branco, apesar de suas contradições ideológicas e de uma postura conservadora, encontra um profundo apreço pela cultura brasileira, cujas raízes africanas são inegáveis.
Entretanto, essa admiração pelas manifestações culturais negras convive paradoxalmente com uma rejeição ao negro em si. Esse aspecto revela uma complexidade e uma contradição profundas no coração desse sujeito, onde a admiração cultural não se traduz em igualdade social ou em um combate efetivo ao racismo.
Ele demoniza o candomblé, mas adora os batuques em músicas de axé music. Argumenta genericamente sobre igualdade, mas não crítica a morte dos pretos por parte da polícia. Muitas vezes vibra em silêncio quando esfomeados são presos por cometerem furtos. O branco classe média brasileiro gosta de tudo que é produzido por mãos e cabeças negras, menos do próprio negro. Personagem a replicar o velado racismo à brasileira, mas que muitas vezes se torna explícito. E que em tempos de neofascismo no país assume uma brutalidade tal que transforma o mesmo em um típico nazipardo.
16.02.2024