O INFINITO ESTÁ NOS LIVROS
Nasci pequenina, frágil e feinha de dar dó! Fui crescendo sem
saber muito bem o porquê de ter vindo ao mundo, mas fui descobrindo isso aos
pouquinhos... Aos dois anos, fui adotada por um casal que me salvou da miséria
e da morte. Cheguei à casa deles com uma fralda e completamente desnutrida. Fui
salva na primeira semana por um enorme cacho de bananas que me deu a vitamina
necessária para a sobrevivência imediata. Quanta sorte eu tive!
Meu pai era um homem coberto de ternura e, desde cedo, me
ensinou a gostar das palavras. Lia muito para mim, lindas histórias de fadas,
princesas, dragões, príncipes e duendes. Ele dizia que as palavras eram mágicas:
tinham sabor, tinham som, tinham cores... Ouvi-lo era de uma alegria tamanha,
que comecei, quando já alfabetizada, a também gostar de ler. Tinha uma
biblioteca em casa e eu lia de tudo. Criei, já adolescente, um ritual: quando
chegava em uma passagem importante de um livro, marcava a folha, fechava e só
voltava a ler pelo menos uma hora depois. Durante esse espaço de tempo, eu me
deleitava pensando o que será que o capítulo me traria de surpresa.
Eu fazia uma metáfora: gostava demais de uvas verdes e gordas.
Então, depois dessa uma hora eu imaginava que a volta à leitura iria me
permitir a sensação de degustar uvas suculentas cujo suco se derramava em minha
boca. Uma hora para esperar as minhas uvas especiais. Uma hora para esperar as
surpresas dos livros. Puro deleite! Como eu era muito tímida, a leitura me cedeu
espaços para que eu pudesse me desenvolver. Foi quando comecei a me abrir para a
vida e a ter coragem para interagir com as pessoas. Meu pai dizia: “Coragem não
é não ter medo. Coragem é caminhar apesar do medo”.
Quando eu estava na oitava série, aconteceu algo que me levou
ao autoconhecimento. Um dia, ouvi o barulho de um caminhão. Era um caminhão de
mudança. Vi sair dele, além dos móveis, caixas e mais caixas de livros. Eram
meus novos vizinhos que tinham uma menininha de uns 12 anos. Fiquei
curiosíssima para saber que livros eram aqueles, quem eram aquelas pessoas tão
ricas, a ponto de terem montanhas de livros? A casa ficava em frente à minha, e
era a mais bonita da rua! Aos poucos fui me enturmando com a pequena vizinha,
que se tornou minha primeira amiga de infância.
Um dia eu pedi para ela: “Você pode me mostrar os livros que
você tem?”. Ela me pegou pela mão e me levou até a sala. Um ambiente enorme com
vários bichos de pelúcia que a mãe dela fazia para enfeitar a casa. Em uma das paredes
da sala eu vi... eu vi a biblioteca gigante, carregada de muitos livros: vários
tamanhos, cores, títulos e mais títulos. Não tinha um espacinho sequer naquelas
prateleiras cheias de histórias! Nunca tinha visto nada igual. Eu queria pular
de alegria. Se a mãe dela deixasse, eu ficaria freguesa de tanto encantamento!
E a mãe dela deixou.... Aí, eu desandei a ir para aquela sala
tão fresquinha e devorar quantos livros pudesse. Ficava lá a tarde toda,
quietinha, nem me mexia pra ninguém prestar atenção em mim... Melhor ainda, a
dona da casa oferecia lanchinho e tudo! Foi lá que li o Tesouro da Juventude
e a coleção de Monteiro Lobato. Pesquisava os trabalhos da escola na
enciclopédia Barsa e na Lello Universal. Achava o máximo aprender
tantas coisas em tão pouco tempo!
Os anos foram passando, entre prosas e versos optei por fazer
o curso Clássico, voltado para o mundo das letras, como eu queria... No curso,
tive uma professora muito criativa que trazia para a sala exercícios diferenciados
e, durante os três anos de curso, li e reli os grandes nomes da literatura
brasileira: Machado de Assis, Jorge Amado, Clarice Lispector, entre tantos
outros...
Todo esse manancial de conhecimento me salvou! Sim, a literatura
me salvou! Por isso, decidi fazer faculdade de Letras e Pedagogia. Depois de
formada, passei no concurso público e fui lecionar em escolas estaduais. Não
tive qualquer dificuldade nessa caminhada. Sinto que nasci para ensinar e ensinava
com todo prazer!
A literatura me trouxe ganhos incríveis. Eu me alicercei como
cidadã e construí, dentro de mim, uma força que eu não sabia que tinha. Com
isso, a minha timidez se evaporou no vento e meus medos ficaram presos no
passado. Eu tinha escrito uma história de resiliência e afeto graças à bênção literária,
que me abriu portas e janelas para outros sóis e para outras paisagens, como
aconteceu com Alice no País das Maravilhas.
Assim como fez com o Pequeno Príncipe, a literatura me
permitiu viagens pelo mundo, me levou a chorar de emoção por conseguir entender
a mensagem de um autor. Aprendi que a comunicação com o outro precisa de um
propósito para iluminar o diálogo. Aprendi que expressar pensamentos é algo
extremamente importante para dar sentido à vida, facilitar o encontro com nosso
semelhante e para a tomada de decisões. Tudo em nome da clareza e de um diálogo
autêntico comigo mesma e com as pessoas.
Julia Kristeva disse que “falar é falar-se”. Esse processo e
essa engenharia são facilitados e intermediados pela literatura. Benditos sejam
os livros que desnudam novas terras e deixam rastros de esperança e luz na alma
de todos os que se debruçam sobre eles em busca de si mesmos e de algo maior
que o cotidiano. Bendita literatura que ajuda o ser humano a se tornar alguém
melhor, mais saudável, sensível e livre como no Mundo de Sofia! Viva a liberdade
de poder ler e nos salvar do ranço medíocre dos horizontes perdidos e não
sonhados!
A literatura como necessidade humana de buscar o sentido da
vida pode ser compreendida como A Odisseia, de Homero, na forma de palavras
que entram e saem, feito cânticos poderosos contra o Orgulho e Preconceito,
de Jane Austen. São palavras que chegam Tecendo a manhã, como diz João Cabral
de Melo Neto, ou, nas letras de Graciliano Ramos, unindo povos e transformando Vidas
Secas em epopeias de heróis únicos e agentes do seu próprio amanhã.
No exercício de dar aulas, eu me construí e consegui ser
respeitada como detentora desse saber. A literatura me deu chão, calor, fome de
viver e a dignidade de descobrir o meu papel no mundo como a Ilha do Tesouro.
Os livros penetraram na minha alma como se fossem sementes de felicidade,
indicando jornadas que valem a compreensão da condição humana, descrita em
detalhes pelo grande bardo inglês William Shakespeare, a quem devemos a
dimensão divina dessa forma de arte.
O INFINITO ESTÁ NOS LIVROS!