Após esperar uns bons minutos, finalmente o ônibus chega no terminal, ao lado do Mercado Público. Eu estou no Centro Histórico da Cidade de Porto Alegre, é sábado e está anoitecendo.
Entro no ônibus, pago a passagem e me sento, bem na frente, sozinha. Lá fora, diagonal à porta do ônibus que está aberta, observo algo que clama por minha atenção: um casal, ou melhor, uma calça. Ou melhor ainda, um rapaz franzino, moreno, bem penteado e limpo, que sobressai na multidão, por vestir uma calça de cor amarela. Ele conversa com uma moça muito bonita, de cabelos castanhos, longos, cacheados nas pontas, que pouco fala e tudo escuta, sorri um tanto tímida. Contudo, ela está receptiva a conversa, aparentemente animada do rapaz engraçado.
Dá para perceber, claramente, que ele, por sua vez, está agitado e até parece um bailarino a dançar na frente da jovem. É incrível, mas os pés não param de se movimentar!
Veste camisa preta, calça amarela e um par de botas pretas, de bico fino, bem limpas e lustradas.
O mundo à minha volta pára, olho a cena, lá fora eles estão invisíveis e suspensos naquela hora mágica do lusco fusco onde a tarde finda e até mesmo as formigas invertem o seu laborioso ofício, marchando a ré, direto para casa.
Agora eles já estão imersos na penumbra. Eu firmo o olhar e tudo o que posso ver é a calça ofuscante do franzino homem de cabelos pretos repartidos ao meio, penteados com gel. O rapaz não pára de andar pra lá e pra cá. O efeito é cinematográfico. O cabelo, o dorso e os pés, todos na cor preta. O rapaz está quase invisível, menos as suas pernas vestidas numa exibida cor amarela.
Neste momento, eu só consigo ter olhos para o rapaz magrinho e feio, aos meus olhos, que continua a falar sem parar com a moça atraente de blusa branca, calça jeans e uma boca bem pintada de vermelho-magenta.
A calça de cor amarela é algo realmente fantástico, estou assombrada. Não pensem que é uma cor comum, não, é um amarelo ovo, forte, gritante, fosforescente e muito chamativa.
Penso com alegre afeto na calça amarela, no jovem franzino e na moça tímida, que nem conheço, mas que me distraem de mim mesma. Eu indago, aqui com os meus botões, o que move um jovem entrar numa loja e pedir: - Por favor, eu quero levar aquela calça ali, amarela. - Ele bem que pode ter sido engabelado, ou apenas incentivado a comprar pela simpática e talentosa vendedora. Talvez tenha sido o preço mesmo, uma liquidação imperdível, queima de estoque! - sorrio imaginando a cena - Mas, quem sabe se é por gosto mesmo. Pior, se foi gosto, nem discuto. Que cada um tenha a calça que merece e que melhor lhe prove, certo!
Sem pressa, retorno para a realidade do ônibus e diagonal a porta aberta, lá fora, continuam conversando o rapaz franzino, a moça tímida e a calça amarela que domina o ambiente a sua volta. A jovem mais solta conversa com o rapaz sem perceber a peça de vestuário berrante que dança a sua frente, tão ridícula e contagiante.
Ao contrário, percebo que ela está completamente hipnotizada pelo rapaz metido em sua brilhante armadura dourada. Ao que me parece a calça amarela está funcionando muito bem, a favor do divertido rapazinho e assim como uma lâmpada atrai as mariposas, a luz da cena prende toda a minha atenção. Eu agora estou totalmente rendida e voltada para aquela misteriosa esfinge murmurante que parece dizer: Decifra-me ou te devoro. - Suspiro sem respostas.
O motorista e o cobrador, depois de tomarem um cafezinho na lancheria do Mercado Público, sobem para o ônibus que já está quase lotado. O motorista bonitão senta ao volante, fala o cobrador, ri alto, liga o motor, me olha pelo espelho do alto, engata a marcha rascante e sem nenhuma pressa fecha a porta do ônibus e sai barulhento me levando, por obséquio, para longe dali.
Enfim, estou indo para casa. Não posso mais ver o curioso casal, então volto o meu olhar para a janela que reflete a minha imagem cansada e que me olha cúmplice. Intimamente concluo: - Talvez eu esteja precisando comprar uma calça amarela.
Grata por ter lido minhas palavras dançantes. Um abraço literário.
Autora: Neusa Rocha
Crônica “Calça Amarela”, integrante da Antologia “A Presidiária”, 2009. Publicação Via Literária, Porto Seguro - BA.