Dias depois de comprar o meu carro desenvolvi um complexo quadro de ansiedade do tipo sinaleira.
O corpo em chamas lança sobre o veículo seu fazer artístico-trabalhistico-sobrevivente de quem pulsa arte em tempos de fome e destruição.
Ele diz:
- vai uma lavadinha aí, meu patrão?!
A frase me afeta no mesmo instante em que me devoto à carteira e o porta luvas à procura de moedas e cédulas. Eu penso em dizer:
- não, amigo. Hoje estou desprevenido, sem nenhuma moeda. Economize seu suor.
O pensamento é a força criadora e só perde para fome. É impossível ter um querer que antes mesmo de comer nos consome. A necessidade fala antes de mim. vejo água e sabão nas novas telas contemporâneas.
O coração acelera depois do serviço-feito não ter dinheiro para pagar. dá vontade de recitar poesias com versos em caixa alta dizendo:
Eu te disse, Caralho.
Entre o rosto de quem sofre e o semblante de quem está no carro existe a possibilidade de fazer diferente. Desse dia em diante gritávamos sempre que nos víamos, de sinal em sinal, hoje nós somos amigos. E me entristeço quando não tenho o mínimo a dar, são nesses dias que gritamos juntos às poesias em caixa alta. Dois sãos nesse mundo louco. Amanhã mesmo é dia, agora exijo severamente meu cinco centavos de troco.
@kellvinfoky