I
A pedra que acertaste em minha testa
É tão fria quanto a mão que a molesta
Tão rígida quanto seu coração sombrio.
Na noite que juraste ferir-me por amor,
Restou-me apenas, espinhos duma flor,
Que morrera de tristeza, câncer e frio
II
Perdi o caminho de casa naquela noite triste
Vi as desgraças reunidas, mas tu, tu não viste
Testemunhei a queda humilhante dos vitrais
Vi a agonia divertir-se enquanto esquartejava
Minha alma, tu não vira, à esta hora já estava
Recolhendo os cacos da dor que me ardia mais
III
Meu coração, assim como o fígado de Prometeu
Regenerou-se tão rápido, quanto você o comeu
Para que no dia seguinte, voltasse a devora-lo
E assim dia a dia o meu sofrimento eterno ia, ia...
E quanto maior meu coração, mais você o comia
Eternizando assim a agonia de não poder para-lo
IV
Eu era um desgraçado esmolando flor no paraíso
Oferecendo a eternidade em troca do seu sorriso
Ao som sarcástico das gargalhadas dos cupidos
Que no submundo do Éden traficavam os amores
Arrancando a alma e a dignidade desses senhores
Em troca de todos os valores não correspondidos
V
E assim no nível mais inferior da minha loucura
Eu observava tua cria porca com tamanha paúra
Que em meio à tantas quimeras e abstrações
Era ela a fera mais desorientada, rústica e louca
Que carregava no vermelho quente da sua boca
O sangue fresco de todos os sôfregos corações
VI
Como Atlas que carregara o peso do firmamento
Sobre minhas costas eu tinha todo o sofrimento
Dos bilhões de amores perdidos naquele segundo
Eu gemia só , aquela dor, com tamanha insanidade
Que tal era o peso do desespero da humanidade
Era assim, sobre minhas costas, o peso do mundo
VII
Era a voz da alma que me esgoelava toda tristeza
E na afasia desesperadora da minha língua presa
Eu ruminava restos podres de poesias esquecidas
Eu era como um beato que se entrega ao ateísmo
O poeta desacreditado que se joga nesse abismo
Onde jazem todas as inspirações desaparecidas
VIII
Não, não me negaram flores, no dia seguinte
Não me era o natal, era-me sim, por conseguinte
O dia derradeiro que hoje comemoro a morte
O dia em que os monstros me comeram a psique
Com a beleza de quem monta um piquenique
Para devorar o fraco que se mostrar mais forte
IX
E foi de manhã, numa súbita crise de sanidade
Que me vi dominar o amor com tanta Habilidade
Que ele me parecia no colo, um filhote vulnerável
E antes que crescesse e me devorasse por inteiro
Fiz com que gritasse e se e escondesse no bueiro
Onde escorre todo sentimento hostil e miserável
X
A pedra ainda ardia minha testa quando adormeci
E durante o sono em um pesadelo foi que eu vi
Qua amar tanto assim, é que me foi o maior erro
Eu acordei na mais completa e absoluta solidão
E descobri sob os escombros do meu coração
Que o amor morreu e eu não fui ao seu enterro