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Saiba exatamente quem você é e use isso a seu favor

Saiba exatamente quem você é e use isso a seu favor
Cláudio Costa Val
mar. 15 - 5 min de leitura
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O título desta crônica não expressa, necessariamente, uma verdade absoluta, destas que podem ser usadas em qualquer situação, e que justificam os nossos atos. Antes pelo contrário, há controvérsias. E muitas.

“I care a lot” (“Eu me importo”, 2020, USA, direção de J Blakeson), filme original da Netflix, que estreou na plataforma em fevereiro, utiliza a frase de abertura como ponto de partida. O britânico Blakeson, também roteirista, constrói uma trama que transita entre gêneros cinematográficos. O que parece drama se revela comédia, exatamente pelo poder crítico que o universo cômico permite. Entretanto, quem procura algo que os faça gargalhar, se decepcionará. Embora divertido (mais bizarro que divertido), o filme possui cenas tensas, e não foi feito para rir. O grotesco e o caricatural estão presentes, mas atendem a outra função dramática. Misturados às perseguições, torturas e sequências de ação, o enredo segure algo próximo do thriller (suspense).

A londrina Rosamund Pike, que acaba de ganhar o prêmio de Melhor Atriz em Musical ou Comédia no Globo de Ouro 2021, e que confessou enterrar em seu quintal todos os prêmios que recebe, é a desonesta protagonista. Provavelmente, a mais inescrupulosa personagem cinematográfica dos últimos anos.

Marla Grayson (Pike) é uma renomada guardiã legal que atende pessoas ricas e idosas e, quase sempre, solitárias. Declaradas incapazes pelo Estado, a tutora as alicia, por considerá-las vítimas perfeitas para os seus golpes. Assim, a aversão que construímos para a bela protagonista é imediata. A cada investida bem sucedida que faz, nosso asco só aumenta.

Mesmo transitando entre gêneros, Blakeson não se perde em sua narrativa. O roteirista e diretor sabe exatamente o que quer contar. Sua estética é elegante, ágil, contemporânea. E tudo isso tem um objetivo: revelar até onde os inescrupulosos podem ir. Abusar dos mais frágeis, indefesos, transformá-los em presas deveria ser crime hediondo. Logo, “Eu me importo” é uma obra fortemente imbuída de crítica social, cujo ethos (mensagem) se torna inequívoco. 

O filme busca o lado sensorial do espectador, enquanto desenvolve a mais abjeta personificação da vilania. Em suas mãos, frias e calculistas, Marla Grayson faz com que todos se tornem meros idiotas, até mesmo o juiz de direito. As anojadas audiências públicas e a inoperância da lei se potencializam, uma vez que a moça descaradamente se preocupa apenas em subtrair bens dos idosos, arruinando o pouco tempo de vida que lhes resta. Ladra de modos elegantes – já ouvimos falar de muitas. E muitos. Costumam ser os piores, os que mais danos causam. Como políticos, juristas e empresários inescrupulosos. Felizmente, no filme, alguém surgirá para bagunçar os planos da vilã.

A inesperada aparição do nada bento rival ocasiona a “mudança de sorte” na trajetória de Marla. Roman Lunyov, mafioso russo vivido por ninguém menos que o norte-americano Peter Dinklage, o famoso e sensacional anão Tyrion Lannister, de “Game of Thrones”, fará de tudo para livrar sua mãe (Dianne Wiest) das garras da malfeitora. Acostumada a lidar com os filhos fracos e negligentes de suas vítimas, a tutora verá Roman ser tornar a pedra no seu sapato. Assim, o tabuleiro se equilibra: Marla é desprezível; Roman, idem. Não há a disputa entre bem e mal, senão a tentativa de vitória do mais eficiente, no quesito perversidade. Para os espectadores, nauseados com as maldades de Grayson, as nuances insólitas e caricaturais do personagem construído por Dinklage são adoravelmente sedutoras.

“Eu me importo”, enfim, revela uma mulher com poder e elevada capacidade de persuasão, disposta a tudo para enriquecer. E como não poderia deixar de ser, o final é surpreendente. Já que estamos falando de bandido contra bandido, capazes de ludibriar a lei, a punição virá pela lógica “aqui se faz, aqui se paga”. Quer queiramos ou não, quer saibamos ou não, o inexorável fluxo dos fatos se torna alento, no combate aos grandes e miseráveis violões que assolam as nossas vidas, e destroem os nossos objetivos e sonhos. Cedo ou tarde, a vez deles chegará. É por isso que J Blakeson e o seu “Eu me importo” cumprem a função a que se propõem. Nosso estômago revolve, mas confirmamos que sempre haverá esperança para vencer o mal. O Brasil precisa disso, urgentemente. 

Oxalá! 

 

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