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Quando pensamos que não temos mais nada a perder, ainda podemos perder tudos!

Quando pensamos que não temos mais nada a perder, ainda podemos perder tudos!
Paloma Silveira
out. 26 - 6 min de leitura
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Parece paradoxal o título deste texto e de certa forma até é. Se não temos nada a perder, como é que ainda podemos perder tudos? Nestes tempos pandêmicos, perdemos 138.977 mil pessoas e mais de 4,6 milhões foram contaminades pelo coronavírus/covid-193 . Estamos perdendo o Pantanal e a Amazônia para as queimadas e os desmatamentos que estão em curso mais acelerado. Entretanto, para o antipresidente, em discurso proferido na Assembleia das Nações Unidas (ONU), ocorrida em 22 de setembro de 2020, “a floresta amazônica é úmida e só pega fogo nas bordas” e “o nosso Pantanal (...) as grandes queimadas são consequências inevitáveis da alta temperatura local, somada ao acúmulo de massa orgânica em decomposição" (BRANT; MACHADO, 2020).

Arrematou o falseamento da realidade dizendo que “os responsáveis pelas queimadas são 'índios' e 'caboclos'” – omitindo deliberadamente análises científicas que mostram que a maior parte da área queimada decorre da expansão da agropecuária realizada por grandes proprietários de terras (BARIFOUSE, 2020) – e que o desgoverno tem "tolerância zero com o crime ambiental” (GALGARO; GOMES; MAZUI, 2020). Importantes órgãos ambientais perderam verbas: o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) perdeu 4% e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) 12,8% (BRANT; MACHADO, 2020). Estão assim passando a boiada, como propôs o ministro do anti-meio ambiente na famigerada reunião ministerial de abril (G1, 2020).

Perdemos 8,9 milhões de postos de trabalho, segundo os dados publicados no início de agosto (ALVARENGA, 2020), e mais de 63,5 milhões de brasileires receberam o auxílio emergencial de R$ 600 do governo federal, podendo chegar em alguns casos específicos a R$ 1200 (CASA CIVIL, 2020). Prorrogado até dezembro, o valor do auxílio foi reduzido para 300 reais (FERNANDES, 2020), acompanhado dos aumentos do arroz e da cesta básica (BOEHM, 2020). A fome e a miséria aumentaram no Brasil com a pandemia (DEUTSCHE WELLE, 2020), melhorando temporariamente depois da implementação do auxílio emergencial (MAIA, 2020). No entanto, para a ministra empresária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento: “nós não passamos muita fome, porque nós temos manga nas nossas cidades” (ESTADO DE MINAS, 2020). Ademais, para ela os dados sobre os alimentos ultraprocessados do guia alimentar, que os relacionam a uma nutrição desbalanceada, são "pseudocientíficos” e um “evidente ataque à industrialização” (AZEVEDO, 2020).

Continuamos perdendo com o teto de gastos públicos, a Emenda Constitucional (EC) 95, que apesar da crise sanitária associada às outras crises social e econômica, foi mantido. A demora inicial de medidas para conter os graves impactos sociais e econômicos da pandemia se contrapõe à agilidade do chicago boy, o ministro da Economia, com seu mantra de reformas estruturais e privatizações, que logo afirmou que o “furo” no teto iria aproximar o antipresidente de uma “zona de impeachment” (LIS, 2020). O recado dado foi obedecido e ainda para 2021 a previsão é de redução nos orçamentos da Educação, 13%, da Saúde, 5% (O GLOBO, 2020) e da Ciência, tecnologias e inovações, 31,69% (POLÍTICA DE CTIE, 2020). Enquanto isso, o patrimônio do seletíssimo grupo, os 42 bilionários brasileiros, cresceu US$ 34 bilhões, cerca de 177 bilhões de reais, de acordo com a Oxfam (G1, 2020).

O ministro ex-interino da Saúde, general de divisão do Exército, que sabe tanto de saúde quanto sabe de geografia e já afirmou que as regiões Norte e Nordeste do Brasil sofrem com o inverno rigoroso do hemisfério norte (MENDONÇA, 2020), agora é o titular da pasta. No Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos temos uma ministra, pastora, que reduziu as verbas do combate à violência contra as mulheres e que agiu para impedir que uma menina de 10 anos grávida após estupros sistemáticos do tio realizasse o aborto legal previsto no Código Penal desde 1940 (REZENDE; RESENDE, 2020; VILA-NOVA, 2020). Possíveis articulações entre os dois ministérios produziram a Portaria nº 2.282, que, em síntese, dificulta ainda mais o acesso ao direito de interromper legalmente a gestação5 (GUZZO, 2020). Estamos perdendo.

O novo ministro da Educação, também pastor e militar da reserva do Exército, disse certa vez ser a favor do uso da “vara da disciplina” e que “as universidades” ensinam “práticas totalmente sem limites do sexo” (G13 , 2020; REDAÇÃO RBA, 2020). No Ministério da Ciência, Tecnologias, Inovações e agora sem Comunicações – o “novo” Ministério das Comunicações é do genro do “quem quer dinheiro?”  –temos um astronauta desavisado que parece viver no “mundo da lua” (UOL1 , 2020). Estamos perdendo.

Com a saída do herói da anticorrupção e o enfraquecimento da força tarefa da Lava Jato, o Ministério da Justiça e Segurança Pública foi ocupado por mais um pastor, que realizou uma ação sigilosa sobre um grupo de servidores de segurança, estaduais e federais, identificados como integrantes do "movimento antifascismo", e professores universitários. Já para o ministro das Relações Exteriores, o problema é o comunismo: “o coronavírus faz despertar novamente para o pesadelo comunista”, o “comunavírus” que veio da China (JORNAL NACIONAL, 2020). Assim, tão patriota quanto o antipresidente e o chicago boy, defendeu a subordinação do Brasil aos interesses dos Estados Unidos (BRASIL 247 , 2020).

E na cultura? Temos um novo artista, que estrelou o primeiro vídeo da série “Um Povo Heroico”. Neste a “produção cultural” atenta aos heróis brasileiros utilizou uma estética sombria e uma música de um compositor australiano, sem sua autorização (GZH, 2020; BRASIL 247 , 2020). As camisas das seleções brasileira e australiana são da mesma cor, amarelinhas, deve ter sido por isso que escolheram a trilha sonora internacional para celebrar “a pátria amada, Brasil" . Estamos perdendo.

Mil contratempos que trazem o sofrimento...

Para ler o texto na íntegra:

 

http://www.analisepoliticaemsaude.org/oaps/documentos/pensamentos/quando-pensamos-que-nao-temos-mais-nada-a-perder-ainda-podemos-perder-tudos/

*Texto publicado originalmente na seção Debates e Pensamentos do Observatório de Análise Política em Saúde:

http://www.analisepoliticaemsaude.org/oaps/pensamentos/a98bd7964b03d8caee607904607bd5c7/1/

 


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